Viúva alegre

Fazer piada sobre a morte em propaganda não ofende

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10 de fevereiro de 2007, 23h01

Seria trágico se não fosse cômico. A viúva está toda compungida, ao pé do caixão do finado marido, quando começa a paquera. Nem o padre escapa da tentação e fica de olho, não na viúva propriamente dita, mas no seguro que o falecido lhe deixou. A cena bem humorada da propaganda da Sinaf Seguros passou na TV, caiu na internet, gerou polêmica e foi parar no Ministério Público do Rio de Janeiro após reclamação recebida pela Ouvidoria-Geral. O promotor Rodrigo Terra arquivou o inquérito.

A propaganda tem como o slogan: “Sinaf Seguros – Transforma qualquer viúva em bom partido”. Para uma cidadã que reclamou da propaganda ao Ministério Público, a empresa ofendeu a religião, a moral, os sentimentos de pessoas em luto e a mulher de um modo geral.

A Sinaf Seguros, representada pelos advogados Flávio Andrade de Carvalho Britto e André Rodrigues Cyrino, do escritório Binenbojm, Gama & Carvalho Britto, argumentou que houve apenas uma piada e que a intenção foi a de “extrair diversão de situação comumente solene e triste”.

O tom do anúncio segue uma linha da empresa que procura chamar a atenção fazendo graça. “Nossos clientes nunca voltaram para reclamar” e “como planejar a morte da sua sogra” foram os slogans usados pela companhia em outras campanhas. “Ciente de que lida com questões delicadas, difíceis de serem tratadas abertamente, a inquirida adotou um certo tom de humor na sua comunicação com o público”, alegaram os advogados.

Segundo eles, “a mensagem publicitária apresentada com muita criatividade é bastante evidente: os bons serviços da inquirida iniciam-se com a realização de um velório bem feito e terminam com a certeza de que haverá o recebimento do seguro de vida na maior brevidade possível, ao ponto de que – e nisso surge o toque de humor –, mesmo uma velha senhora seja capaz de despertar incisivos galanteios de um jovem e até mesmo de um religioso”.

Para os advogados, “não houve qualquer intenção de desrespeitar ou discriminar a cerimônia de velório, as viúvas em luto, as mulheres em geral, ou mesmo os religiosos”. O promotor aceitou os argumentos.

O filme da propaganda está em exibição no site Youtube

Leia a íntegra da petição:

EXMO. SR. DR. PROMOTOR DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO TITULAR 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DO CONTRIBUINTE DA CAPITAL.

IC 406/2006

SINAF PREVIDENCIAL COMPANHIA DE SEGUROS, companhia seguradora brasileira com sede na Avenida Rio Branco 245, 29º andar, Centro, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20040-009, inscrita no CNPJ/MF sob o 44.019.198/0001-20, em atenção ao Ofício 659/2006-2a PJDC, de que foi notificada em 04.08.2006, vem, por seu procurador ao final assinado (doc. 1), tempestivamente, manifestar-se sobre o Inquérito Civil acima referido, instaurado pela Portaria nº 303/2006.

I – ESCLARECIMENTO PRELIMINAR QUANTO AO INVESTIGADO

Conquanto o Ofício ora respondido tenha sido dirigido à SINAF — Sistema Nacional de Assistência à Família, os fatos imputados referem-se a filme publicitário veiculado pela empresa Sinaf Previdencial Companhia de Seguros, para venda de serviços por ela prestados.

Assim, em lugar de apresentar defesa diversionista, esquivando-se de responsabilidades, apresenta-se a requerente como a empresa responsável pelo filme, pedindo vênia para oferta desta manifestação.

De todo modo, caso V.Exa. julgue imprescindível a efetiva manifestação da sociedade Sinaf — Sistema Nacional de Assistência à Família neste inquérito, pede a requerente a concessão de prazo para juntada do instrumento de mandato e declaração de ratificação de todas as informações adiante prestadas.

II — A HIPÓTESE

Trata-se de Inquérito Civil Público através do qual se averigua a prática de propaganda abusiva. A peça publicitária em questão é a última campanha da inquirida, intitulada: “transforme qualquer viúva em um bom partido”. Segundo a notícia feita à Ouvidoria-Geral do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, a inquirida faz ofensas “à religião, à moral, aos sentimentos de pessoas em situação de luto e à mulher de um modo geral”.

