Fim da restrição

Leia voto do ministro Gilmar Mendes sobre cláusula de barreira

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2 de fevereiro de 2007, 14h20

O Supremo Tribunal Federal acabou com a cláusula de barreira em dezembro. Por unanimidade, os ministros consideraram inconstitucional o dispositivo da Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096//97), que estabeleceu restrições ao funcionamento parlamentar para os partidos políticos com baixo desempenho eleitoral. A decisão se deu em duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade movidas pelos partidos PCdoB, PDT, PSB, PV, PSC, PPS e PSOL.

Para os ministros, a cláusula de barreira compromete o bom funcionamento parlamentar, além de ferir o princípio da igualdade e da proporcionalidade entre os partidos. De acordo com o relator, ministro Marco Aurélio, o dispositivo tem ainda o inconveniente de igualar legendas históricas com as legendas de conveniência que pretende combater.

A cláusula de barreira impunha restrições ao funcionamento parlamentar, à participação no fundo partidário e na propaganda eleitoral aos partidos que não obtivessem pelo menos 5% dos votos em nove estados nas eleições para deputado federal. Com a queda da cláusula, a distribuição do tempo de propaganda e do fundo partidário continua como sempre foi. A cláusula foi aplicada na última eleição e não chegou a produzir efeitos.

O ministro Gilmar Mendes reforçou os argumentos do relator, Marco Aurélio, sobre os malefícios da cláusula de barreira. Para o ministro, a regra ofende o princípio da proporcionalidade tanto em relação ao fundo partidário como à distribuição do tempo de propaganda. Gilmar Mendes ainda suscitou se não seria o momento para rever jurisprudência da corte em relação a infidelidade partidária, que o ministro considera clara violação à vontade do eleitor.

Veja o voto do ministro Gilmar Mendes

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.354-8 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

REQUERENTE: PARTIDO SOCIAL CRISTAO – PSC

ADVOGADO: VITOR JORGE ABDALA NOSSEIS

REQUERIDO: PRESIDENTE DA REPÚBLICA

REQUERIDO: CONGRESSO NACIONAL

VOTO-VOGAL

O EXMO. SR. MINISTRO GILMAR MENDES:

I. Introdução

O Ministro Marco Aurélio, relator, submete à apreciação deste Plenário as ações diretas de inconstitucionalidade n°s 1.351-3 e 1.354-8, propostas, respectivamente, pelo Partido Comunista do Brasil – PC do B e outro (PDT) e pelo Partido Social Cristão – PSC, nas quais são impugnados o artigo 13; expressão contida no art. 41, inciso II; o art. 48; expressão contida no caput do art. 49; e os artigos 56 e 57, todos da Lei n° 9.096, de 19 de setembro de 1997 (Lei dos Partidos Políticos).

Este é o teor dos dispositivos normativos impugnados:

“Art. 13. Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, 5% (cinco por cento) dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de 2% (dois por cento) do total de cada um deles.

Art. 41. O Tribunal Superior Eleitoral, dentro de 5 (cinco dias), a contar da data do depósito a que se refere o § 1º do artigo anterior, fará a respectiva distribuição aos órgãos nacionais dos partidos, obedecendo aos seguintes critérios:

II – 99% (noventa e nove por cento) do total do Fundo Partidário serão distribuídos aos partidos que tenham preenchido as condições do art. 13, na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados.


Art. 48. O partido registrado no Tribunal Superior Eleitoral que não atenda ao disposto no art. 13 tem assegurada a realização de um programa em cadeia nacional, em cada semestre, com a duração de dois minutos.

Art. 49. O partido que atenda ao disposto no art. 13 tem assegurado:

I – a realização de um programa, em cadeia nacional e de um programa, em cadeia estadual em cada semestre, com a duração de vinte minutos cada;

II – a utilização do tempo total de quarenta minutos, por semestre, para inserções de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais, e de igual tempo nas emissoras estaduais.

