Reitores x governo

Universidades contam com Justiça para preservar autonomia

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9 de fevereiro de 2007, 13h36

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), não deve conseguir na Justiça autorização para levar adiante o plano de subordinar a execução financeira das universidades estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp) ao Sistema Integrado de Administração Financeira do Estado e dos Municípios de São Paulo (Siafem). Decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento de Recurso Extraordinário, em 1979 estabeleceu precedente que dá razão às universidades, contrárias ao projeto.

Em reuniões das secretarias do Planejamento e da Fazenda com as universidades, a medida para incluir no Siafem o orçamento foi tratada com uma mera mudança de rotina, que não necessitaria de processos formais.

Atualmente, os dados orçamentários já estão no banco de dados do sistema, como contabilidade, mas não para controle financeiro prévio. Isto significa que o governador pode acessar mensalmente de seu terminal os gastos feitos. Rotineiramente as reitorias também prestam contas ao Tribunal de Contas do Estado.

Se sua execução financeira for integrada ao sistema, criado em 1996, as universidades dependerão de autorização prévia do governo estadual sempre que quiserem remanejar itens orçamentários. As universidades aceitam informar diariamente seus gastos ao governo no Siafem, mas não querem ter que pedir autorização do governo para manejar o seu orçamento.

O secretário do Planejamento, Francisco Vidal Luna, chegou a declarar publicamente que já poderia controlar os recursos das universidades, apesar de o governo afirmar que não usará a prerrogativa do veto.

O argumento das universidades é que a mudança restringiria a autonomia universitária, prevista pela Reforma Universitária (Lei 5.540/1968). A lei foi recepcionada pela Constituição de 1988 e regulamentada por decreto em São Paulo, em 1989.

No Siafem, por exemplo, um recurso que estaria planejado para ser usado como custeio não poderia ser destinado para investimento. A subordinação obrigaria que os recursos das universidades ficassem na mesma conta do Estado, o que impediria que elas usassem o dinheiro para investimento financeiro.

O problema é que mesmo sem controlar efetivamente o orçamento, só o fato de ter que autorizar o remanejamento dos recursos vai contra um acórdão de 1979 do STF, em um processo que teve início em 1974 com um mandado de segurança da USP contra o governo de São Paulo. Na oportunidade, o Supremo deu decisão favorável, por unanimidade, pela autonomia da USP.

No Recurso Extraordinário 83.962-3, o então ministro Pedro Soares Muñoz, destacou as seguintes palavras do jurista Caio Tácito em seu relato: “subordinar cada uma dessas mutações internas das despesas de custeio à aprovação do Governador do Estado, como decorrerá da exegese esposada pelo Tribunal de Contas do Estado, é condenar a USP a uma subordinação intolerável, jungindo-a em atos comezinhos de sua economia ao alvedrio do Poder Executivo. Será a mutilação ou a castração de sua autonomia, despojando-a de uma qualidade indispensável ao regular o eficaz funcionamento da Universidade, ao arrepio da lei e do sistema federal do ensino superior”.

A súmula do acórdão diz também que no caso da USP, “o controle financeiro se faz ‘a posteriori’, através da tomada de contas e inspeções contábeis”.

O artigo 207 da Constituição afirma que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.

Na interpretação de Ana Cândida de Cunha Ferraz, no artigo Autonomia universitária na Constituição de 1988, publicado na revista Direito Administrativo de 1999 (bancada pelo próprio governo do Estado), a autonomia não deve ser entendida como fim mas também como meio, incluindo a prática dos atos administrativos. “Consiste a autonomia administrativa universitária no poder de autodeterminação e autonormação relativos à organização e funcionamento de seus serviços e patrimônio próprios, inclusive no que diz respeito ao pessoal que deva prestá-los, e à prática de todos os atos de natureza administrativa inerentes a tais atribuições e necessários à sua própria vida e desenvolvimento. Tais poderes deverão ser exercidos sem ingerência de poderes estranhos à universidade ou subordinação hierárquica a outros entes políticos ou administrativos. Consiste, pois, na autonomia de meios para que a universidade possa cumprir sua autonomia de fins”.

