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MPF vai recorrer para que pista de Congonhas seja fechada

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6 de fevereiro de 2007, 19h33

O Ministério Público Federal em São Paulo insiste para que seja interditada imediatamente a pista do Aeroporto de Congonhas, na capital paulista. Para o MPF, todos os aviões deveriam ser impedidos de pousar na pista, e não apenas os Fokker 100 e Boeings 737-700 e 737-800. O MPF anunciou nesta terça-feira (6/2) que vai entrar com recurso.

A decisão de manter a pista aberta e impedir apenas o pouso destas aeronaves foi tomada pelo juiz Ronald de Carvalho Filho, da 22ª Vara Cível Federal de São Paulo. A decisão surpreendeu o presidente da Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira, que não entendeu o porquê do cancelamento da operação dos Fokker 100. Segundo ele, são aviões leves e que pousam em pistas com piores condições que a de Congonhas, nos aeroportos do interior do país.

O advogado Cristiano Zanin Martins, especialista, em Direito Aeronáutico, criticou a proibição de pouso no aeroporto. “É uma medida muito drástica e desnecessárias. Isto está demonstrado por estudos da Anac e da Infraero.”

Segurança em jogo

Para o MPF, a reforma da pista principal e o reagendamento dos vôos para os aeroportos de Cumbica (Guarulhos) e Viracopos (Campinas) ainda é a melhor solução possível para minimizar o desconforto dos consumidores, que constantemente têm seus vôos adiados em virtude das chuvas na cidade, apontada como o motivo para sucessivas interrupções de pousos e decolagens na pista.

“O que é melhor? Descer em Congonhas sem saber a hora ou descer em Cumbica com horário pré-programado?”, questiona a procuradora da República Fernanda Taubemblatt. Para o MPF, a reforma deve começar pela pista principal, não pela auxiliar e o mais rapidamente possível, e não somente depois do carnaval, como anunciado pela Infraero. O MPF lembra que a decisão de primeira instância não atinge, por exemplo, o Boeing 737-300. De acordo com o Ministério Público, este avião derrapou no último dia 6 de outubro, um dos quatro incidentes ocorridos nos últimos 11 meses.

“A decisão atual de se interditar a pista em caso de chuvas sujeita a aviação civil do país às incertas condições do clima de São Paulo, causando atrasos em cascata e incertezas aos usuários quanto ao cumprimento dos horários pelas empresas”, afirmou o procurador da República Marcio Schusterschitz, co-autor da ação.

Os procuradores entendem que deixar a segurança do aeroporto para o controle caso a caso das condições de chuva em um momento de pressão sobre o sistema de aviação civil no país aumenta os riscos de falha humana ou técnica e não é a melhor medida de segurança a ser tomada.

Em 28 de dezembro, foi determinado que a pista deverá ser interditada em condições de chuva. Quem define o momento da interdição é o Serviço Regional de Proteção ao Vôo (SRPV-SP). Porém, o MPF conta que, mesmo após a adoção dessa medida, uma derrapagem aconteceu no último dia 17 de janeiro, após o piloto de um Boeing da Varig fazer uma freada busca para evitar um alagamento no meio da pista principal de Congonhas.

Para o MPF, outro ponto que afeta a segurança foi a recente reforma no aeroporto. No recurso, o MPF insiste também na proibição das operações do aeroporto de Congonhas após as 23 horas.

Veja a decisão que proibiu o pouso de algumas aeronaves em Congonhas

Vistos em apreciação de pedido liminar.

Trata-se de Ação Civil Pública com pedido de liminar em que se pretende interdição da pista principal do Aeroporto Congonhas, até a conclusão da obra de recuperação geométrica de toda pista.

Requer, ainda, que durante o período de interdição às rés, seja determinado às rés que não ampliem o horário de funcionamento do aeroporto além das 23 horas, bem como o uso deste seja adequado as suas limitações e condições.

Requer, ainda, a dispensa do pagamento de custos, nos termos do art.18 da Lei 7347/85.


Acosta aos autos os documentos de folhas 66/324.

Devidamente intimadas a ANAC e a Infraero se manifestaram sobre o pedido da parte autora, trazendo as informações determinadas pelo juízo. Folhas 275/325.

É o relatório. Decido.

Defiro a dispensa de custos requerida pelo MPF.

A concessão de tutela preventiva exige a presença de dois requisitos conforme se depende da leitura do artigo 273 CPC: Verossimilhança de alegação da parte autora e perigo de dano irreparável de difícil reparação. Aliada a esses requisitos deve haver a proporcionalidade de medida de cautela e o perigo presente na situação concreta.

Passo a análise dos três requisitos acima mencionados.

