Internauta consumidor

Era digital no Brasil não precisa de lei, mas de educação

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4 de fevereiro de 2007, 23h00

A publicidade enganosa ou abusiva não é, definitivamente, algo novo. No século XVI, por exemplo, o tabaco já se apresentava capaz de curar doenças venéreas e clarear os dentes. Com o transcorrer do tempo, porém, os meios e métodos utilizados para divulgar produtos e serviços foram sofisticando-se. Hoje em dia, por intermédio da internet, a publicidade assumiu novo aspecto em termos de tecnologia e informação.

Mas isso tem alguma importância? Sim, se atentarmos para o fato de que o comércio varejista online é uma realidade, mostrando números expressivos e crescimento vertiginoso. Segundo dados do Ibope/NetRatings, a quantidade de internautas brasileiros no mês de março ultrapassou a casa dos 14 milhões.

Outro estudo específico, referente ao comércio eletrônico durante o ano de 2005, feito pela e-bit em parceria com a Câmara-e.net (Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico) e publicado em fevereiro do ano passado, averiguou que 4,7 milhões de usuários haviam feito compras pela internet em 2004.

Acompanhando esta inopinada expansão dos negócios fechados em ambiente virtual, temos, conseqüentemente, grande quantidade de litígios daí oriundos, que, em um país sem tradição de composições extrajudiciais, cabe ao já abarrotado Judiciário resolver.

A questão da publicidade inadequada veiculada na rede, portanto, ganha cada vez mais relevância, merecendo cautela do consumidor para que saiba diferençar onde determinado anúncio deixa de ser estratégia de promoção de bens para tornar-se um modo de ludibriar seu público-alvo.

Entre as táticas mais comuns estão a oferta de itens inexistentes, ocorrendo o pagamento sem qualquer retorno por parte de anunciante; o envio de e-mails não solicitados (spams); e a prática de preços inválidos — como os inesquecíveis “notebooks a partir de R$ 1”, prometidos por comerciantes nos sites de leilão —, quando não há a menor intenção de se cumprir.

Uma infinidade de outros ardis publicitários pode, ainda, ser reputada enganosa ou abusiva, dada a receptividade do meio e a inventividade daqueles que anunciam. Entre eles, vale citar a criação de verdadeiros labirintos de páginas dinâmicas, que impedem o internauta de sair do site ou passam a direcioná-lo conforme a vontade dos programadores a outros endereços eletrônicos, e o uso dos chamados metatags, palavras-chaves ocultas no código-fonte que ludibriam os robôs dos portais de pesquisa, fazendo com que tais páginas apareçam como possíveis fontes à busca feita pelo usuário.

Valendo-se, então, da característica de fácil manipulação do ambiente virtual — o que dificulta a obtenção de provas posteriores dos fatos — e contando com o mito de que a internet é uma “terra isenta de regulamentação”, muitos anunciantes extrapolam o limite do bom senso, olvidando que tudo o que acontece na web submete-se às leis vigentes no Brasil, sejam elas civis ou penais.

Algumas situações específicas, é claro, dependem de regramento próprio, como o caso da certificação digital. Mas nenhuma delas interfere de forma desfavorável ao consumidor, que possui um diploma próprio de defesa e do qual nada pode ser subtraído, em especial por incluir-se na categoria de norma de ordem pública.

No que pertine à esfera judicial, a Constituição Federal estatui que nenhuma lesão (ou ameaça de) será afastada da análise do Poder Judiciário. Tampouco pode um magistrado escusar-se de decidir, alegando inexistência de regramento, conforme a Lei de Introdução ao Código Civil.

O segundo ponto de relevo é que, em tais casos de publicidade enganosa ou abusiva, o ônus de provar a ausência de dano em juízo incide em quem a promove. Essa inversão do ônus da prova existe porque a lei considera que o cliente, como parte mais fraca (seja no aspecto financeiro, seja no aspecto técnico), dificilmente poderia evidenciar de modo adequado a ofensa aos seus direitos.

O que não significa, de forma alguma, que se possa pleitear judicialmente algo sem qualquer elemento fático a indicar a prevalência do interesse do adquirente do produto ou serviço. Dependendo do caso, aliás, o registro da publicidade lesiva faz-se essencial para formar a convicção do juiz favoravelmente aos atingidos pelo ato ilícito.

Apesar das relações ocorridas na internet serem passíveis de apreciação pela Justiça brasileira, vale ressaltar, contudo, que o pequeno valor do dano e a morosidade do Judiciário induzem muitos a abrir mão de seus direitos. A situação mostra-se ainda menos favorável, se levarmos em conta a opinião de boa parte da magistratura pátria de que grandes indenizações significam vantagem excessiva para a vítima, esquecendo-se de que baixas condenações acabam por estimular as empresas que agem de má-fé a continuar se locupletando indevidamente de seu público-alvo.

Nós não precisamos de mais leis. O Brasil já as possui em excesso. O que falta é um projeto de educação perene, voltado tanto ao consumidor quanto às empresas, concomitantemente à aplicação dos diplomas já existentes, genéricos o suficiente para abarcar, inclusive, os casos ocorridos no meio virtual.

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