Art. 56. No período entre a data da publicação desta Lei e o início da próxima legislatura, será observado o seguinte:

I – fica assegurado o direito ao funcionamento parlamentar na Câmara dos Deputados ao partido que tenha elegido e mantenha filiados, no mínimo, três representantes de diferentes Estados;

II – a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados disporá sobre o funcionamento da representação partidária conferida, nesse período, ao partido que possua representação eleita ou filiada em número inferior ao disposto no inciso anterior;

III – ao partido que preencher as condições do inciso I é assegurada a realização anual de um programa, em cadeia nacional, com a duração de dez minutos;

IV – ao partido com representante na Câmara dos Deputados desde o início da Sessão Legislativa de 1995, fica assegurada a realização de um programa em cadeia nacional em cada semestre, com a duração de cinco minutos, não cumulativos com o tempo previsto no inciso III;

V – vinte e nove por cento do Fundo Partidário será destacado para distribuição a todos os partidos com estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, na proporção da representação parlamentar filiada no início da Sessão Legislativa de 1995.

Art. 57. No período entre o início da próxima Legislatura e a proclamação dos resultados da segunda eleição geral subseqüente para a Câmara dos Deputados, será observado o seguinte:

I – direito a funcionamento parlamentar ao partido com registro definitivo de seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral até a data da publicação desta Lei que, a partir de sua fundação tenha concorrido ou venha a concorrer às eleições gerais para a Câmara dos Deputados, elegendo representante em duas eleições consecutivas:

a) na Câmara dos Deputados, toda vez que eleger representante em, no mínimo, cinco Estados e obtiver um por cento dos votos apurados no País, não computados os brancos e os nulos;

b) nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores, toda vez que, atendida a exigência do inciso anterior, eleger representante para a respectiva Casa e obtiver um total de um por cento dos votos apurados na Circunscrição, não computados os brancos e os nulos;

II – vinte e nove por cento do Fundo Partidário será destacado para distribuição, aos Partidos que cumpram o disposto no art. 13 ou no inciso anterior, na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados;

III – é assegurada, aos Partidos a que se refere o inciso I, observadas, no que couber, as disposições do Título IV:

a) a realização de um programa, em cadeia nacional, com duração de dez minutos por semestre;

b) a utilização do tempo total de vinte minutos por semestre em inserções de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais e de igual tempo nas emissoras dos Estados onde hajam atendido ao disposto no inciso I, b.”

Como se pode constatar, o art. 13 da Lei n° 9.096/95 cria o que se tem denominado de “cláusula de barreira” ou de “de desempenho” – um certo eufemismo – como requisito para o pleno funcionamento parlamentar dos partidos políticos.

A regra possui fundamento no art. 17, inciso IV, da Constituição, que assegura aos partidos políticos o funcionamento parlamentar, de acordo com a lei.


A Lei n° 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) estabelece que “o partido político funciona, nas Casas Legislativas, por intermédio de uma bancada, que deve constituir suas lideranças de acordo com o estatuto do partido, as disposições regimentais das respectivas Casas e as normas desta Lei” (art. 12).

O art. 13 da Lei dos Partidos Políticos (dispositivo normativo atacado) dispõe que somente “tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles”.

Assim, o partido político que não obtiver tais percentuais de votação não terá direito ao funcionamento parlamentar, o que significa a não-formação de bancadas e de suas lideranças, com todas as repercussões que isso pode causar, como a não-participação em comissões parlamentares e o não-exercício de cargos e funções nas casas legislativas. Além disso, o partido somente terá direito a (a) receber 1% (um por cento) do Fundo Partidário (art. 41, II); e (b) à realização de um programa em cadeia nacional, em cada semestre, com a duração de apenas 2 (dois) minutos (art. 48).

Esses são os contornos normativos da denominada cláusula de barreira instituída pelo art. 13 da Lei n° 9.096/95.

Observe-se, nesse ponto, que, diversamente dos modelos adotados no direito comparado — cito, como referência, o sistema alemão — a fórmula adotada pela legislação brasileira restringe o funcionamento parlamentar do partido, mas não afeta a própria eleição do representante. Não há aqui, pois, repercussão direta sobre mandatos dos representantes obtidos para a agremiação que não satisfaça à referida cláusula de funcionamento parlamentar.

Nos termos de disposição transitória (art. 57), essa norma do art. 13 somente entrará em vigor para a legislatura a iniciar-se no ano de 2007. Daí a premente necessidade do posicionamento desta Corte sobre a matéria, diante da proximidade do início do dia 1o de fevereiro de 2007.

