Maneira torta

Sou contra o nepotismo, mas CNJ não poderia proibi-lo

Autor

  • Ivo Dantas

    é professor titular da Faculdade de Direito do Recife doutor em Direito Constitucional livre docente em Direito Constitucional e em Teoria do Estado. É também membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas da Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas presidente do Instituto Pernambucano de Direito Comparado e da Academia Pernambucana de Ciências Morais e Políticas. É juiz federal do Trabalho (aposentado) e parecerista.

9 de fevereiro de 2007, 23h01

Começo este artigo com duas afirmativas preliminares e necessárias. Primeiro: as considerações que serão feitas não têm nada de pessoal, isto porque, desde meu avô, desembargador Virgílio Dantas, não tenho parente ocupando cargo nenhum no Poder Judiciário e, no meu caso, como juiz do Trabalho, estou aposentado já se vai um bom tempo.

Ademais, embora sempre tenha me referido ao tema em conferências proferidas em Congresso, ainda não tinha escrito nada sobre ele. Entretanto, sempre disse que as associações de magistrados que tanto aplaudiram a Resolução do Conselho Nacional de Justiça sobre nepotismo no Judiciário tinham-lhe dado um cheque em branco, que mais cedo ou mais tarde, faria seus diretores e membros chorarem lágrimas de sangue.

Pelo que me lembro, afirmei isto em congressos em Salvador, Natal, Macapá, Curitiba e tantos outros locais.

Segundo: esta minha posição tem uma razão de ser. Devo, de logo adiantar, que sou totalmente contra o nepotismo ou qualquer outra forma de beneficiamento no serviço público, feito a quem quer que seja, seja em nome do que for (competência, elegância, sabedoria, beleza, etc.). Só acredito na via única do concurso público o qual, apesar de seus defeitos (e todos sabemos!), ainda é o menos ruim.

Exatamente por isto toda a minha vida foi feita com base em concursos, a começar pela minha entrada na Faculdade de Direito do Recife, na qual, para participar do certame, tive de brigar vários anos, pois não tinha parente na casa e a tradição era (como em tantas outras) a cooptação. Repito: na UFPE entrei como professor auxiliar de ensino (1972) até passar, em 1995, para professor titular de Direito Constitucional (no meio, tem tantas estórias que darão um livro de memórias que pretendo escrever), no qual permaneço e só pretendo sair pela vergonhosa aposentadoria compulsória (melhor dizendo, expulsória).

Dizer tudo isto foi necessário para que entendam meu posicionamento: sou contra o nepotismo, mas a forma de proibi-lo não era por meio de Resolução do CNJ, que não tem competência para tanto.

Porém, era um tema sobre o qual todos aplaudiam, pois era politicamente correto. Era simpático, dava Ibope aplaudir a salvação da moralidade no Judiciário. Afinal, existiam magistrados que até tinham tempo para aposentadoria, mas não o faziam porque sua renda mensal iria cair (afinal, os filhos, irmãos, sobrinhos, todos trabalhando juntos, aumentavam a renda familiar mensal).

Poderá alguém perguntar: isto é moral? Não, não e não. Porém, quem teria de regular e proibir esta situação, até em nome da moralidade administrativa (CF artigo 37), e de tantos outros dispositivos, não era o CNJ, pois (repito) competência não tinha para tanto. Resultado: o que começou errado continua errado e em vez de ser órgão fiscalizador (finalidade e justificativa contra a qual sempre me manifestei pela sua composição), agora passou a ser réu (ou o nome que queiram dar) em diversas ações.

Na revista Consultor Jurídico, só no mês de dezembro, foram publicadas diversas reportagens sobre o teto dos magistrados. Uma delas em especial (Tetos diferenciados: AMB recorre contra subteto da magistratura estadual) me inspirou o presente artigo, sobretudo porque, como constitucionalista, concordo com a AMB, e mais ainda, no momento em que Rodrigo Collaço afirma (e eu assino o que foi dito) que: “O subteto coloca a magistratura estadual em um patamar inferior à magistratura federal, além de violar cláusulas pétreas concernentes à estrutura do Judiciário, a diferença ofende os princípios constitucionais da isonomia e da proporcionalidade”.Como afirmei, assino o que foi dito pelo Collaço.

Apenas uma novidade em tudo isto me causou espanto: depois da posição do STF em relação ao desconto previdenciário dos inativos, ainda se pode falar em cláusula pétrea? E deixando mais claro: ainda se pode falar em ato jurídico perfeito, coisa julgada e direito adquirido?

Tenho minhas dúvidas, mas parabenizo Rodrigo Collaço.

Pena que, talvez, tenha sido tarde. Tudo isto deveria ter sido feito desde a tramitação da Emenda 45 no Congresso Nacional. Mas não. O corretamente político era a criação do CNJ e o CNMP, com os quais concordaria plenamente, não fosse a sua composição, neste ponto devendo-se lembrar que a indicação de um dos membros do CNJ foi rejeitada pelo Senado, e este mesmo Senado no dia seguinte (sem considerar a decisão anterior, mas por composição política pelo que informou a imprensa) aprovou o mesmo nome.

Todos ficaram calados. Ninguém falou, ou se falou, foi intra-muros, pois pelo menos eu não li nem ouvi nada, só tendo tomado conhecimento (se a memória não me falha) pela Voz do Brasil.

Permitam-me os leitores uma interrogação final: com relação ao teto dos ministros do STF e dos tribunais superiores, em que condições continuam eles dando aula em universidades públicas? Se as acumulações são constitucionalmente permitidas, para o teto somar-se-ão as fontes, ou cada uma poderá chegar até o teto (estou sonhando como professor)? Senão, para onde vai o dinheiro do desconto previdenciário do cargo de professor?

Se não iremos receber a aposentadoria, é justo, razoável (princípio hoje não decantado e ao gosto de certos ministros do STF) que haja desconto? Não seria ou não há figura penal em que se enquadre este desconto? Este é assunto muito sério, para o qual temos, urgentemente, que refletir, pelo menos, para não chegarmos tarde.

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    é professor titular da Faculdade de Direito do Recife, doutor em Direito Constitucional, livre docente em Direito Constitucional e em Teoria do Estado. É também membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, da Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas, presidente do Instituto Pernambucano de Direito Comparado e da Academia Pernambucana de Ciências Morais e Políticas. É juiz federal do Trabalho (aposentado) e parecerista.

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