De acordo com esta I. Promotoria, em razão do que se notificou a ora inquirida, há “possível desconformidade” com o art. 37, § 2o do CDC, o qual estabelece que é abusiva a propaganda discriminatória de qualquer natureza.

Conforme o que se passa a demonstrar, não há abusividade, o que inclusive já foi constatado pelo Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária — CONAR.

III – BREVE INTRODUÇÃO: O DIREITO DE FAZER PROPAGANDA CONSTITUI DIREITO FUNDAMENTAL


Em qualquer democracia que se preze, a possibilidade de comunicar-se e difundir idéias é direito constitucional de status fundamental. De fato, conforme o magistério de Konrad Hesse, a liberdade de expressão, ao lado de liberdades análogas, consubstancia “aquele âmbito no qual se devem formar as concepções de valores decisivas, livre da influência estatal, (…) simplesmente ela é elemento essencial do estado de direito” (1). No Brasil redemocratizado da Constituição de 05 de outubro de 1988 não é diferente. Consagraram-se, assim, a liberdade de expressão e informação no rol de direitos fundamentais com todos os seus corolários (incisos IV, IX e XIV, do art. 5º) (2). No capítulo dedicado à comunicação social, fixa, ainda, o art. 220 da Constituição:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

A Constituição de 1988 pretendeu dar uma guinada no regime de censura do triste passado de muitos anos de ditadura. A liberdade era reconquistada e isso foi feito de forma eloqüente pelo constituinte, que vedou expressamente a censura em duas oportunidades (art. 220, § 2o (3)e art. 5o, IX).

Como se percebe, o constituinte, não sem razão, pretendeu dar um conteúdo bastante amplo ao direito de livre comunicação, reconhecendo que tal direito é verdadeiro instrumento para a consecução da democracia e do Estado de Direito. A mesma acepção ampla é dada pela Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), tratado internacional de direitos humanos, ratificado pelo Brasil em 25 de abril de 1992, in verbis:

Artigo 13 – Liberdade de Pensamento e de Expressão. 1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.

Pois bem. Conforme preleciona Luís Roberto Barroso (4), publicidade e propaganda nada mais são, do ponto de vista constitucional, que meios de comunicação social, formas de manifestação de liberdade de expressão empresarial, ou commercial speech, como dizem os norte-americanos, o qual está inserido na proteção constitucional do free speech.

A proteção da propaganda comercial foi amplamente discutida na jurisprudência norte-americana. Hodiernamente, é tranqüilo neste país que a Primeira Emenda à Constituição dos EUA assegura, como corolário da liberdade de expressão, o direito fundamental de fazer propaganda. Sobre o tema, veja-se, mais uma vez, Luís Roberto Barroso(5):

“Em 1942, ao julgar Valentine v. Chrestensen, a Suprema Corte entendeu que ‘commercial advertising’ não era um direito constitucional e, conseqüentemente, estava sujeito à vedação pelo Estado. Esta linha de entendimento foi reformada, no entanto, a partir do julgamento de Virginia State Board of Pharmacy v. Virginia Citizens Consumer Council, em 1976, que assegurou não apenas proteção à propaganda comercial como também reconheceu ao público o direito de receber informação”.

Nesse sentido, CANOTILHO e JÓNATAS MACHADO (6) ressaltam que “a liberdade é a regra e a restrição é a excepção”. Além disso, continuam os mesmos autores, referidos direitos de liberdade de comunicação social “não poderão estar sujeitos a ‘leituras morais’ subjectivamente consideradas melhores”. Não será, assim, uma leitura ideológica capaz de cercear a possibilidade de manifestação do pensamento das empresas através da propaganda.

É assim que apenas em hipóteses estritas, as quais devem estar fundamentadas em outros direitos humanos, será possível estabelecer limites a este importante direito, sem que se lhe atinja o núcleo essencial. No presente inquérito, o limite atribuído ao direito de fazer propaganda (art. 5o, IV, IX, XIV e art. 220, CF), é fulcrado na a proteção do consumidor, a qual deverá ser feita na forma da lei (art. 5o, XXXII, CF). Foi assim que o legislador, no art. 37 do Código de Defesa do Consumidor, restringiu a liberdade de expressão comercial estabelecendo os casos em que ela não é possível, quais sejam: aqueles em que é considerada enganosa e/ou abusiva (7).