Tenho como relevante questionar se o legislador, além de definir as regras e, portanto, os contornos legais do sistema proporcional, fixando o quociente eleitoral e o quociente partidário, pode restringir de tal forma o funcionamento parlamentar dos partidos políticos, com repercussão direta sobre o regime de igualdade de chances que deve existir entre as agremiações partidárias.

A abordagem dessa problemática tangencia temas de inegável importância para o desenvolvimento de nosso sistema político-eleitoral, como a natureza e função dos partidos políticos no regime democrático, a conformação legislativa do sistema proporcional, o princípio da igualdade de chances e o tormentoso problema da fidelidade partidária, que estão a cobrar novas reflexões tendo em vista a necessária reforma política para o aperfeiçoamento de nossa democracia.

Esses temas serão objeto de uma análise mais detida nos tópicos seguintes.

II. Natureza e função dos partidos políticos na democracia

A Constituição de 1988 atribuiu relevo ímpar à participação dos partidos no processo eleitoral, estabelecendo como condição de elegibilidade a filiação partidária (CF, art. 17).

Assegura-se a liberdade de criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos,resguardados determinados princípios.

Os partidos políticos são importantes instituições na formação da vontade política. A ação política realiza-se de maneira formal e organizada pela atuação dos partidos políticos. Eles exercem uma função de mediação entre o povo e Estado no processo de formação da vontade política, especialmente no que concerne ao processo eleitoral[1]. Mas não somente durante essa fase ou período. O processo de formação de vontade política transcende o momento eleitoral e se projeta para além desse período. Enquanto instituições permanentes de participação política, os partidos desempenham função singular na complexa relação entre o Estado e sociedade. Como nota Grimm, se os partidos políticos estabelecem a mediação entre o povo e o Estado, na medida em que apresentam lideranças pessoais e programas para a eleição e procuram organizar as decisões do Estado consoante as exigências e as opiniões da sociedade, não há dúvida de que eles atuam nos dois âmbitos.


Assim, a questão não mais é de saber se eles integram a sociedade ou o Estado, mas em que medida eles estão integrados em um e outro âmbito[2].

É certo, ademais, como se tem referido, que, na democracia partidária, tem-se um Estado partidariamente ocupado, o que coloca em confronto os partidos que ocupam funções e cargos no governo e aqueles que atuam apenas junto ao povo[3]. Afigura-se inevitável, igualmente, que para a agremiação partidária no poder se coloque o dilema de atuar exclusivamente no âmbito do Estado, enquanto partido do Governo, ou se deverá atuar também como organização partidária no âmbito da sociedade.

III. A conformação legislativa do sistema eleitoral proporcional e as restrições impostas aos partidos políticos

O art. 45 da Constituição brasileira estabelece o sistema proporcional para as eleições dos representantes parlamentares do povo. A legislação brasileira preservou o sistema proporcional de listas abertas e votação nominal, que corresponde à nossa prática desde 1932[4].

Trata-se de um modelo proporcional peculiar e diferenciado do modelo proporcional tradicional, que se assenta em listas apresentadas pelos partidos políticos. A lista aberta de candidatos existente no Brasil faz com que o mandato parlamentar, que resulta desse sistema, afigure-se também fruto do desempenho e do esforço do candidato. Trata-se, como destacado por Scott Mainwaring, de sistema que, com essa característica, somente se desenvolveu no Brasil e na Finlândia[5]. Em verdade, tal como anota Giusti Tavares, semelhante modelo é adotado também no Chile[6].

No sentido da originalidade do sistema, anota Walter Costa Porto que o tema acabou não merecendo estudo adequado por parte dos estudiosos brasileiros, tendo despertado o interesse de pesquisadores estrangeiros, como Jean Blondel. Registrem-se as observações de Walter Costa Porto[7]:

“Tal peculiaridade foi pouco examinada pelos nossos analistas. E foi um estrangeiro que lhe deu atenção: Jean Blondel, nascido em Toulon, França, professor das universidades inglesas de Manchester e Essex, e autor, entre outros livros, de Introduction to Comparative Government, Thinking Politicaly and Voters, Parties and Leaders. Em introdução a uma pesquisa que realizou, em 1957, no Estado da Paraíba, escreveu Blondel:

