Direito universal

Distrito Federal é condenado a internar paciente em UTI

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7 de fevereiro de 2007, 12h33

O Distrito Federal está obrigado a tomar todas as medidas necessárias para a internação de uma paciente em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), independentemente do número de vagas disponíveis, sob pena de multa diária R$ 2 mil. A decisão é do juiz Donizeti Aparecido da Silva, da 8ª Vara da Fazenda Pública. Cabe recurso.

A ação foi ajuizada por Jesuína Evangelista dos Anjos. Ela pediu para ser internada numa UTI para tratar de um derrame. Em 28 de abril do ano passado, Jesuína chegou a ser internada no Hospital do Gama, com diagnóstico de AVC. Foi solicitado que ela fosse urgentemente encaminhada para fazer o tratamento adequado. O hospital não tinha vagas na UTI. A família chegou a procurar outros da rede pública, mas não obteve sucesso.

Para se defender, o Distrito Federal alegou que não negou a prestação dos serviços de saúde e que a falta de leito ocorreu por conta da dificuldade que teve em proporcionar a todos tratamento adequado. Argumentou, ainda, que não cabe ao Poder Judiciário interferir na administração de recursos e eleger prioridades e que várias limitações orçamentárias impediram a internação da paciente.

O juiz considerou que a saúde é direito de todos e dever do Estado, e deve ser garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e que garantam o acesso universal e igualitário às ações e serviços. O juiz lembrou que o direito à saúde é um direito universal, devendo o poder público adotar programas de ação para aparelhar o sistema de saúde.

Processo 2006.01.1.040241-6

Leia a decisão:

Circunscrição: 1 – BRASILIA

Processo: 2006.01.1.040241-6

Vara: 118 – OITAVA VARA DE FAZENDA PUBLICA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS

OITAVA VARA DE FAZENDA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL

Ação de Obrigação de Fazer

Distribuída sob o nº 2006.01.1.040241-6

Autora: JESUÍNA EVANGELISTA DOS ANJOS

Réu: DISTRITO FEDERAL

S E N T E N Ç A

JESUÍNA EVANGELISTA DOS ANJOS, regularmente representada por Darlene Evangelista dos Anjos Silva, ajuizou ação de obrigação de fazer, sob o rito comum ordinário em face do DISTRITO FEDERAL, pretendendo seja o réu compelido a providenciar a internação em UTI, segundo indicação médica. Pugnou pela antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional neste sentido.

Em suporte à pretensão aduz que foi internada no Hospital do Gama em 28.04.2006 com diagnóstico de Acidente Vascular Cerebral, pós-parada, necessitando urgentemente de tratamento adequado em UTI. Acrescenta que o hospital onde se encontra internada e demais da rede pública não possuem vagas em UTI. Salienta que não tem condições de arcar com o custo da aludida internação. Afirma que em razão da precária condição financeira, roga pela tutela jurisdicional invocada. Alude aos artigos 196 e 198, da Constituição e artigo 207, da Lei Orgânica do Distrito Federal que lhe assegura o direito à saúde. Por fim, defende os requisitos que autorizam o deferimento da antecipação da tutela final.

Com a petição inicial vieram os documentos de fls. 10/18.

O pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional foi deferido pelo Juiz de Plantão, bem como os benefícios da justiça gratuita, conforme decisão de fls. 19/21.

Devidamente citado, o Distrito Federal apresentou sua contestação às fls. 32/34. Sustenta pela improcedência do pedido, sob o argumento de que não houve negativa do Estado na prestação dos serviços de saúde, mas dificuldade de proporcionar a todos os que necessitam o tratamento adequado. Destaca que não cabe ao Poder Judiciário proceder na administração de recursos e eleição de prioridades. Por fim, destaca que limitações orçamentárias também impedem o fornecimento do pleiteado.

Réplica às fls. 38/40.

É o relatório. Decido.

O tema posto em deslinde é unicamente de direito e, por via de conseqüência, o julgamento antecipado da lide se impõe, em simetria com disposições contidas no artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil.