Apenas nas hipóteses legais, as quais deverão ser interpretadas restritivamente, sob pena de violação da liberdade de expressão, será possível considerar abusiva ou enganosa uma determinada peça publicitária, porquanto, em princípio vige a liberdade, própria de um Estado Democrático de Direito. O caminho contrário é o da censura.

In casu, conforme o que se segue, ver-se-á que, nem numa injurídica interpretação ampliativa do conceito de propaganda abusiva, haveria abusividade na peça publicitária em questão, tendo agido a inquirida nos limites de sua liberdade constitucional de comunicar-se com os seus clientes, o que foi, inclusive, reconhecido pelo CONAR, o qual possui regras muito mais rígidas que o CDC.


IV – BOM HUMOR NÃO É DESRESPEITO, NÃO SENDO, IGUALMENTE, PROPAGANDA ABUSIVA

A inquirida atua desde 1992 no mercado de seguros de assistência funeral, constituindo, hoje, uma das mais tradicionais seguradoras populares do Brasil. Seu crescimento deu-se em razão de muito trabalho, dedicação e, principalmente, seriedade na prestação de um serviço da maior importância social. De fato, apesar do incômodo que isso provoca em muitas pessoas, a morte é uma realidade inevitável, que traz diversos problemas de ordem prática, notadamente para a organização e pagamento de um funeral. Um dos principais serviços oferecido pela inquirida consiste justamente em antecipar soluções para tais problemas, evitando maiores preocupações para entes queridos num momento tão delicado como é a morte de uma pessoa próxima. Foi assim que, em seu primeiro slogan, a SINAF valeu-se da frase: “uma solução antecipada para um problema inevitável”.

Ciente de que lida com questões delicadas, difíceis de serem tratadas abertamente, a inquirida adotou um certo tom de humor na sua comunicação com o público. A preocupação era a de que se tornasse mais fácil falar sobre assuntos tão dolorosos como a morte. O bom humor foi a solução adotada. Desenvolveram-se campanhas com títulos como: “nossos clientes nunca voltaram para reclamar”, ou “como planejar a morte da sua sogra”.

Em 2003, a inquirida passou a atuar também no mercado de seguro de vida, atividade na qual empregou a mesma — e inconfundível — política publicitária. Tão delicado quanto os serviços de assistência funeral, a venda de seguros de vida foi tratada com uma pincelada de bom humor, o que, a um só tempo, (i) facilita a identificação pelo cliente de que se trata de serviços da inquirida; (ii) transmite a mensagem publicitária pretendida; e (iii), o que é mais importante, torna mais ameno ao consumidor imaginar-se contratando serviços ligados a própria morte ou a de um ente querido.

Pois bem. Como se observa da peça publicitária em questão, a qual é, nesta oportunidade, juntada em CD-ROM (doc. 2), apresenta-se um velório muito bem organizado, no qual, uma viúva desprovida de maiores atrativos físicos, recebe, para sua surpresa, incisivos galanteios de um rapaz e até mesmo de um religioso, os quais, de forma bem humorada, mostram-se interessados pela boa situação financeira da senhora, cliente da SINAF. A mensagem publicitária apresentada com muita criatividade é bastante evidente: os bons serviços da inquirida iniciam-se com a realização de um velório bem feito e terminam com a certeza de que haverá o recebimento do seguro de vida na maior brevidade possível, ao ponto de que — e nisso surge o toque de humor —, mesmo uma velha senhora seja capaz de despertar incisivos galanteios de um jovem e até mesmo de um religioso.

Na cultura popular, a viúva, quando ainda é jovem, costuma despertar interesse dos solteiros, cientes que são de que a mesma além da juventude, passou a possuir o patrimônio do falecido marido. In casu, em tom de brincadeira, a inquirida quer mostrar que tal interesse foi provocado por uma senhora que passa a ter melhores condições financeiras com o recebimento do seguro pago pela inquirida.

É dizer: a SINAF quer indicar aos seus potenciais clientes que é capaz de, não só organizar um velório, como também de pagar rapidamente o prêmio aos beneficiários dos seguros de vida.