‘A lei eleitoral brasileira é original e merece seja descrita minuciosamente. É, com efeito, uma mistura de escrutínio uninominal e de representação proporcional, da qual há poucos exemplos através do mundo (…) Quanto aos postos do Executivo … é sempre utilizado o sistema majoritário simples (…) Mas, para a Câmara Federal, para as Câmaras dos Estados e para as Câmaras Municipais, o sistema é muito mais complexo. O princípio de base é que cada eleitor vote somente num candidato, mesmo que a circunscrição comporte vários postos a prover; não se vota nunca por lista. Nisto o sistema é uninominal. No entanto, ao mesmo tempo cada partido apresenta vários candidatos, tantos quantos são os lugares de deputados, em geral, menos se estes são pequenos partidos. De algum modo, os candidatos de um mesmo partido estão relacionados, pois a divisão de cadeiras se faz por representação proporcional, pelo número de votos obtidos por todos os candidatos de um mesmo partido (…) Votando num candidato, de fato o eleitor indica, de uma vez, uma preferência e um partido. Seu voto parece dizer: ‘Desejo ser representado por um tal partido e mais especificamente pelo Sr. Fulano. Se este não for eleito, ou for de sobra, que disso aproveite todo o partido. O sistema é, pois, uma forma de voto preferencial, mas condições técnicas são tais que este modo de escrutínio é uma grande melhora sobre o sistema preferencial tal qual existe na França’”.


No sistema eleitoral adotado no Brasil, impõe-se precisar (1) o número de votos válidos, (2) o quociente eleitoral, (3) o quociente partidário, (4) a técnica de distribuição de restos ou sobras e (5) o critério a ser adotado na falta de obtenção do quociente eleitoral.

Os votos válidos são os votos conferidos à legenda partidária e ao candidato. Não são computados os votos nulos e os votos em branco.

O quociente eleitoral, que traduz o índice de votos a ser obtido para a distribuição das vagas, obtém-se mediante a divisão do número de votos válidos pelos lugares a preencher na Câmara dos Deputados, nas Assembléias Legislativas ou nas Câmaras de Vereadores.

O quociente partidário indica o número de vagas alcançado pelos partidos e é calculado pela divisão do número de votos conferidos ao partido, diretamente, ou a seus candidatos pelo quociente eleitoral, desprezando-se a fração.

A distribuição de restos ou sobras decorre do fato de, após a distribuição inicial, haver vagas a serem preenchidas sem que os partidos tenham votos suficientes para atingir o quociente eleitoral. Podem-se adotar diferentes critérios, como a distribuição pela maior sobra ou pela maior média[8]. O Código Eleitoral adotou o critério da maior média, estabelecendo que para obtê-la “adiciona-se mais um lugar aos que já foram obtidos por cada um dos partidos; depois, toma-se o número de votos válidos atribuídos a cada partido e divide-se por aquela soma; o primeiro lugar a preencher caberá ao partido que obtiver a maior média; repita-se a mesma operação tantas vezes quantos forem os lugares restantes que devam ser preenchidos, até sua total distribuição entre os diversos partidos” (Código Eleitoral, art. 109).

Se nenhum partido atingir o quociente eleitoral, o Código Eleitoral determina que hão de ser considerados eleitos os candidatos mais votados, independentemente de qualquer critério de proporcionalidade (Código Eleitoral, art. 111). A solução parece questionável, como anota José Afonso da Silva, pois a Constituição prescreve, no caso, a adoção do sistema eleitoral proporcional[9].

Vê-se, assim, que, também no sistema proporcional, tendo em vista razões de ordem prática, os votos dos partidos que não atingiram o quociente eleitoral e os votos constantes das sobras podem não ter qualquer aproveitamento, não havendo como conferir-lhes significado quanto ao resultado.

Interessante notar que esse sistema permite que um candidato sem nenhum voto nominal seja eleito. Tal como registra Walter Costa Porto, nas eleições de 2 dezembro de 1945 o Partido Social Democrático apresentou dois candidatos a deputado federal, no Território do Acre: Hugo Ribeiro Carneiro e Hermelindo de Gusmão Castelo Branco Filho. O primeiro candidato obteve 3.775 votos; o segundo nenhum voto nominal, pois ficara no Rio de Janeiro. Não obstante, o partido alcançou uma vez o quociente eleitoral e mais uma sobra de 1.077 votos. O critério do “maior número de votos” do partido, em caso de sobra, acabou por conferir mandato a candidato que não obtivera sequer um voto[10].

