Cena constrangedora

Empresa do DF é condenada por falha em alarme anti-furto

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5 de fevereiro de 2007, 23h00

A Globex Utilidades está obrigada a pagar R$ 10 mil de indenização por danos morais para uma cliente surpreendida com o acionamento do alarme anti-furto. A decisão é da juíza Valéria Motta Igrejas Lopes, da 18ª Vara Cível de Brasília. Cabe recurso.

A cliente alegou que um funcionário da loja foi negligente, por não retirar o alarme do produto comprado. A Globex reconheceu que cometeu um erro, mas afirmou que a conduta dos seguranças foi tranqüila. Argumentou também que não houve suspeita de furto.

A juíza esclareceu que o simples fato de o alarme ter sido acionado indevidamente, chamando a atenção dos outros clientes, já constitui constrangimento. O fato piora quando os seguranças são chamados e a administração da loja pede explicações sobre o ocorrido. Só este fato, concluiu, já basta para caracterizar a obrigação de indenizar.

A juíza acrescentou, ainda, que o argumento da empresa ré de que tudo foi feito com a maior descrição e que a própria autora que, com sua reação emocionada, chamou a atenção das pessoas que passavam, não tem respaldo nem serve para afastar a obrigação de indenizar.

Processo 2005.01.1.075955-0

Leia a decisão:

Circunscrição :1 – BRASILIA

Processo : 2005.01.1.075955-0

Vara : 218 – DECIMA OITAVA VARA CIVEL

SENTENÇA

Vistos etc.

ROSELISE TARTER SILVA propôs ação de indenização por danos morais em face de GLOBEX UTILIDADES S/A. Alega, em síntese, que no dia 27 de junho de 2005, após realizar uma compra no interior de uma das lojas da ré, foi surpreendida com o acionamento de alarme anti-furto, o que levou dois seguranças da loja a abordá-la na porta do estabelecimento, causando-lhe constrangimentos. Diz que a responsabilidade da ré decorre da atitude negligente de seu preposto, o qual não retirou o alarme por ocasião da entrega do produto regularmente adquirido, razão pela qual pede a condenação da ré ao pagamento de indenização no valor não inferior a 50 salários mínimos.

Com a petição inicial vieram os documentos de fls. 15/22.

Citada, a ré ofereceu a contestação de fls. 55/64, em que reconhece o fato de ter havido acionamento do alarme, porém afirma que a conduta de seus prepostos foi tranqüila e sem arroubos, de forma que não houve o alegado constrangimento. Diz que não houve suspeita de furto, até porque a compra efetuada pela autora estava envolta em papel com símbolo do estabelecimento e que o retorno da autora ao interior da loja foi necessário para a retirada do alarme. Aduz que não houve descrição da conduta dos seguranças, concluindo-se, assim, que os danos morais alegados são inexistentes. Quanto ao valor pedido, diz ser excessivo e, ao final, pede a improcedência do pedido.

Réplica às fls. 72/77.

Chamadas a especificarem provas (fls. 79), a ré pediu a produção de prova oral (fls. 82), que foi deferida na audiência de conciliação e saneamento (fls. 96).

Na audiência de instrução e julgamento foram tomados os depoimentos de duas testemunhas, conforme termo de fls. 105.

Alegações finais às fls. 113/118 e 120/122.

Está relatada.

Decido.

Trata-se de ação de reparação de danos morais decorrentes de constrangimentos causados por prepostos da ré à autora quando esta saía do interior de um de seus estabelecimentos. Naquela oportunidade, os empregados da ré, após ter sido acionado o alarme anti-furto da loja, mantiveram a autora na porta do estabelecimento, a fim de verificar os produtos que estavam sendo portados por ela, chamando a atenção de várias pessoas que por ali passavam.

Os fatos narrados na petição inicial, e não negados objetivamente pela ré, refletem cena comum no cotidiano. Vez por outra os consumidores são surpreendidos com o acionamento indevido do alarme anti-furto de estabelecimentos comerciais, fazendo com que os seguranças da empresa “convidem” a pessoa a serem conduzidas ao interior da loja, onde são esclarecidos os fatos, geralmente após revista pessoal. Até lá, o constrangimento do consumidor é inegável, pois é tratado como delinqüente.

Na hipótese dos autos, o gerente da loja não negou o acionamento indevido do alarme, justificando-o com sua recém instalação, sustentando que em momento algum seus empregados acusaram a autora da prática de furto e que a abordagem foi realizada sem qualquer constrangimento. Diz, ainda, que foi a conduta da autora que chamou a atenção dos passantes e que da abordagem, da forma como foi feita, não se mostrava apta a gerar a obrigação de indenizar, já que dela não resultou qualquer prejuízo à autora.