Não houve qualquer intenção de desrespeitar ou discriminar a cerimônia de velório, as viúvas em luto, as mulheres em geral, ou mesmo os religiosos. Até mesmo porque, caso fosse esse o seu propósito, o que se constataria é que a SINAF pretendeu, absurdamente, prejudicar sua própria atividade empresarial, porquanto estaria desacatando seus próprios clientes.

A intenção da inquirida foi a de tratar, com humor, de uma situação indesejada, qual seja, a perda de um ente querido, deixando, ainda, claro, que os serviços da SINAF são uma boa solução para uma das circunstâncias mais inoportuna na vida das pessoas: a morte.

A questão foi submetida ao CONAR (doc. 3), a fim de que se verificasse o descumprimento das rígidas normas de auto-regulação publicitária. Conquanto tenha constatado o descumprimento dos artigos 1o, 3o, 6o e 19 do Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária (8), (que estabelece regras muito mais rígidas que aquelas do CDC), entendeu o órgão que não havia nenhum desrespeito capaz de censurar definitivamente a inquirida, tanto que apenas foi feita uma recomendação: a de que fosse retirado o crucifixo da estola do religioso, o que já foi providenciado (doc. 2). De acordo com o CONAR, bom humor não pode ser confundido com desrespeito, não sendo, por maioria de razão, abusivo o comercial. Ademais, o uso de brincadeiras amplamente conhecidas do folclore nacional, como o padre mal intencionado e o jovem interesseiro, afastam qualquer alegação de desrespeito. Pede-se vênia para transcrever trecho da bem fundamentada decisão do conselho:


“o comercial questionado constitui certamente um interessante e emblemático histórico.

Ele brinca com mortos, com viúvas, com sexo, com padres, com instituições.

Aparentemente, um prato cheio para averbações e condenações.

É nosso dever, por outro lado, aprofundarmo-nos na análise dos princípios que tal comercial magoaria. Sabemos que estão presentes ali alguns dos chavões mais constantes nos esquetes de televisão, de teatro de comédia popular. Nada que não tenha sido visto mais de uma centena de vezes por qualquer um: a viuvinha chorosa, o beliscão nas nádegas, o Ricardão post-mortem.

E ali também está o padre interesseiro e ao mesmo tempo libidinoso. Mas essa figura também não é nova no nosso folclore. Quando lançado, há cerca de 50 anos, o Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, lotado de padres e bispos assim chegou a causar espanto e constrangimento.

Hoje, a peça e o filme dela decorrente têm censura livre, existem encenações para teatro infantil, que passam sem problemas em colégios religiosos.”

Esse espírito já orientou o CONAR em outras oportunidades, deixando claro que comerciais bem humorados não se confundem com aqueles desrespeitosos, que também seriam também abusivos. Por exemplo: dois consumidores consideram ofensivo à fé católica comercial de TV promovendo motocicletas da marca Honda no qual atores aparecem parodiando três padres cantores. Entendeu o CONAR que o comercial em momento algum ridiculariza ou menospreza a fé católica. Conforme consignado pelo relator: “Certamente os altos representantes da Igreja Católica, embora sérios, devem ser desprovidos de senso de humor” (Representação no 10/2000).

No mesmo diapasão, vejam-se ainda os seguintes casos, retirados dos resumos disponíveis no sítio do CONAR na internet (9):

“Representação nº 238/04

Autor: Conar, a partir de queixa de consumidor

Anunciante e agência: Bradesco e Neogama

Relator: Paulo Henrique Montenegro

Decisão: Arquivamento

Fundamento: Artigo 27, nº 1, letra a do Rice

Em decisão unânime, atendendo à sugestão do relator, as 2ª e 4ª Câmaras, reunidas em sessão conjunta, recomendaram arquivamento de representação ética aberta a partir de denúncia de consumidor de Belo Horizonte, que entendeu desrespeitoso comercial para TV, que mostra cenas de familiares “reclamando” do falecido, por não ter lhes deixado um seguro de vida.

O relator aceitou os termos da defesa, segundo o qual o filme alerta de forma bem-humorada para a questão do abandono financeiro a que fica relegada a família em caso de morte de seu provedor.”