Mencione-se que pode ocorrer até mesmo que o candidato mais votado no pleito eleitoral não logre obter o assento em razão de a agremiação partidária não ter obtido o quociente eleitoral. Foi o que se verificou em vários casos expressivos, dentre os quais se destaca o de Dante de Oliveira, que, candidato pelo PDT a uma vaga para Câmara dos Deputados, pelo Estado de Mato Grosso, nas eleições de 1990, obteve a maior votação (49.886 votos) e não foi eleito em razão de seu partido não ter obtido quociente. À época, postulou a revisão do resultado com a alegação de que a inclusão dos votos brancos para obtenção do quociente eleitoral revelava-se inconstitucional (Código Eleitoral, art. 106, parágrafo único). O Tribunal Superior Eleitoral rejeitou essa alegação com o argumento de que os votos brancos eram manifestações válidas e somente não seriam computáveis para as eleições majoritárias por força de normas constitucionais expressas (CF, artigos 28, 29, II, e 77, § 2º)[11]. Também o recurso extraordinário interposto contra essa decisão não foi acolhido tendo em vista as mesmas razões[12]. O art. 106, parágrafo único, do Código Eleitoral foi revogado pela Lei n. 9.504/ 1997[13]. Desde então, não se tem mais dúvida de que o voto em branco não deve ser contemplado para os fins de cálculo do quociente eleitoral.


Outra questão relevante coloca-se tendo em vista a cláusula contida no art. 109, § 2º do Código Eleitoral, segundo a qual “só poderão concorrer à distribuição dos lugares os partidos ou coligações que tiverem obtido quociente eleitoral”. Explicita-se aqui outra relativização da efetividade do voto, uma vez que somente serão contemplados os votos dos partidos que lograram obter o quociente eleitoral. Nas eleições de 2002, José Carlos Fonseca obteve 92.727 votos para deputado federal no Estado do Espírito Santo. O quociente eleitoral foi de 165.284. A sua coligação obteve 145.271 votos ou 8,78 % dos votos conferidos. Preenchidas sete vagas, cuidou-se da distribuição dos restos ou sobras. O Tribunal Regional Eleitoral recusou-se a contemplar a coligação a qual estava vinculado José Carlos Fonseca no cálculo das sobras em razão do disposto no art. 109, § 2º, do Código Eleitoral. Contra essa decisão foi impetrado mandado de segurança, forte no argumento da desproporcionalidade do critério ou da adoção de um critério legal que transmudava o sistema proporcional em sistema majoritário. Enquanto a coligação que obtivera 8,78 % dos votos não seria contemplada com um mandato parlamentar, as demais estariam assim representadas:

Coligações

Votos

Cadeiras

Coligação Espírito Santo Forte

39.36 %

50 %

Frente Competência para Mudar

12.74 %

10 %

Frente Mudança para Valer

17,37 %

20 %

Frente Trabalhista

21,07

25 %


O TSE rejeitou a ação, assentando-se que a expressão sistema proporcional contida no art. 45 da Constituição encontraria no Código Eleitoral critérios precisos e definidos. A discussão sobre a adequação dos critérios utilizados pelo legislador resvalava para controvérsia de lege ferenda sem reflexo no plano da legitimidade da fórmula[14].

Convém assinalar que o modelo proporcional de listas abertas adotado entre nós contribui acentuadamente para a personalização da eleição, o que faz com que as legendas dependam, em grande medida, do desempenho de candidatos específicos. Daí o destaque que se confere às candidaturas de personalidades dos diversos setores da sociedade ou de representantes de corporação. Essa personalização do voto acaba por acentuar a dependência do partido e a determinar a sua fragilidade programática.

Assim, esse modelo de listas abertas tem conseqüência sobre a disciplina interna das legendas, que se tornam, quase inevitavelmente, reféns dos personalismos dos candidatos que as integram. Mainwaring chega a afirmar que vários aspectos da legislação eleitoral brasileira não têm — ou têm pouco — paralelo no mundo, e nenhuma outra democracia dá aos políticos tanta autonomia vis-à-vis seus partidos[15].