Serra X Universidades

A briga das universidades com o governo estadual começou logo no início da nova gestão. O governo não repassou integralmente o previsto com a arrecadação do ICMS de 2006 e ainda contingenciou 15% dos recursos de custeio deste ano. O que gerou descontentamento dos reitores e da comunidade universitária. Antes mesmo do inicio das aulas, nos corredores das faculdades, professores, alunos e servidores já falam na possibilidade de mais uma greve este ano.


Em nota de protesto pelo contingenciamento, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) lembrou que política orçamentária das universidades públicas é exemplo para o governo federal e para outros estados. “O recente projeto de Reforma do Ensino Superior preparado pelo Governo Federal buscou no bom exemplo paulista inspiração para consolidar o preceito constitucional de autonomia ao estabelecer subvinculação de recursos orçamentários para as universidades federais”.

Devido às duas ações do governo, em janeiro, em uma das rubricas orçamentárias a USP teve um contingenciamento de R$ 11,5 milhões e na Unesp a redução foi deR$ 10,3 milhões. Já a Unicamp recebeu R$ 5,5 milhões a menos. O secretário de Ensino Superior, José Aristodemo Pinotti, disse que o contigenciamento é pequeno e que irá reverter a situação assim que a Lei Orçamentária for aprovada pela Assembléia Legislativa do estado.

Leia Recurso Extraordinário

Súmula do acórdão

Recurso Extraordinário 83962 / SP – São Paulo

Relator: Ministro Pedro Soares Muñoz

Julgamento: 17/04/1979

Órgão Julgador: Primeiro Turma

Publicação

DJ 04-05-1979 PP-03519

Ement Vol-01130-02 PP-00452

Rtj Vol-00094-03 PP-01130

Ementa

Autonomia Universitária. Aprovação prévia, pelo governador do Estado, do orçamento da Universidade de São Paulo. Exigência do Tribunal de Contas com base em legislação estadual. Sua não validade em face do art. 3 da Lei Federal N. 5.540/68, que atribui autonomia financeira as universidades. O controle financeiro se faz “a posteriori” através da tomada de contas e das inspeções contábeis.

Indexação

CT0566

Matéria Financeira e orçamentária

Universidade Estadual

Autonomia Universitária

Legislação

Leg-Fed Emc-000001

Ano-1969 Art-00008 Par Único Let-G

Art-00119 Inc-00003 Let-A

Art-00119 Inc-00003 Let-C

CF-1969 Constituição Federal

Leg-Fed Rgi Ano-1970 Art-00308

Ristf-1970 Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal

Leg-Fed Lei-005540

Ano-1968 Art-00003

Art-00004 Par-Único

Leg-Est Ces Ano-1967 Art-00132

Leg-Est Del-000007 Ano-1969

Art-00003 Inc-00002 Art-00015

Inc-00002 Art-00030

Leg-Est Est Art-00011 Par-00002

Universidade de São Paulo

Observação

Votação: Unânime. Resultado: Conhecido e Provido.

Veja RP-796, RTJ-56/412.

REC.

ano: 1979 aud:02-05-1979

RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº. 83.962 – SÃO PAULO

RECORRENTE: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

RECORRIDO: ESTADO DE SÃO PAULO

EMENTA: – Autonomia universitária. Aprovação prévia, pelo Governador do Estado, de orçamento da Universidade do Estado de São Paulo. Exigência do Tribunal de Contas com base em legislação estadual. Sua não validade em face do art. 39 da Lei Federal nº 5.540/68, que atribui autonomia financeira às universidades. O Controle financeiro se faz “a posteriori”, através da tomada de contas e das inapeções contábeis.

A C Ó R D Ã O

Vistos

Acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Primeira Turma, à unanimidade de votos e na conformidade das notas taquigráficas, conhecer de recurso e dar-lhe provimento.

