Substituição tributária

Restituição do ICMS pago a mais é um non sense, diz Eros Grau

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7 de fevereiro de 2007, 18h52

A restituição do ICMS pago a mais em caso de substituição tributária é “um autêntico non sense”. Essa é a conclusão do ministro Eros Grau, apresentada em seu voto-vista no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade que questionam legislação de São Paulo e de Pernambuco que prevêem a restituição. Segundo o ministro, a substituição tributária seria inútil se a legislação previsse a restituição nos casos de a obrigação tributária ser inferior à presumida ou a complementação no caso contrário.

Para o ministro, a antecipação do pagamento de imposto ou contribuição no caso de substituição exclui qualquer restituição ou complementação. “Isso me parece tão óbvio que opiniões em sentido adverso causam-me espanto”, declara. Eros Grau afirma que se a base de cálculo presumida não for observada, não está configurada a substituição tributária, mas apenas a antecipação do pagamento.

Com o voto de Eros Grau, o placar do julgamento da matéria ficou empatado no Supremo Tribunal Federal: 5 a 5. Para os ministros Cezar Peluso (relator), Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e Celso de Mello a restituição é possível quando a mercadoria é vendida por um preço menor ou quando ela não é vendida.

Esses ministros votam pela mudança da jurisprudência da corte. Em ADI anterior, o plenário decidiu que só pode ser restituído o valor pago se a mercadoria não for vendida.

Eros Grau, Nelson Jobim (ministro relator original, aposentado), Gilmar Mendes, Sepúlveda Pertence e a presidente do STF, ministra Ellen Gracie defendem que a jurisprudência da corte seja mantida.

Nesse julgamento a ministra Cármen Lúcia não vota porque substituiu o ministro Nelson Jobim, que já havia votado quando em efetivo exercício no Supremo. O voto de desempate será do ministro Carlos Ayres Britto, que estava ausente na sessão de julgamento da matéria.

Em seu voto, Grau reconhece que os argumentos apresentados pelos ministros que defendem o pagamento da restituição são inteligentes. No entanto, a crítica vem logo em seguida, “insuficientes para justificar a devolução de montante de tributo recolhido no regime de substituição tributária em situação que não a expressamente indicada no preceito constitucional”.

Um dos argumentos usados pelos ministros que seguem a corrente contrária à de Eros Grau se baseia na previsão contida no parágrafo 7º, artigo 150, da Constituição Federal. O dispositivo assegura a restituição da quantia paga no regime de substituição tributária: “A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente , assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”.

Para Eros Grau, os ministros que usam esse argumento fizeram uma “interpretação aberta” do dispositivo constitucional. Segundo ele, a restituição está previsto apenas nos casos em que não se realize o fato gerador presumido.

Ele finaliza o voto, com uma provocação: “salvo a hipótese desta corte entender-se competente para esvaziar o conteúdo do preceito veiculado pelo parágrafo 7º do artigo 150 da Constituição, proclamando a sua inutilidade, não visualizo alternativa qualquer senão a de julgar procedente a ação”.

Leia o voto do ministro

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.777-8 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. CEZAR PELUSO

REQUERENTE(S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO

ADVOGADO(A/S) : PGE-SP – ELIVAL DA SILVA RAMOS

REQUERIDO(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO

REQUERIDO(A/S) : ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO

PAULO

ADVOGADO(A/S) : MARCELO DE CARVALHO

ADVOGADO(A/S) : JORGE L. GALLI

VOTO-VISTA

O SENHOR MINISTRO Eros Grau: O Governador do Estado de São Paulo propôs ADI visando à declaração da inconstitucionalidade do artigo 66-B, II, da Lei estadual n. 6.374/89, do Estado de São Paulo, com a redação a ela atribuída pela Lei estadual n. 9.176/95.