IV. A cláusula de barreira e o princípio da proporcionalidade

A legislação brasileira estabeleceu uma forma peculiar de “cláusula de barreira” ou “de desempenho” (art.13 da Lei n. 9.096/95), ao determinar que “tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara de Deputados, obtenha o apoio de, no mínimo, 5 % (cinco por cento) dos votos apurados, não computados brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de 2 % (dois por cento) do total de cada um deles”. De acordo com a regra de transição contida no art. 57, essa norma do art. 13 somente entrará em vigor para a legislatura a iniciar-se no ano de 2007.

Assim, além de definir as regras e, portanto, os contornos legais do sistema proporcional, fixando o quociente eleitoral e o quociente partidário, o sistema de distribuição de mandatos por restos ou sobras etc., o legislador criou mais essa limitação ao funcionamento da agremiação partidária.

A questão que aqui se discute é a possibilidade ou não de a lei estabelecer uma cláusula de barreira que repercuta sobre o funcionamento parlamentar dos partidos políticos, tal como o fez o legislador brasileiro.

Como se vê, trata-se de uma restrição absoluta ao próprio funcionamento parlamentar do partido, sem qualquer repercussão sobre os mandatos de seus representantes. Não se estabelece qualquer tipo de mitigação, mas simplesmente veda-se o funcionamento parlamentar ao partido, com as conseqüências que isso pode gerar, como o não-recebimento dos recursos provenientes do fundo partidário, ou o seu recebimento em percentuais ínfimos, e a vedação do acesso ao rádio e à televisão.

Por isso, o modelo aqui adotado diferencia-se substancialmente de outros sistemas políticos-eleitorais do direito comparado.

Na realidade do direito alemão, consagra-se que o partido político que não obtiver 5% (cinco por cento) dos votos na votação proporcional, ou pelo menos três mandatos diretos, não obterá mandato algum, também na eleição para o chamado primeiro voto. Nesse caso, despreza-se a votação dada ao partido. Todavia, nunca se atribuiu conseqüência no que concerne àquilo que nós chamamos de “igualdade de oportunidades” ou “igualdade de chances”. A legislação alemã tentou estabelecer um limite mais elevado para efetivar o financiamento público das campanhas[16]. Mas a Corte Constitucional entendeu que essa cláusula era sim violadora do principio da igualdade de oportunidades (Chancengleicheit), porque impedia que os partidos políticos com pequena expressão conseguissem um melhor desempenho, tendo em vista que eles não teriam acesso à televisão, muito menos aos recursos públicos. Daí a legislação ter fixado percentual de 0,5% dos votos para o pagamento de indenização pelo desempenho dos partidos nas eleições.


O modelo confeccionado pelo legislador brasileiro, no entanto, não deixou qualquer espaço para a atuação partidária, mas simplesmente negou, in totum, o funcionamento parlamentar, o que evidencia, a meu ver, uma clara violação ao princípio da proporcionalidade, na qualidade de princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen Gesetzes).

O fato é que — e isso foi bem demonstrado no voto do relator —, como observado no último pleito eleitoral, agremiações partidárias que obtiveram um expressivo cabedal de votos não teriam, na próxima legislatura, direito a qualquer funcionamento parlamentar, por força dessa “cláusula de barreira à brasileira”. Há, aqui, a meu ver, um sacrifício radical das minorias!

Como analisado, a Constituição brasileira definiu que as eleições dos deputados federais, dos deputados estaduais e dos vereadores efetivar-se-ão pelo critério proporcional (CF, arts. 27, § 1º, e 45). E nada mais disse! É certo, por isso, que o legislador dispõe de alguma discricionariedade na concretização do sistema proporcional, inclusive o sistema de lista partidária fechada ou o sistema de lista com mobilidade.

Essa margem de ação conferida ao legislador também abrange a limitação do funcionamento parlamentar, tendo em vista que, como anunciado, a Constituição, em seu art. 17, inciso IV, assegura aos partidos políticos o funcionamento parlamentar, de acordo com a lei.

Não se deve esquecer, todavia, que se tem, também neste caso, uma reserva legal proporcional, que limita a própria atividade do legislador na conformação e limitação do funcionamento parlamentar dos partidos políticos.