Brasília, 17 de abril de 1979

Xavier de Albuquerque

Presidente

Soares Muñoz

Relator

RELATOR: O SENHOR MINISTRO SOARES MUÑOZ

RECORRENTE: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

RECORRIDO: ESTADO DE SÃO PAULO

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO SOARES MUÑOZ: — O despacho do ilustre Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Desembargador José Carlos Ferreira de Oliveira, bem expõe a espécie:

“Trata-se de mandato de segurança impetrado pela UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, autarquia estadual, contra ato do TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE S. PAULO, porque este, por acórdão de 21 de fevereiro de 1974, publicado na imprensa oficial de 21/3/1974, decidiu que o orçamento da impetrante deve ser aprovado pelo Senhor Governador do Estado, ex-vi do disposto no art. 15, n. II, do decreto-lei complementar nº 7, de 6/11/69.

Alegou a impte que, sentindo-se ferida em sua autonomia financeira e lesado direito liquido e certo de quem é titular, por força do preceito do art. II, § 2º do Estatuto da Universidade de S. Paulo (aprovado pelo decreto n. 52.385, de 16/12/69, Sr. Governador do Estado) e do que se contem no art. 132 da Constituição Estadual, e ainda do que estabelece a legislação federal sobre as diretrizes e bases do ensino superior (art. 39 da lei federal n. 5.540, de 1968), em consonância com o disposto no art. 8º, n. XVII, letra “g”, e seu parágrafo único, da Constituição Federal, não pode sujeitar-se à legislação estadual em que se apoiou a decisão do Tribunal de Contas do Estado, dada a hierarquia das normas legais, com a prevalência da legislação federal sobre a estadual. Daí a nulidade da decisão impugnada.


Processado regularmente o mandado, denegou o ven. Acórdão da Eg. Serta Câmara Civil, por maioria de votos, consoante se vê de fls. 122/158, com declaração de voto vencido.

Irresginada, a Universidade de São Paulo manifesta recurso extraordinário para Colendo Supremo Tribunal Federal, com fundamento nas letras “a” e “o” do XX. III do art. 119 da Constituição Federal.

Alega a recorrente que o recurso, primeiramente, é interposto com base no art. 119, n. III, letra “o”, da Constituição da República, porquanto o r. acórdão recorrido julgou “válida lei ou ato do governo local contendo em face da Constituição ou de lei federal”.

Assim ocorreu porque o ven. Acórdão deu eficácia e validade do disposto nos arts. 15, n. II e 30, do dec-lei complementar nº 7, de 6/11/69, que é lei do Estado de S. Paulo, malgrado tivesse sido apontado como infringente: a) do art. 8º, n. XVII, letra “q”, e parágrafo único, da Constituição da República; b) do art. 3º da lei federal n. 5.540 de 28/11/68.

Ao demais, – prossegue a recorrente, – atentando o vem. Acórdão contra o art. 8º, XVII, letra “q”, da Constituição da República, dúvida não há de que também cabe a inovação da letra “ “, do art. 119, n. III, da Lei Maior, pois que r.r. aresto contrariou o mencionado dispositivo constitucional. Além disso, o r. julgado negou vigência ao art. 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pelo que o recurso se enquadra no permissivo constitucional da letra “a” do ine. III do art. 119 da Constituição Federal.

Sustentando longamente a autonomia financeira absoluta da Universidade, a recorrente analisa e critica o r. julgado para depois comentar as leis do ensino e as de caráter financeiro. Conclui a recorrente por invocar o acerto do r. voto vencido e o parecer da Procuradoria Geral da Justiça no sentido de sua tese de plena autonomia financeira da Universidade, conferida pela legislação federal.

O recurso sofreu impugnação da Procuração Federal do Estado a fls. 191/194, propagando pela confirmação do vem. Acórdão recorrido, por ter preservado a autonomia política do Estado, consubstanciada na sua faculdade de estabelecer regras sobre a sua atividade administrativa e financeira, na conformidade do art. 13, § 19 da Constituição Federal. Sustentou a Procuradoria, ainda que a lei federal n. 5.5400, de 1969, em seu art. 3º, cogita apenas das universidades federais, no que toca à sua autonomia administrativa e financeira, aplicando-se o seu texto ampliativamente somente a sua atividade cientifica, técnico-didática e disciplinar, setor esse que teria de ser respeitado pelo Estado. Não, quanto ao controle financeiro da universidade estadual, porque este é da competência do Estado-membro. Daí a legalidade da decisão impugnada.

A Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo deferimento do recurso, com base em ambos os permissivos constitucionais invocados.

Admito o recurso com base nos permissivos constitucionais em que se apoiou a recorrente.

Cogita-se de relevante questão federal, tal como se prevê no art. 308 do Regimento Interno do Colendo Supremo Tribunal Federal.

Cuida-se de fixar a extensão da autonomia financeira da universidade paulista em faca do que dispõe a legislação federal em geral, tendo em vista a restrição estabelecida pela legislação local, para preservação do princípio da autonomia política do Estado-Membro, também assegurado pela Constituição da República.

O vem. Acórdão recorrido, com extensa fundamentação, entendeu que não há colisão dos preceitos legais do Estado com o que se estatui superiormente, in genere, para o regime universitário superior, de molde a concluir pela absoluta legalidade da exigência do Tribunal de Contas no sentido de que a recorrente, não apenas sujeita a prestação de contas a posteriori, submeta previamente o seu orçamento a aprovação do SR. Governador do Estado como autoridade máxima para ordenar a despesa em todos os setores administrativos do estado. Daí a conclusão do r. julgado no sentido da legalidade do ato impugnado.

Na verdade, a matéria é de magna transcendência para a Administração Pública Estadual, merecendo a palavra final do Excelso Pretório a seu respeito, porquanto envolve a exegese definitiva de dois princípios constitucionais, que devem ser harmonizados, embora com prevalência de um sobre o outro, sem prejuízo de sua respectiva grandesa: o da autonomia política do Estado frente ao da autonomia financeira absoluta da universidade.

Bem por isso abstenho-me de qualquer pronunciamento pessoal sobre assunto de tanta relevância, entregando-o agora ao exame e à sabedoria do Precatório Supremo.

Processe-se, pois, o recurso, amplamente justificado em seu duplo fundamento” (fls. 200 a 203).

A Procuradoria Geral da República, em parecer elaborado pelo ilustre Procurador Mauro Leite Soares, opina pelo conhecimento e provimento do recurso:


“O Tribunal a quo, fl. 122, denegou mandado de segurança impetrado pela Universidade de São Paulo contra ato do Tribunal de Contas do Estado, que decidiu estar a impetrante obrigada e submeter o seu orçamento a aprovação do Governador do Estado, porque o art. 3º do Decreto-lei complementar nº 7/69, que determina a sujeição prévia, não é inconstitucional.

Daí o recurso extraordinário, fundado nas letras “a” e “e”, alegando a Universidade Paulista contrariedade ao art. 89, XVII, letra “q”, da Constituição Federal, negativa de vigência do art. 89 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e invalidade dos arts. 15, II e 30 do D.L. Complementar nº 7/69, lei local.

Somos pelo conhecimento do recurso.

Trata-se de exame da autonomia financeira da Universidade de São Paulo, entidade subordinada ao Governo Estadual.

O acórdão recorrido, denegando a segurança, conformou decisão do Tribunal de Contas do Estado no sentido de que a recorrente está obrigada a submeter à prévia aprovação do Governador do Estado o seu orçamento de custeio e de capital e as respectivas alterações, tendo em vista o art. 15, II, d D. L. Complementar nº 7/69, aplicável por força do disposto no art. 30 do mesmo diploma legal.

A exemplo dos entendimentos centrários, também entendemos que a questionada norma legal não se aplica à recorrente, sob pena de ser desvirtuada a sua autonomia financeira, prevista não só em normas federais, como também nas estaduais.

Dispõe o art. 8º, XVII, letra “q” da Constituição Federal, que à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, tendo o seu parág. único previsto que a competência em questão não exclui a dos Estados para a legislação supletiva, respeitada a lei federal.