O preceito assegura a restituição do imposto pago antecipadamente em razão de substituição tributária “II – caso se comprove que na operação final com mercadoria ou serviço ficou configurada obrigação tributária de valor inferior à presumida”. A hipótese prevista no inciso I desse artigo 66-B é a estipulada no § 7º do artigo 150 da Constituição do Brasil: haverá restituição caso não se realize o fato gerador presumido.

2. O relator, Ministro Cezar Peluso, julgou improcedente a ação. O Ministro Nelson Jobim votou pela procedência, tendo aditado seu voto o relator, para mantê-lo. Em seguida votou o Ministro Ricardo Lewandowski, pela improcedência da ação.


3. Como a substituição tributária implica a atribuição, a sujeito passivo de obrigação tributária, da condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, parece-me evidente ser de todo descabida tanto a complementação do imposto pago antecipadamente caso se comprove que, na operação final com mercadoria ou serviço, ficou configurada obrigação tributária de valor superior à presumida, quanto a restituição do imposto pago antecipadamente caso se comprove que, na operação final com mercadoria ou serviço, ficou configurada obrigação tributária de valor inferior à presumida.

4. Isso é evidente. A substituição seria inútil, imprestável, para nada serviria se na operação subseqüente àquela por ela alcançada [isto é, alcançada pela substituição], se nesta operação viesse a ser praticada seja a restituição, seja a complementação do tributo. Um autêntico non sense.

5. Não obstante a minha convicção de que não se devem interpretar preceitos constitucionais de modo a torná-los vazios, ocos, vãos — o que me levaria prontamente a votar pela procedência da ação — ainda assim pedi vista dos autos. Pretendia meditar sobre as razões dos eminentes Ministros que votaram em sentido contrário, mesmo porque sei que quem deseja compreender um texto tem de estar em princípio disposto a deixar-se dizer algo por ele — uma consciência formada hermeneuticamente tem de mostrar-se receptiva desde o princípio à alteridade do texto. Sei bem — aprendi em GADAMER — que aquele que tenta compreender está exposto aos erros de opiniões prévias que não se comprovam nas coisas mesmas. No caso, contudo, confirmou-se a convicção, que sempre nutri, de que a antecipação do pagamento de imposto ou contribuição no caso de substituição exclui qualquer restituição ou complementação em operação subseqüente. Isso me parece tão óbvio que opiniões em sentido adverso causam-me espanto.

6. O § 7o do artigo 150 da Constituição do Brasil assegura a restituição da quantia paga, no regime de substituição tributária, exclusivamente “caso não se realize o fato gerador presumido”.

7. A substituição tributária é uma técnica de administração tributária que instrumenta o eficiente controle do pagamento do tributo em segmentos econômicos de difícil fiscalização, nos quais se manifesta grande margem de sonegação fiscal [ADI 1.851, relator o Ministro Ilmar Galvão]. Técnica de administração tributária expressamente prevista pela Constituição.

8. A admissão de que eventual diferença entre base de cálculo presumida e base de cálculo real ensejasse a restituição do imposto tornaria inútil, vazia de significado a técnica fiscal. É inteiramente equivocada a suposição de que a base de cálculo presumida, para fins de substituição tributária, deva corresponder à base de cálculo real de cada operação posterior, na cadeia da substituição. Haverá a substituição se a base de cálculo presumida for observada. Se e quando não observada, não haverá substituição tributária, porém mera antecipação de pagamento do tributo. A técnica da substituição integra o substituto no pólo passivo da relação jurídica tributária, no lugar daquele que, naturalmente, deveria ser o contribuinte, pois protagoniza o fato jurígeno tributário1. Em suma, o substituto é o contribuinte do tributo, sujeito passivo da obrigação tributária. A adotar-se a base de cálculo real para a quantificação do tributo devido, a técnica não incidiria2. O absurdo lógico parece evidente.