Engana-se a ré.

O simples fato de ter sido acionado indevidamente o alarme à saída da autora, chamando a atenção dos passantes, já constitui constrangimento, ainda mais quando, como ocorreu na espécie, os seguranças aproximam-se da consumidora, e, com as mãos em seus ombros, pedem a exibição da nota fiscal do produto adquirido, conforme narrou a testemunha Rochelle M. dos Reis Locatelli às fls. 106. E tanto isto é verdade que a atenção das pessoas que passavam na porta da loja, situada em um dos mais movimentados shopping centers desta capital, voltou-se para o fato.


Só este fato já basta para caracterizar a obrigação de indenizar. Confiram-se os seguintes arestos:

‘CIVIL. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. ACUSAÇÃO INJUSTA DE FURTO. 01 – A abordagem de pessoa por furto que não cometeu, feita através de seguranças de estabelecimento de ensino… é motivo suficiente para configurar constrangimento ao acusado e autorizar a reparação moral…’ (APC nº 2002.02.2.0750788-2/DF, Relator: Cruz Macedo)

‘… DANO MORAL. REVISTA A CLIENTE EM SUPERMERCADO SOB ALEGAÇÃO DE SUSPEITA DE FURTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. A humilhação … do cidadão, submetido à abordagem e revista por agentes de segurança de supermercado, configura ato ilícito possível de indenização. Sem prova cabal do suposto furto, com a devida comunicação à autoridade policial, tem-se como injusto o constrangimento, ensejando a reparação por dano moral…’ (APC nº 4920898/DF, Relator: George Lopes Leite)

O argumento de que tudo foi feito com a maior descrição e que foi a própria autora quem, com sua reação emocionada, chamou a atenção das pessoas que por ali passavam, além de não encontrar respaldo nos autos, não serve para afastar a obrigação de indenizar.

Com efeito, o simples acionamento indevido do alarme já seria o bastante para que a autora fosse olhada como suspeita, ainda que estivesse portando um pacote com a marca da loja, pois, como todos sabemos, o alarme é acionado pela passagem de produto do qual não se retirou o respectivo sensor, ou seja, pela passagem de produto furtado, salvo a hipótese de falha no equipamento, como parece ter sido a hipótese dos autos. De qualquer sorte, seja por um motivo, seja por outro, o constrangimento e a humilhação do cidadão é inegável e autoriza a indenização pretendida.

Aliás, cumpre registrar que o comportamento da autora, quando injustamente abordada pelos seguranças da loja, não é causa, mas conseqüência do acionamento indevido do sistema de alarme, que chamou a atenção de “muita gente”, conforme declarado pela testemunha já mencionada e reconhecido pelo próprio gerente do estabelecimento às fls. 107.

Quanto à ocorrência do dano moral, não há se falar em falta de prova do prejuízo sofrido pela autora, eis que a dor experimentada, consubstanciada pela humilhação e o constrangimento já descritos, revela-se suficiente como prova do fato causador da obrigação de indenizar.

Restaram, pois, demonstrados a conduta dos prepostos da ré, o dano sofrido pela autora e o nexo de causalidade entre ambos.

Ressalte-se que, por força da aplicação do art. 14, do CDC, fica afastada a necessidade de discussão acerca da culpa dos prepostos da ré.

Por fim, é de se registrar que “a concepção atual da doutrina orienta o entendimento pretoriano dominante é no sentido de que a responsabilidade do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação (danum in re ipsa). Verificado o evento danoso, surge a necessidade da reparação, não havendo que se cogitar da prova do prejuízo, se presentes os pressupostos legais para que haja a responsabilidade civil (nexo de causalidade e culpa)” (REsp 23575/DF, Rel. Min. César Asfor Rocha).

Sobre o mesmo assunto, CARLOS ALBERTO BITTAR, in Reparação Civil por Danos Morais, RT, pág. 74, escreve, com muita propriedade, que “não se deve cogitar de mensuração ou sofrimento ou de prova de dor, exatamente porque esses sentimentos estão ínsitos no espírito humano. Compõem, pois, a sua essencialidade, de sorte que, das simples circunstâncias do caso, tem o magistrado a plena possibilidade de aquilatar a respectiva existência, não apresentando relevância jurídica o grau de reação manifestado pelo lesado”.