A constituição Paulista, no seu art. 132, prevê que: “As universidades oficiais serão organizadas com observância da legislação estadual, assegurada a sua autonomia nos termos da lei federal”.

O Estado da recorrente, baixado pelo Chefe do Executivo Paulista, posteriormente à edição do questionamento D. L. Complementar nº 7/69, através do decreto 52.825 de 10 de dezembro de 1960, declara no seu art. 11, § 2º, que o “orçamento, as transposições orçamentárias e a abertura de crédito, com recursos à disposição da Universidade, serão aprovados por ato do Reitor, cumprindo aos responsáveis pela aplicação das verbas prestar contas aos órgãos competentes.”

Finalmente, encerrando a transcrição dos dispositivos legais, o art. 3º da Lei fed. 5.540/68 declara que “As universidades gosarão de autonomia didático-científica, disciplina administrativa e financeira, que será exeroida na forma da lei e dos seus estatutos, enquanto que o art. Seg., 4º dispõe que “As universidades e os estabelecimentos de ensino superior isolados constituir-se-ão, quando oficiais, em autarquias de regime especial ou em fundações de direito público e, quando particulares, sob a forma de fundações ou associações”, esclarecendo o seu parág. que XX o regime especial previsto obedecerá às peculiaridades indiciados nesta Lei”.

Delimitados os dispositivos legais necessários ao exame da matéria, concluiremos que a decisão a quo julgou válido ato do governo local que contestou a lei federal, nos termos do art. 119, III, letra “e”, da Constituição da República.

As leis federais de nºs 4.024/61 e 5.540/68 e D.L 464/69 consubstanciam um verdadeiro Código do Ensino Nacional, em obediência ao art. 8º, XVII, letra “q”, e seu parág. único, da Constituição Federal, que fixam a competência da União para legislar a respeito da matéria. E, no que interessa diretamente ao objeto dos autos, não pode haver dúvida que o disposto no art. 3º da lei 5.540/68 aplica-se por inteiro não só às universidades federais, como também às universidades estaduais e outras, ao contrário do entendido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que elaborou uma verdadeira dicotomia de suas normas, no sentido de que só as duas primeiras, as autonomias didático-científica e disciplinar, serão respeitadas, sendo as duas outras, as autonomias administrativa e financeira, de caracteres pessoais, isto é, de acordo com suas leis criadores e respectivos estatutos. Entretanto, assim não o é, bastando a leitura do diploma legal, que, conforme seu preâmbulo, “fica normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras providências”, para se concluir, sem sombra de dúvida, que ele se aplica a todas as universidades e estabelecimentos de ensino superior isolados, sejam federais, estaduais, municipais ou particulares, desnecessários sendo o exame de artigo por artigo para comprovar e demonstrar o alegado.

A recorrente é uma autarquia estadual. Mas, não faz parte daquele conglomerado referente ao serviço descentralizado do Estado, na sua forma comum. A própria lei federal, de nº 5.540/68, em seus art. 4º e § único, declara que ela é uma autarquia de regime especial, o qual obedecerá às peculiaridades indicadas. Sendo assim, inútil o esforço do acórdão recorrido para sujeitá-la aos ditames legais relativos à autarquia de regime comum.