9. No caso, o eminente relator parte, permissa venia, de premissa equivocada. Pois entre as características do regime da substituição tributária do ICMS inclui a seguinte:

“(ix) se a operação praticada pelo substituto tiver valor maior do que aquele tomado como parâmetro para o cálculo estimativo do ICMS (presumido) o substituído deverá recolher a diferença corresponde, como, regulamentando o art. 66-C da Lei no 6.374/89, prescreve o art. 265 do Decreto estadual no 45.490, de 30/11/2000 (RICMS/2000)”.

10. Note-se bem que o preceito ponderado pelo eminente relator não se encontra na lei, mas em regulamento, sendo francamente ilegal. Permito-me repetir o que aqui já afirmei: o princípio da legalidade assume, no direito brasileiro, duas feições:

i) ora vincula a Administração sujeitando-a as definições da lei;

ii) ora a vincula, a Administração, às definições decorrentes de lei, vale dizer, estabelecidas em virtude de lei. No primeiro caso ela se manifesta em termos absolutos, como reserva da lei. No segundo, como reserva da norma3. Em matéria tributária a legalidade prevalece em termos absolutos, em sua feição de reserva da lei. Não há espaço, em matéria tributária, no que concerne à obrigação principal, para o exercício, pelo Poder Executivo, de qualquer parcela de função regulamentar. Refiro-me ao art. 150, I, da Constituição, que consagra o princípio da legalidade em termos absolutos, no bojo do qual o vocábulo “lei” conota ato legislativo, lei em sentido formal. O texto não deixa margem a dúvida: somente mediante lei em sentido estrito poderá ser exigido, ou aumentado, qualquer tributo. Daí porque o artigo 265 do decreto estadual n. 45.490 (RICMS/2000) é ilegal, não se prestando a ser tomado como parâmetro modelar do regime da substituição tributária do ICMS. De todo modo, nem mesmo a lei poderia, no quadro desse regime, obrigar o substituído a recolher a diferença correspondente se a operação por ele praticada tiver valor maior do que aquele tomado para o cálculo estimativo do ICMS presumido.


11. Os argumentos desenvolvidos nos votos que afirmam a improcedência da ação são inteligentes, mas insuficientes para justificar devolução de montante de tributo recolhido no regime de substituição tributária em situação que não a expressamente indicada no preceito constitucional, ou seja, a de efetiva não realização do fato gerador presumido. Essa circunstância — a efetiva não realização do fato gerador presumido — é, como anotou o Ministro Nelson Jobim em seu voto, condição resolutiva da substituição. Permito-me neste passo relembrar breve trecho do voto do Ministro Nelson Jobim:

“A STF depende da ocorrência de dois elementos: um objetivo e uma presunção em relação ao fato gerador. O fato gerador não admite gradação: ou ele ocorreu, ou não. A lógica é binária. Não é possível fato gerador parcial tudo porque não é possível incidência parcial de norma jurídica. A base de cálculo concreta, portanto, está excluída do esquema lógico da norma e, por isso, não admite restituição pautada por esse argumento. Tanto é assim que, na hipótese de venda por valor maior ao previamente fixado, não cabe ao FISCO cobrança suplementar. O crédito tributário se esgota na configuração definida pela CF. Não é admissível revisão do crédito tributário, para mais ou para menos, tudo porque não é ele provisório. Está o crédito tributário sujeito, isso sim, a uma condição resolutiva que se vincula à presunção da circulação final da mercadoria.

Se tal não se dá, se a venda prevista não ocorre – se não ocorre o fato gerador presumido -, resolve-se o crédito tributário e emerge o direito a restituição. No entanto, se ocorrer a presunção – a circulação final da mercadoria – não se perquire pelo seu valor – se igual, inferior ou superior ao preço de pauta. Insisto. O que se presume é a venda futura e não o seu valor”.

12. Isso me parece muito claro, muito. Daí porque também não procedem, permissa venia, o argumento do confisco e o da interpretação aberta [poderíamos chamá-la assim?] do § 7o do artigo 150 da Constituição do Brasil, de molde a nele se ler o que lá não está escrito.