Da verossimilhança da alegação.

A existência de deficiência na pista principal do Aeroporto de Congonhas pode ser considerada fato incontroverso nesta demanda, vez que as próprias rés reconhecem necessidades de obras na referida pista. Nota-se, inclusive, já há audiência marcada e o processo licitatório está prestes a ocorrer. Saliente-se que a atuação de administração pública deve se dar pelo princípio da eficiência (art. 37 CF). Assim, se a Administração Pública vai realizar uma obra, resta evidente a deficiência de drenagem da pista, vez que se assim não fosse, haveria desperdício de dinheiro público.

Nesta fase de cognição sumária pode-se concluir que a deficiência acima consignada está intimamente ligada aos incidentes ocorridos nos últimos onze meses (22/03/2006, 6/10/2006, 19/11/2006, 27/11/2006 e 17/01/2006).

Assim, levando-se em conta a deficiência da pista principal e os incidentes ocorridos, reconheço a verossimilhança da alegação da parte autora.

Do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação.

A inserção do Aeroporto de Congonhas em área densamente povoada e num local em que o tráfego de veículos terrestres é intenso, potencializa os resultados de um acidente aéreo no referido aeroporto.

Note-se, ainda, que a pista principal de Congonhas não dispõe de escape, de modo que, no caso de a aeronave não conseguir fazer o pouso nos 1980 metros de pista, o acidente aéreo é inevitável.

A possibilidade de lesão aos passageiros e tripulantes, bem como às pessoas que circulam nas vias próximas ao aeroporto, assim como a perda de vidas em um acidente aeronáutico é incontestável, desse modo está presente o perigo de dano irreparável.

Constatados o perigo de dano irreparável e a verossimilhança de alegação, deve-se agora analisar a medida de cautela que o caso requer. Inicialmente, deve-se verificar se o pedido de antecipação de tutela de natureza cautelar realizado pelo M.P.F. é adequado às condições de risco presentes no aeroporto de Congonhas.


Do pedido de interrupção de todas as operações de pouso e decolagem na pista principal.

A medida de cautela solicitada pela parte autor funda-se, basicamente, no Princípio da Prevenção. Note-se, entretanto, que deve haver uma harmonização entre este princípio e os princípios de proporcionalidade e de razoabilidade.

A interrupção completa das operações na pista principal e viola o princípio da razoabilidade, vez que a vedação nas operações perduraria mesmo em dias em que não houvesse chuvas.

Do mesmo modo, a completa cessação dos pousos e decolagem impediria a operação de naves de menor porte, que necessitam de menor comprimento de pista para pouso.

Ante o exposto, a medida de cautela nos termos em que foi pleiteada pela parte autora não deve ser concedida.

Note-se, todavia, que a situação posta em juízo requer a adoção de medidas de cautela, que podem ser deferidas pelo juízo, independentemente de requerimento das partes , nos termos do art. 273.

A manutenção da restrição tal como acima descrita é fundamental para a segurança das operações na pista principal de Congonhas, de modo que adoto tal medida como medida de cautela do juízo.

Da necessidade e do critério para adoção de medida de natureza cautelar adicional

Observa-se, entretanto, que a medida acima, adotada isoladamente, não oferece a segurança necessária na operação das aeronaves em dias de chuva em Congonhas. Tanto isso é verdade que mesmo com estas medidas em vigor ocorreu incidente no dia 17/01/2006.

No documento de fl. 298 verifica-se que o termo trecho corresponde a ¼ da pista, ou seja, cada trecho corresponde a 25% do comprimento da pista. De acordo com o mesmo documento, haverá trecho contaminado quando um trecho apresentar poças de água com lâmina igual ou superior a 3mm. Conforme indicado na manifestação da ANAC (fl. 282), a suspensão da operação perdura enquanto houver lâmina d’água igual ou superior a 3mm em comprimento equivalente a 25% ou mais do comprimento da pista.

Note-se que, se existir contaminação de 20% não haverá interrupção das operações ou, no caso de estas já estarem interrompidas, poderá haver reinício das operações.

Considerando que a contaminação de pequena parcela da pista implica possibilidade de aquaplanagem, o que representa incremento na distância necessária para pouso, entendo que deve ser adotado um coeficiente de segurança no patamar de 20% do comprimento da pista.

Assim, será considerado por este juízo como segura a operação de pouso em que a aeronave tenha condições técnicas de realizar o pouso sem a utilização dos últimos 388 metros da pista (20% x 1940 – comprimento da pista principal de Congonhas).

A margem não utilizada acima indicada funcionará como margem de segurança, a garantir a integridade dos ocupantes da aeronave em caso de aquaplanagem.


