Segredos no jornal

Portugal julga jornalistas por quebra de sigilo judicial

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5 de fevereiro de 2007, 18h23

O Judiciário português começa a discutir, nesta terça-feira (6/2), um delicado ponto de conflito entre imprensa e Justiça: o sigilo judicial. O Tribunal Criminal do Porto vai julgar se 16 jornalistas que revelaram informações sob segredo de Justiça têm de ser responsabilizados criminalmente.

Os jornalistas são acusados de divulgar informações sigilosas sobre o famigerado Processo Casa Pia. A instituição que dá nome ao processo foi palco de um dos maiores escândalos portugueses dos últimos tempos. Criada para dar assistência social, principalmente, para crianças carentes, ganhou o noticiário quando foram revelados casos de prostituição e pedofilia dentro dos seus muros.

O julgamento dos crimes, que começou em 2004, ainda não terminou. Enquanto isso, os jornalistas que noticiaram o fato terão de se defender no tribunal.

Dever e direito

O caso que está nas mãos do Poder Judiciário português é polêmico porque envolve a liberdade de imprensa. Em Portugal, já há uma proposta de mudança no Código Penal para possibilitar que qualquer cidadão, inclusive jornalistas, seja criminalmente punido por divulgar informações sob segredo de Justiça.

No Brasil, o tema também divide a comunidade jurídica. Para alguns, o segredo de Justiça é imposto apenas para o servidor público, aquele que tem acesso às informações sigilosas por conta da sua função. Outros defendem que o jornalista ou qualquer outra pessoa que receber dados sigilosos não podem divulgar.

Na primeira corrente está o ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski. Para ele, o jornalista tem de ter garantida a liberdade de expressão e investigação sempre. “Mas não se pode deixar de lado a idéia de que a mídia tem de se pautar por um código de ética, que não pode ser imposto pelo legislador, mas deve resultar da própria atividade jornalística”, disse em recente entrevista para a Consultor Jurídico. “Antes que os órgãos que colocam a lei em prática atuem, é desejável que os jornalistas pratiquem uma auto-restrição com base num código de conduta desenvolvido por eles mesmos.”

O mesmo pensamento têm o advogado José Roberto Batochio, que argumenta que o direito constitucional de o jornalista informar a sociedade também é um dever. “O segredo de Justiça não obriga o jornalista, mas obriga o funcionário, aquele que exerce uma função por meio da qual os fatos vieram ao seu conhecimento.”

O juiz Guilherme de Souza Nucci, em um debate promovido pelo IBCCrim em setembro passado, defendeu uma posição ainda mais radical. Para ele, o jornalista não deve ser responsabilizado por divulgar até mesmo uma interceptação telefônica feita sem autorização judicial, desde que o conteúdo tenha interesse público.

Lourival J. Santos, especialista em Direito de Imprensa, é mais cauteloso quando se trata de informações sigilosas. Para ele, não há nada que justifique a censura à imprensa. Mesmo assim, acredita que o jornalista não pode revelar aquilo que está sob sigilo.

“O segredo de Justiça é determinado porque existem razões materiais e justificativas legais para tanto. Revelar o conteúdo de processo sigiloso seria uma grave infração.” Quando se trata de grampos ilegais, Lourival é incisivo. “Escutas ilegais já são ilegais pelo próprio princípio. Não se pode fazer jornalista a partir do cometimento do delito.”

Nos Estados Unidos, a repórter Judith Miller, do jornal New York Times, chegou a ser presa porque se recusou a revelar a fonte que lhe passou informações sigilosas. Ela divulgou a identidade de uma agente secreta da CIA. Judith ficou presa três meses e, depois, saiu do jornal.

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