Inicialmente, cabe esclarecer que a causa versa sobre direitos indisponíveis, portanto, apesar da contestação ser intempestiva, conforme certidão de fl. 35, não se aplicam os efeitos da revelia em virtude do disposto no artigo 320, inciso II, do Código de Processo Civil.

Com efeito, o direito à saúde mereceu especial atenção na Carta Política quando, em seu artigo 196, assevera, verbis:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Trata-se de norma programática, mas também de um direito fundamental. Cuida-se de via de mão dupla, ou seja, ao mesmo tempo em que é dado ao Poder Público adotar programas de ação a fim de implementar o sistema de saúde; é conferido ao cidadão o direito impostergável de ver-se beneficiado com aquelas ações estatais. Aliás, o próprio conceito de norma programática já não pode ser visto como mera promessa do legislador desprovida de qualquer eficácia. Nesse sentido, a precisa lição de Paulo Bonavides, verbis:

(…) urge reter que no presente estado da doutrina (…), as normas programáticas já não devem ser consideradas ineficazes ou providas apenas de valor meramente diretivo, servindo unicamente de guia e orientação ao intérprete, como pretendiam Piromallo e outros constitucionalistas antigos e contemporâneos, habituados a reduzir o conteúdo programático das Constituições a um devaneio teórico de boas intenções ou uma simples página de retórica política e literária. (Curso de Direito Constitucional, 12ª edição, p. 223).

Na mesma esteira do dispositivo constitucional, o artigo 207, inciso XXIV da Lei Orgânica do Distrito Federal, ao dispor que incumbe ao Sistema Único de Saúde do Distrito Federal prestar assistência farmacêutica e garantir o acesso da população aos medicamentos necessários à recuperação de sua saúde.

É certo que o Judiciário não pode ordenar ao Poder Executivo que efetue despesas não previstas ou acima do que foi previsto na Lei Orçamentária, mesmo porque, o texto constitucional veda expressamente a realização de despesas ou assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais (artigo 167, da Constituição Federal). Todavia, não se pode olvidar que além da previsão orçamentária o próprio texto constitucional estabelece que os entes federados deverão aplicar, anualmente, em serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre o produto da arrecadação de determinados impostos (artigo 198, parágrafo 2º).

A propósito, outro não tem sido a orientação jurisprudencial, como se extrai do seguinte aresto do egrégio TJDF:

DIREITO CONSTITUCIONAL – MANDADO DE SEGURANÇA – PACIENTE PORTADOR DE ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA DEGENERATIVA – FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO – DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO – SEGURANÇA CONCEDIDA À UNANIMIDADE. I – A Constituição Federal, em seu art. 196, assegura a todos o acesso à saúde, de modo universal e igualitário. Cabe, então, ao ente público cumprir o seu papel e dar atendimento médico à população, oferecendo os medicamentos de que necessitar e que não pode adquirir por falta de condições financeiras, efetivando, inclusive, o que a Lei Orgânica do Distrito Federal, em seu art. 207, inciso XXIV, expressamente assegura. II – Segurança concedida à unanimidade” (Mandado de Segurança n.º 20020020032699MSG DF, Conselho Especial, Relator Wellington Medeiros DJU: 18/12/2002).

Ademais, despiciendo argumentar que o direito ora guerreado vincula-se diretamente ao próprio direito à vida da autora, o qual poderia ser comprometido caso não lhe fosse propiciado o tratamento recomendado.

Por todo o exposto, julgo procedente o pedido para, confirmando a tutela concedida antecipadamente, garantir a autora a internação em UTI, sob pena do pagamento de multa diária no importe de R$ 2.000,00 (dois mil reais). Via de conseqüência, extingo o processo com apreciação do mérito, na forma do contido no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil.

Deixo de condenar o Distrito Federal ao pagamento dos honorários advocatícios, haja vista a autora ser patrocinada pela Defensoria Pública, cujos recursos são geridos pelo próprio ente federado. Sem custas.

Sentença sujeita ao reexame necessário, ante o contido no artigo 475, inciso I, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intime-se. Precluso o prazo para recurso voluntário, encaminhe-se os autos ao e. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.

Brasília-DF, 15 de dezembro de 2006.

Donizeti Aparecido da Silva

Juiz de Direito

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