13. Eventual debate a propósito da excelência ou inconveniência deste ou daquele método de interpretação, em especial da chamada interpretação literal, hoje já não mais se tem como relevante. Pois é certo que a reflexão hermenêutica repudia a metodologia tradicional da interpretação e coloca sob acesas críticas a sistemática escolástica dos métodos, incapaz de responder à questão de se saber por que um determinado método deve ser, em determinado caso, escolhido. Inexistindo regras que ordenem, hierarquicamente, o uso dos cânones hermenêuticos, eles acabam por funcionar como justificativas a legitimar os resultados que o intérprete se predeterminara a alcançar; o intérprete faz uso deste ou daquele se e quando lhe aprouver, para justificá-los4. De toda sorte, se for para contrapormos cânones, eu diria que a afirmação de que à inclusão de um corresponde a exclusão de outro conduz a resultado distinto do acolhido nos votos que afirmam a improcedência da ação.

14. Outro ponto a ser considerado diz com a impossibilidade de paragonarmos a técnica da substituição tributária com a da retenção na fonte do imposto de renda. Lá o contribuinte do tributo é o substituto; aqui quem retém o imposto na fonte não o é, exercendo, compulsoriamente, autêntica atribuição de Administração Indireta — um tipo especial de cometimento da função de arrecadar (CTN, art. 7º, § 3º), como anotei em texto escrito há muitos anos5. Situações diversas entre si não admitem cotejo.

15. Permito-me, aliás, neste ponto referir parecer do eminente Professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior, brilhante como sempre, mas que induz conclusão que me parece inaceitável: o substituto tributário seria contribuinte e responsável pelo imposto a um só tempo. Por isso recuso, neste caso, a lição do mestre do Largo de São Francisco.

16. Por fim, a confirmar a correção do entendimento que adoto, a circunstância, inegável, de a eventual restituição do imposto pago antecipadamente em razão de substituição tributária, na hipótese, conduzir ao enriquecimento sem causa do substituto tributário. E isso porque, tratando-se de imposto indireto, que se agrega ao preço do bem ou serviço, o substituto resultaria necessariamente enriquecido pela eventual restituição do ICMS. Pois é certo que o montante do imposto por ele recolhido terá sido teoricamente transferido ao adquirente, de modo que, caso se comprove que na operação final ficou configurada obrigação tributária de valor inferior à presumida, se restituição coubesse haveria de ser feita a quem suportou o valor do imposto recolhido a maior, não ao substituto tributário. Essa porém é observação que faço a latere da afirmação de que na técnica da substituição tributária é inteiramente descabida tanto a complementação do imposto pago antecipadamente caso se comprove que, na operação final com mercadoria ou serviço, ficou configurada obrigação tributária de valor superior à presumida, quanto a restituição do imposto pago antecipadamente caso se comprove que, na operação final com mercadoria ou serviço, ficou configurada obrigação tributária de valor inferior à presumida. Em face de tudo, salvo a hipótese de esta Corte entender-se competente para esvaziar o conteúdo do preceito veiculado pelo § 7º do artigo 150 da Constituição, proclamando a sua inutilidade, não visualizo alternativa qualquer senão a de julgar procedente a ação.

Notas de Rodapé

1 — Dicção de PAULO ROBERTO COIMBRA E SILVA, A substituição tributária progressiva nos impostos plurifásicos e não-cumulativos, DelRey, Belo Horizonte, 2.001, pág. 31.

2 — Não incidiria em termos de incidência jurídica, não de incidência tributária.

3 — Vide meu O direi to posto e o direi to pressuposto, 6a edição, Malheiros Editores, São Paulo, 2.005, págs. 246 e ss.

4 — Vide meu Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direi to, 3ª edição, Malheiros Editores, São Paulo, 2.005, págs. 39 e 104-105.

5 — Entidades da Administração Indireta, in Enciclopédia Saraiva do Direi to, vol . 32, pág. 301.

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