Da limitação das operações de pouso na pista principal de Congonhas

As. Operações de decolagem não sofrem maiores impactos em virtude de pista molhada, ante a possibilidade de adequação do peso da aeronave pelo operador. Assim, não deve haver restrição deste tipo de operação.

No que tange as operações de pouso, devem ser analisados os parâmetros fornecidos pela ANAC em atendimento à determinação contida no item (1) do despacho de fls. 257 e 258.

De acordo com os documentos fornecidos pela ANAC (fls. 285 a 296), quando a pista em uso é a 35 (fls. 291 a 296), as distâncias para pouso na condição “autobreak-WET”, para todas as aeronaves conduzem a uma margem superior a 388 metros.

Note-se, entretanto, que deve haver restrição quando o pouso se dá no sentido oposto. De acordo com os dados contidos nas fls. 285 a 290, o comprimento remanescente de pista na condição “autobreak-WET” tem os seguintes valores:

Aeronave

Distância remanescente (metros)

737 – 300

476

737 – 700

356

737 – 800

308

A – 319

603

A – 320

447

F – 100

378


Analisando-se o quadro acima, verifica-se que as aeronaves 737-700, 737-800 e F-100 têm margem de segurança para operação em pista molhada de 356 metros, 308 metros e 378 metros, respectivamente; valores inferiores a 388 metros. Disso decorre que a operação destas aeronaves nas atuais condições da pista principal de Congonhas representa situação de risco.

A própria condição em que foram obtidos os dados de distância de pouso servem para reforçar a adoção do critério utilizado (388). Note-se que é razoável que se considere que os ensaios que deram origem aos dados da tabela acima (fls. 285 a 290) tenham sido realizados em pistas com piso em perfeitas condições, o que, evidentemente, não é o caso da pista principal de Congonhas.

Por fim, saliento que a restrição apenas parcial das operações no aeroporto de Congonhas não ensejará crise na aviação civil brasileira, nem lesão à economia pública; mas, por outro lado, trará a segurança necessária tanto aos usuários do transporte aéreo, quanto às pessoas que residam e transitam nas adjacências do aeroporto.

Para que haja prazo para adaptação das operações às restrições impostas nesta decisão, as medidas entrarão em vigor no dia 08/02/2007.

Dessarte, indefiro a antecipação nos termos em que foi requerida pela parte autora; entretanto, com a finalidade de evitar a ocorrência de danos irreparáveis, determino que, até ulterior determinação judicial:

1. Permaneça vigente o procedimento de interrupção das operações de pouso no aeroporto de Congonhas nos casos de chuva forte ou chuva moderada com precipitação de 3mm/10min, conforme descrito nas fls. 298 a 300;

2. Sejam, a partir de 08/02/07, interrompidas as operações de pouso dos equipamentos Fokker 100, Boeing 737-700 e Boeing 737-800, no aeroporto de Congonhas.

Tendo em vista a informação de que a aeronave no incidente de 22/03/2006 foi do tipo 737-400 e considerando que não foi fornecida a informação de distância de pouso deste equipamento, determino à ANAC que, no prazo de 72h, forneça os dados requeridos, sob pena de determinação de interrupção de operação deste tipo de aeronave.

O descumprimento da presente determinação judicial se enquadra na figura típica descrita no art. 330 CP. Para que se defina claramente qual o sujeito que pratica a conduta típica, deve haver prova documental do recebimento da ordem judicial, por esta razão, imprescindível a intimação pessoal daquele que deve cumprir a ordem emanada pelo P. Judiciário.

Constatada a efetiva ocorrência no delito acima mencionado, que está caracterizado com o pouso das aeronaves do tipo mencionado no item (2), este juízo tomará as medidas cabíveis para que se inicie a respectiva persecução penal.

Ante o exposto, determino, ainda, para o cumprimento desta decisão, a imediata intimação pessoal do Sr. Willer Larry Furtado (Superintendente do aeroporto de Congonhas) ou de seu substituto, no caso de ausência.

Adicionalmente, fixo em R$5.000,00 a multa, a ser paga pelas rés, por pouso de aeronave dos tipos mencionados no item (2) acima, cujo valor reverterá para Fundo de Defesa de Direitos Difusos, nos termos do art. 13 da Lei n.º 7347/85.

Instrua-se mandado com cópia desta decisão e das fls. 298/300.

Regularize a ANAC sua representação processual.

Intimem-se com urgência. Cite-se.

Transcorrido o prazo para manifestação da ANAC, tornem os autos conclusos.

05 de Fevereiro de 2007

Ronald de Carvalho Filho

Juiz Substituto

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