Não pretende a recorrente a autonomia financeira absoluta. Pretende, sim, a auto-gestão do seu orçamento, encaminhado pelo Poder Executivo e aprovado pelo Poder Legislativo, sujeita a sua execução ao posterior exame do Tribunal de Contas. Como bem disse o seu ilustre patrono, Professor José Frederico Marques, f. 179, “essa auto-gestão é indispensável, para que os recursos financeiros se distribuem em tempo oportuno e para atender às exigências de pesquisas, cursos, trabalhos, atividades cientificas e culturais que se façam necessários a fim de que a Universidade atenda a seus altos objetivos e finalidade”. É de server que se tais ações e atividades ficam subordinadas cada vez que se façam necessárias, ao crivo aprovador ou não do Chefe do Poder Executivo, a Universidade ficará despojada da sua independência financeira e da rapidez imprescindível à consecução dos seus objetivos. A autonomia, à evidência já não é absoluta, porque sujeita a aprovação do orçamento previsto pela Universidade à consideração do Poder Executivo e subseqüente aprovação do Poder Legislativo. No entanto, na sua relatividade deverá ser respeitada a capacidade de decisão da entidade de ensino em relação ao seu próprio orçamento, sem interferência de outros órgãos. Tal capacidade é intrínseca à autonomia prevista, sob pena de não haver motivo para a sua previsão legal, visto que não ocorreria ocasião de ordem prática para a sua incidência. Como entendeu o Professor Caio Tácito, em seu parecer, fl. 51, “subordinar cada uma dessas mutações internas das despesas de custeio à aprovação do Governador do Estado, como decorrerá da exegese esposada pelo Tribunal de Contas, é condenar a USP a uma subordinação intolerável, jungindo-a em atos comezinhos de sua economia ao alvedrio do Poder Executivo. Será a mutilação ou a castração de sua autonomia, despojando-a de uma qualidade indispensável ao regular e eficaz funcionamento da Universidade, ao arrepio da lei e do sistema federal de ensino superior”.

A autonomia da universidade possui regras a serem obedecidas, sendo que o art. 48 da lei 5.540/68 prevê a sua suspensão, após inquérito do Conselho Federal de Educação, por motivo de infringência da legislação do ensino ou de preceito estatuário ou regimental, designado-se Reitor “pre tempore”.

Prova inconstante que a autonomia da universidade está ligada à legislação federal, não lhe sendo aplicáveis dispositivos estaduais contrários, encontramos na RP 795, Relator Ministro Adaueto Cardoso, in RTJ 58/412, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu que era inconstitucional a submissão da escolha do Reitor da Universidade recorrente à Assembléia Legislativa, por exorbitar do modelo da Constituição Federal e não atender à Lei de Diretrizes e Bases.

A autonomia universitária é regulada pela legislação federal, não podendo a legislação estadual, a título de suprimento ou complemento, dispor de maneira diferente àquela prevista no modelo federal para a própria independência da universidade.

Permitindo-nos, ainda, reportar ao pronunciamento do Ministério Público local, fl. 99, através do Dr. Ruy Junqueira de Freitas Camargo e ao voto vencido do Des. Oliveira Lima, f. 134, somos pelo provimento do recurso extraordinário” (fls. 216 a 221).

É o relatório.

Voto

O SENHOR MINISTRO SOARES MUÑOZ (RELATOR): — O recurso extraordinário é interposto como arrimo nas letras “a” e “c” do permissivo constitucional, alegando, em síntese, que o acórdão recorrido, deu eficácia ao ato do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, praticado com base nos artigos 15, nº II, e 30 do Decreto-lei Complementar nº 7, de 6 de novembro de 1969, que é lei local, malgando houvesse sido apontado como infringente: 1º) do art. 8º, nº XVII, letra “q”, e parágrafo único, da Constituição da República; 2º) do art. 3º da Lei Federal nº 5.540, de 28 de novembro de 1968.

Afasto, desde logo, a argüição de inconstitucionalidade. O art. 8º, nº XVII, letra “q” da Constituição da República, estabelece que “compete à União legislar sobre diretrizes a bases da educação nacional”, deixando a especificação de quais sejam elas para o legislador ordinário. De sorte que, se o Decreto-lei Complementar nº 7, de 1969, nos artigos 15, nº II, e 30, vulnerou tais diretrizes, a afronta não se fez diretamente à Constituição, mas à Lei Federal nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, que “fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras providências”.

Essa lei dispõe:

“Art. 3º – As universidades gozarão de autonomia didático-científica, disciplinar, administrativa e financeira, que será exercida na forma da lei e dos seus estatutos”.