Estou certo de que se o legislador brasileiro tivesse conformado um modelo semelhante ao adotado no direito alemão, por exemplo, tal como explicado anteriormente, talvez não estaríamos aqui a discutir esse tema. É possível, sim, ao legislador pátrio, o estabelecimento de uma cláusula de barreira ou de desempenho que impeça a atribuição de mandatos à agremiação que não obtiver um dado percentual de votos.

A via eleita pelo legislador brasileiro, no entanto, parece-me extremamente delicada. A regra do art. 13 da Lei dos Partidos Políticos não deixa qualquer espaço, não realiza qualquer mitigação, mas simplesmente nega o funcionamento parlamentar à agremiação partidária. Como ressaltado pelo Ministro Pertence, “a cláusula de barreira não mata, mas deixa morrer”. Há aqui, portanto, uma clara violação ao princípio da proporcionalidade.

V. A cláusula de barreira em face do princípio da igualdade de chances (Chancengleicheit)

A questão constitucional debatida nestas ações também gira em torno do significado do princípio da igualdade de chances (Chancengleicheit) para o processo eleitoral democrático.

Como analisado, o partido que não obtiver os percentuais de votação previstos pelo art. 13 da Lei n° 9.096/95, ou seja, que não ultrapassar a denominada cláusula de barreira, somente terá direito a (a) receber 1% (um por cento) do Fundo Partidário (art. 41, II); e (b) à realização de um programa em cadeia nacional, em cada semestre, com a duração de apenas 2 (dois) minutos (art. 48).

Por outro lado, os partidos que cumprirem os requisitos do art. 13 compartilharão os restantes 99% (noventa e nove por cento) do total do Fundo Partidário na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados (art. 41, II). Ademais, o partido que atenda ao disposto no art. 13 também tem assegurada: a) a realização de um programa, em cadeia nacional e de um programa, em cadeia estadual em cada semestre, com a duração de vinte minutos cada; b) a utilização do tempo total de quarenta minutos, por semestre, para inserções de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais, e de igual tempo nas emissoras estaduais (art. 49).

O fator e a proporção desse discrímen legalmente estabelecido entre os partidos políticos detentores de mandatos eletivos devem ser analisados desde a perspectiva do princípio da igualdade de chances ou de oportunidades.


O princípio da igualdade entre os partidos políticos é fundamental para a adequada atuação dessas instituições no complexo processo democrático. Impõe-se, por isso, uma neutralidade do Estado em face das instituições partidárias, exigência essa que se revela tão importante quanto difícil de ser implementada[17]. A importância do princípio da igualdade está em que sem a sua observância não haverá possibilidade de estabelecer uma concorrência livre e equilibrada entre os partícipes da vida política, o que acabará por comprometer a essência do próprio processo democrático. A dificuldade está nos aspectos jurídicos e fáticos. Quanto aos aspectos jurídicos, ela reside na diferenciação acentuada do objeto envolvido como conseqüência das próprias diferenças de uma sociedade livre e aberta. Daí afirmar Dieter Grimm que a neutralidade estatal deve ser entendida como não-influência da desigualdade, o que lhe confere caráter de igualdade formal[18]. Quanto aos aspectos fáticos, afigura-se inegável que o Estado, que há de conduzir-se com neutralidade em relação aos partidos, é também um Estado partidariamente ocupado[19].

O princípio da Chancengleicheit parece ter encontrado sua formulação inicial na República de Weimar, com as obras de Herman Heller (Probleme der Demokratie, I und II, 1931, e Europa und der Faschismus, 1929) e de Carl Schmitt (Der Hüter der Verfassung, 1931, e Legalität und Legitimität, 1932).

Na concepção de Heller, “o Estado de Direito Democrático atual encontra seu fundamento, principalmente, na liberdade e igualdade da propaganda política, devendo assegurar-se a todas as agremiações e partidos igual possibilidade jurídica de lutar pela prevalência de suas idéias e interesses”.[20] O notável publicista acrescentava que a fórmula técnica para preservar a unidade da formação democrática assenta-se na livre submissão da minoria à vontade majoritária, isto é, na renúncia das frações minoritárias a uma superação da maioria, mediante o uso da violência. Isto pressupõe a renúncia à opressão da minoria e exige a preservação das perspectivas dela vir a se tornar maioria[21].

