Relações perigosas

Emenda inibe fiscalização do trabalho escravo, diz entidade

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14 de fevereiro de 2007, 12h37

O Projeto de Lei da Super-Receita, aprovado na Câmara dos Deputados na terça-feira (13/2) e encaminhado para sanção presidencial, mereceu repúdio nos meios sindicais. A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), por exemplo, em campanha contra a emenda encaminhou ofício ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva com pedido de veto ao dispositivo da lei.

O principal motivo é que o fisco não poderá mais atuar prestadores de serviço contratados como pessoas jurídicas. Para a autuação, será preciso que a Justiça reconheça primeiro a fraude.

Assim, especialistas defendem que a emenda 3, do projeto de Lei 6.272/05, inibe a fiscalização do trabalho. Alegam também que o dispositivo é inconstitucional. Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Sebastião Caixeta, a emenda fere um dos preceitos sagrados da República, a separação dos Três Poderes, “na medida em que vincula, previamente, a atividade de fiscalização do Poder Executivo ao Poder Judiciário”, declarou Caixeta em reportagem à agência de noticias Repórter Brasil.

Já o juiz do Trabalho e também professor da USP, Jorge Souto Maior, lembra que “a atuação do Estado, efetiva e concreta, para fazer valer a ordem jurídica trabalhista é preceito fincado na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948”.

Na opinião de Marcus Orione, juiz federal e chefe do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, a emenda viola as normas que regem as relações de trabalho. “Se há legislação prevendo as conseqüências decorrentes da não formalização da relação de emprego, será possível ao fiscal a tomada das providências legais cabíveis. A análise do ato ilegal e a sua punição não é prerrogativa exclusiva do Judiciário”, explica.

Juízes federais

A Associação dos Juízes Federais do Brasil, também fez coro contra a restrição à atuação dos fiscais. Alega que a emenda ameaça o combate ao trabalho escravo. Segundo a entidade, caso seja aprovada tal emenda, se afastará de imediato a ação do Poder Executivo, por meio dos auditores fiscais do trabalho, de apurar e verificar a existência ou não da relação de emprego, formal ou não, comprometendo especialmente a identificação da ocorrência do crime de trabalho escravo.

“Ou seja, havendo situação de ilegalidade, notadamente de não cumprimento da legislação trabalhista, os auditores fiscais do trabalho, no exercício regular de suas atividades, não poderão assim reconhecê-la de pronto, nem tomar as providências imediatas para regularizá-la e muito menos impor as penalidades cabíveis (administrativas, fiscais, cíveis e até penais)”, informa a entidade em nota.

A Ajufe defende, ainda, que somente o Judiciário, quando provocado, é que poderá concluir pela existência ou não da relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, com conseqüente supressão do poder de polícia administrativo justamente em área na qual se mostra mais necessária a fiscalização.

Para a entidade, o ato fere a Constituição Federal, ao vedar a fiscalização de empresas, que recrutam mão de obra na zona rural por órgãos administrativos criados, estruturados e com empregados treinados para impor o cumprimento das obrigações trabalhistas. Ressaltam também que tudo isso reduz, praticamente a zero, todo o esforço despendido no combate ao trabalho escravo.

Leia integra do ofício

Ofício 038/2007

Senhor Presidente,

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) externa preocupação e repúdio com relação à aprovação, pelo Congresso Nacional, da polêmica emenda ao projeto de lei 6272/05, que determina a necessidade de decisão judicial para a autoridade fiscal considerar existente a relação de trabalho Caso seja sancionada por Vossa Excelência, se afastará de imediato a regular ação do Poder Executivo, por meio dos auditores fiscais do trabalho, de apurar e verificar a existência ou não da relação de emprego, formal ou não, comprometendo especialmente a identificação da ocorrência do crime de trabalho escravo.

Em situação de ilegalidade, notadamente de não cumprimento da legislação trabalhista, os auditores fiscais do trabalho, no exercício regular de suas atividades, não poderão assim reconhecê-la de pronto, nem tomar as providências imediatas para regularizá-la e muito menos impor as penalidades cabíveis (administrativas, fiscais, cíveis e até penais). Somente o Judiciário, quando provocado, é que poderá concluir pela existência ou não da relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício – com conseqüente supressão do poder de polícia administrativo, justamente em área na qual se mostra mais necessária a fiscalização.

Com isso, fere-se a Constituição Federal, ao vedar a fiscalização de empresas, notadamente as que recrutam mão de obra na zona rural, por órgãos administrativos criados, estruturados e com empregados treinados para impor o cumprimento das obrigações trabalhistas. Também reduz-se praticamente a zero todo o esforço despendido no combate ao malfado, indigno e inaceitável trabalho escravo.

Os grupos móveis de fiscalização, cuja atuação foi decisiva para que o Brasil, no ano de 2005, fosse citado como referência no relatório global da Organização Internacional do Trabalho – OIT, não poderão mais verificar de imediato a relação de emprego, bem como tomar todas as medidas exigíveis para a regularização dessa situação. Servidores competentes e treinados ficarão, portanto, alijados de exercer a sua regular atividade, notadamente quando da repressão de ilegalidades no âmbito da relação de emprego.

Por tudo isso, a Ajufe solicita a Vossa Excelência que, com relação ao Projeto de Lei 6272/05, que cria a Receita Federal do Brasil, conhecida como Super-Receita, seja vetada o seguinte dispositivo (emenda nº 3, na origem 94): “a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique em reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá ser sempre precedida de decisão judicial”. As razões, ressaltamos, estão em seu caráter manifestamente inconstitucional e de nefasta repercussão na ordem interna e internacional sobre a atual política de combate ao trabalho escravo, ameaçando arrefecê-la substancialmente.

Aproveito a oportunidade para externar a Vossa Excelência, em nome de nossa entidade de classe, a nossa mais alta admiração e estima.

Cordialmente,

WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR

Presidente da Ajufe

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