De seu turno, o art. 3º, nº II, do Decreto-lei Complementar nº 7, de 16 de novembro de 1969, do Estado de São Paulo, autoriza o Governador do Estado a baixar normas regulamentares sobre “a elaboração de orçamento de custeio e investimento bem como de programação financeira”, e o art. 30 do mesmo diploma legal declara a competência do Governador para aprovar “os orçamentos de custeio e de capital e as respectivas alterações, das entidades descentralizadas”.


E foi, com base nesse último dispositivo, que o Tribunal de Contas proferiu a Resolução impugnada no mandado de segurança, indeferido na instância ordinária a ora pendente de recurso extraordinário.

Embora reconheça o brilho de acórdão recorrido, não tenho dúvidas de que os artigos 15, nº II, e 30 do Decreto-lei Complementar nº 7, pela forma como os aplicou a resolução do Tribunal de Contas do Estado, vulneram o art. 3º da Lei Federal 5.540, de 1968.

A propósito, considero de inteira procedência este trecho das razões de recurso extraordinário:

“A lei federal declara, primeiro, que as Universidades gozarão de autonomia financeira, e, a seguir, é que diz que os poderes de autodeterminação no campo financeiro serão exercidos “na forma da lei”. Diante disso, claro está que a lei estadual que pretende regular o exercício dessa autonomia, deve, antes de mais nada, respeitar a vida financeira autônoma da Universidade, pois a pretexto de lhe regular o exercício, não pode amputar, suprimir ou anular a autonomia que expressamente lhe foi concedida. E foi o que acabou perpetrando o malsinado Decreto-lei Complementar nº 7, de 1969, ao exigir que os orçamentos de custeio e de capital e respectivas alterações, da Universidade de São Paulo, fiquem submetidos à aprovação do Senhor Governador” (fls. 165)

A autonomia financeira, assegurada às universidades, visa proporcionar-lhes a autogestão dos recursos postos a sua disposição e à liberdade de estipular, pelos órgãos superiores de sua administração, como acentua o Professor Caio Tácito, no parecer de fls. 46, a partilha desses recursos de modo adequado ao atendimento da programação didática, científica e cultural, em suma, a aprovação de seu próprio orçamento.

A natureza cogente do art. 3º da Lei nº 3.540/68, inclusive no tocante à Universidade do Estado de São Paulo, decorre manifesta dos próprios termos do dispositivo em referência e de sua vinculação inarredável com o art. 8º, inc. XVII, letra “q”, da Constituição da República.

Consoante salientam as razões do recurso, “a verdade é que a autonomia financeira, por ser imanente à autonomia que as universidades devem usufruir, constitui assunto do âmbito das leis básicas da educação nacional. Estas querem que as universidades, para atingiram seus altos fins educacionais, gozam de autonomia ampla, inclusive na área financeira” (fls. 177).

Por fim, o argumento de que a autonomia, reclamada pela recorrente, colide com a autonomia do Estado de São Paulo não tem nenhuma relevância, em face do disposto no art. 132 da Constituição Paulista, “verbis”:

“As universidades oficiais serão organizadas com observância da legislação estadual, assegurada a sua autonomia nos termos da lei federal”.

Ante o exposto e pelos fundamentos constantes do voto vencido e do parecer da Procuradoria Geral da República, conheço do recurso e dou-lhe provimento, para deferir o mandado de segurança, investidos os ônus da sucumbência.

Extrato da Ata

RE 83.962-3 – SP – Rel. Ministro Soares Muñoz. Recte: Universidade de São Paulo (Advs. Luiz Carlos Pujol e José Frederico Marques). Recdo: Estado de São Paulo (Adv. Michel Temer Lulia).

Decisão: Conhecido e provido unânimemente. Falou pelo Recte: o Dr. José Frederico Marques. 1ª T. 17.04.79.

Presidência do Sr. Ministro Xavier de Albuquerque no impedimento ocasional do Ministro Thompson Flores.

Presentes à sessão os Srs. Ministros Cunha Peixoto, Soares Muñoz e Rafael Mayer.

2º Subprocurador-Geral da República, o Dr. Francisco de Assis Toledo.

Antonio Carlos de Azevedo Braga

Secretário

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