No mesmo sentido decidiu a Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Confira-se:

“CIVIL. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. ABORDAGEM E REVISTA DE CLIENTE EM SHOPPING CENTER SOB SUSPEITA DE FURTO EM LOJA. FATO COMPROVADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 01 – A simples comprovação de que o autor (recorrido) foi abordado e conduzido pelos prepostos da ré (recorrida) para o interior da loja de propriedade da mesma, sob suspeita da prática de furto, e nada tendo sido apurado que o desabonasse, é causa suficiente para ensejar, à vista da situação constrangedora e vexatória a que o expôs, para ensejar a reparação a título de dano de ordem moral; 02 – Recurso conhecido e improvido. Sentença mantida.” (ACJ 2004.01.1.085474-8, Relatora Juíza LEILA CRISTINA GARBIN ARLANCH).

No mesmo sentido vem decidindo o Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal, consoante se vê das seguintes ementas:

“Civil e processual civil – ação de indenização – dano moral – suspeita de furto em supermercado – revista pessoal – limites de fixação do quantum indenizatório.

– Presentes os requisitos ensejadores da responsabilidade civil – a conduta do agente, o nexo de causalidade e a lesão a um bem jurídico extrapatrimonial -, cabível a indenização por dano moral na hipótese de infundada suspeita de furto de mercadoria em supermercado, submetendo a parte a uma constrangedora, injusta, revista pessoal, expondo o consumidor a uma humilhação pública. – …”. (APC 2002.03.1.005412-7, Relator Desembargador Dácio Vieira)


“Responsabilidade civil – Dano moral – Revista a cliente de supermercado sob alegação de suspeita de furto – Constrangimento ilegal. A humilhação pública do cidadão, submetido à abordagem e revista por agentes de segurança de supermercado, configura ato ilícito passível de indenização. Sem prova cabal do suposto furto, com a devida comunicação à autoridade policial, tem-se como injusto o constrangimento, ensejando a reparação por dano moral. (…).” (APC 49208/98, Reg. do Ac. 115968, 5ª Turma Cível, DJU 04/08/99, pág. 55)

Confiram-se, ainda, neste sentido, os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça:

“Responsabilidade civil. Dano moral. Lojas Americanas. Detenção indevida. A detenção indevida de três pessoas, sendo duas menores, por suspeita de furto em estabelecimento comercial, causa dano moral (…)” (REsp 298773/PA, Quarta Turma, Rel. Des. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 04/02/2002, pág. 380)

“Civil e processual civil. Dano moral. Lojas de departamentos. Constrangimento ilegal e cárcere privado. Indenização. Quantum. razoabilidade. (…) I – Inconcebível que empresas comerciais, na proteção aos seus interesses comerciais, violentem a ordem jurídica, inclusive encarcerando pessoas em suas dependências sob a suspeita de furto de suas mercadorias.” (REsp 265133/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJ 23/10/2000, pág. 145)

Devida a indenização por danos morais, resta a árdua tarefa da fixação de seu quantum. Trata-se de matéria muito discutida e respeitáveis são as opiniões em todos os sentidos.

O dano moral não tem preço nem o condão de afastar a dor sofrida pela vítima, mas tão somente de diminuí-la, de forma que, ao avaliar a dor, o magistrado não está adstrito a limites, mas sim ao próprio dano, às circunstâncias em que este ocorreu e ao pedido do lesado.

Como já se disse, a dor não tem preço nem a indenização a ser paga terá o condão de repará-la. Assim, o seu valor deve ser avaliado segundo as circunstâncias pessoais do lesado e a capacidade do causador do dano em suportar o pagamento.

Por outro lado, a indenização não pode ser tão insignificante, de modo que permita ao causador do dano sentir-se estimulado a repetir o ato. Deve ter o condão de fazer com que reflita melhor antes de agir, evitando novos incidentes.

Estes são os parâmetros a serem utilizados.

A ré é uma conhecida empresa e, nesta qualidade, deve atentar para a gravidade das conseqüências de atos de seus prepostos, podendo, ainda, suportar o pagamento da indenização em níveis muito superiores ao pretendido pela autora.

De outro giro, exsurge dos autos que a autora em nada colaborou para a ocorrência do fato.

Tendo em vistas estas diretrizes, tenho que a quantia pedida é excessiva, razão pela qual fixo o valor da indenização pelos danos morais sofridos em R$ 10.000,00, na data da propositura da ação.

Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos para condenar GLOBEX UTILIDADES S/A a pagar a ROSELISE TARTER SILVA a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a título de indenização pelos danos morais que causou, quantia que será corrigida monetariamente desde a data do evento danoso e acrescida de juros de mora a partir da citação.

Em razão da sucumbência, condeno a ré ao pagamento das custas do processo e dos honorários advocatícios do patrono da autora, que fixo em 10% sobre o valor da condenação.

P.R.I.

Brasília, 4 de dezembro de 2006.

VALÉRIA MOTTA IGREJAS LOPES

Juíza de Direito

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