“Representação nº 329/03

Autor: Conar, a partir de queixa de consumidor

Anunciante e agência: Mandic e W/Brasil

Relatora: Mariângela Vassalo

Decisão: Arquivamento

Fundamento: Artigo 27 letra a do Rice

Consumidora de Santo André (SP) escreveu ao Conar considerando desrespeitoso às devoções religiosas filme para a TV criado pela agência W/Brasil para a Mandic, onde uma mãe de santo recebe um e-mail em pleno terreiro.

Anunciante e agência alegaram bom humor na produção do filme.

A relatora aceitou as ponderações da defesa, propondo o arquivamento da representação, voto aceito por unanimidade.”

Foi justamente por essas razões que o CONAR entendeu que não havia descumprimento das normas éticas. O mesmo raciocínio deve ser aplicado ao presente caso, no qual o paradigma é o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 37, § 2o.

Realmente, se o uso de meios humorísticos não pode ser confundido com propaganda desrespeitosa, estando de acordo com as normas éticas de auto-regulação publicitária, também não poderá ser equiparado à propaganda abusiva, conforme estabelecida no CDC (art. 37, caput e § 2o). Não há nenhuma discriminação à religião, à mulher, ou à moral. O que fez a inquirida foi simplesmente brincar com imagens folclóricas, acentuando, hiperbolicamente e com bom humor, alguns mitos populares, como o padre e o jovem interesseiros.

Para que se constate se uma propaganda é ou não abusiva, deve-se aferir se a mensagem desvirtua-se do seu propósito de comunicar e vem a ofender valores considerados fundamentais, avaliando-se o impacto moral e cultural da publicidade (10). O grau de tal impacto comprovará ou não a abusividade. Conforme o exposto, a inquirida apenas tratou de forma bem humorada de figuras amplamente conhecidas do imaginário popular, não se podendo dizer que, diante da ampla difusão dessas idéias, houve abuso na veiculação publicitária.

É por essa razão, sabendo-se, ainda, que é vetor axiológico para tal conclusão que o direito de fazer propaganda é direito fundamental, que não se pode dizer que há abusividade. Não há desconformidade com a legislação consumerista, tendo agido a inquirida estritamente nos limites da lei. A criatividade publicitária, exercida de acordo com os limites legais, tem fundamento constitucional na livre manifestação de idéias, direito sem o qual não é possível, simplesmente, um Estado de Direito.


III – CONCLUSÃO.

Diante do exposto, pede e espera a inquirida, seja o presente Inquérito Civil público arquivado ante a evidência de que a peça publicitária em questão — sequer desrespeitosa — não é abusiva.

Requer, outrossim, a juntada nestes autos, de CD-ROM com a última versão da peça publicitária em questão.

Rio de Janeiro, 23 de agosto de 2006.

FLÁVIO ANDRADE DE CARVALHO BRITTO

OAB/RJ 51.304

ANDRÉ RODRIGUES CYRINO

OAB/RJ 123.111

Notas de Rodapé

1- HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha (trad. Luís Afonso Heck). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 302-303.

2- IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

3- “§ 2º – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”

4- BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional, 2a ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 251.

5- Op. e loc. cit.. V. tb CLÈVE, Clèmerson Merlin. Liberdade de expressão, de informação e propaganda commercial, in Direitos Fundamentais: Estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres, Rio de Janeiro: Renovar, p. 223.

6- “Reality shows” e liberdade de programação, Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 12. Grifou-se.

7- “Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

8- Artigo 1º Todo anúncio deve ser respeitador e conformar-se às leis do país; deve, ainda, ser honesto e verdadeiro.

Artigo 3º Todo anúncio deve ter presente a responsabilidade do Anunciante, da Agência de Publicidade e do Veículo de Divulgação junto ao Consumidor.

Artigo 6º Toda publicidade deve estar em consonância com os objetivos do desenvolvimento econômico, da educação e da cultura nacionais.

Artigo 19 – Toda atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à dignidade da pessoa humana, à intimidade, ao interesse social, às instituições e símbolos nacionais, às autoridades constituídas e ao núcleo familiar.

9- www.conar.org.br.

10- MELLO, Heloísa Carpena Vieira de. Prevenção de riscos no controle da publicidade abusiva, in Revista do Direito do Consumidor no 35, p. 127.

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