Por seu turno, advertia Carl Schmitt que um procedimento neutro e indiferente da democracia parlamentar poderia dar ensejo à fixação de uma maioria por via da matemática ou da estatística, causando, dessa forma, o próprio esfacelamento do sistema de legalidade. Tal situação somente haveria de ser evitada com a adoção de um princípio consagrador de igualdade de chances para alcançar a maioria, aberto a todas as tendências e movimentos[22]. E, enfaticamente, asseverava Carl Schmitt:

Sin este principio, las matemáticas de las mayorías, con su indiferencia frente al contenido del resultado, no solo serían un juego grotesco y un insolente escarnio de toda justicia, sino que, a causa del concepto de legalidad derivado de dichas matemáticas, estas acabarían también con el sistema mismo, desde el instante en que se ganara la primera mayoría, pues esta primera mayoría se instituiría enseguida legalmente como poder permanente. La igualdad de chance abierta a todos no puede separarse mentalmente del Estado legislativo parlamentario. Dicha igualdad permanece como el principio de justicia y como una condición vital para la autoconservación”[23].

Com impecável lógica, consignava o eminente publicista que a legalidade do poder estatal conduz à negação e à derrogação do direito de resistência enquanto Direito,[24] uma vez que ao poder legal, conceitualmente, não é dado cometer injustiças, podendo, para isso, converter em “ilegalidade” toda resistência e revolta contra a injustiça e antijuridicidade[25]. E o eminente mestre acrescentava que:


“Si la mayoría puede fijar a su arbitrio la legalidad y la ilegalidad, también puede declarar ilegales a sus adversarios políticos internos, es decir, puede declararlos hors-la-loi, excluyéndolos así de la homogeneidad democrática del pueblo. Quien domine el 51 por 100 podría ilegalizar, de modo legal, al 49 por 100 restante. Podría cerrar tras sí, de modo legal, la puerta de la legalidad por la que ha entrado y tratar como a un delincuente común al partido político contrario, que tal vez golpeaba con sus botas la puerta que se le tenía cerrada”[26].

Destarte, a adoção do princípio de igualdade de chances constitui condição indispensável ao exercício legal do poder, uma vez que a minoria somente há de renunciar ao direito de resistência se ficar assegurada a possibilidade de vir a se tornar maioria.[27] Vale registrar, ainda nesse particular, o seu magistério:

“El Estado legislativo parlamentario de hoy, basado en la dominación de las mayorías del momento, solo puede entregar el monopolio del ejercicio legal del poder al partido momentáneamente mayoritario, y solo puede exigir a la minoría que renuncie al derecho de resistencia mientras permanezca efectivamente abierta a todos la igualdad de chance para la obtención de la mayoría y mientras presente visos de verdad este presupuesto de su principio de justicia”[28].

Na vigência da Lei Fundamental de Bonn (1949), a discussão sobre a “igualdade de chances” entre os partidos foi introduzida por Forsthoff, que assentou os seus fundamentos nas disposições que consagram a liberdade de criação das agremiações políticas (art. 21, I, 2) e asseguram a igualdade de condições na disputa eleitoral (art. 38 e 28)[29].

Também Gerhard Leibholz considerou inerente ao modelo constitucional o princípio de “igualdade de chances”, derivando-o, porém, diretamente, do preceito que consagra a ordem liberal-democrática (freiheitlich demokratischen Grundordnung)[30].

Mais tarde, após os primeiros pronunciamentos do Tribunal Federal Constitucional, passou Leibholz a considerar que o postulado da igualdade de chances encontrava assento no princípio da liberdade e pluralidade partidárias (arts. 21, I, e 38, I) e no princípio geral de igualdade (art. 3.º, l).

Tais elementos serviram de base para o desenvolvimento da construção jurisprudencial iniciada pelo Bundesverfassungsgericht em 1952. Observe-se que, nos primeiros tempos, a jurisprudência da Corte Constitucional parecia identificar o princípio de igualdade de chances com o direito de igualdade eleitoral — Wahlrechtsgleicheit — (Lei Fundamental, art. 38, l). As controvérsias sobre o financiamento dos partidos e a distribuição de horários para transmissões radiofônicas e televisivas ensejaram o estabelecimento da distinção entre o princípio da igualdade de chances, propriamente dito, e o direito de igualdade eleitoral. Os preceitos constitucionais atinentes à liberdade partidária (art. 21, l) e ao postulado geral da isonomia (art. 3.º, I) passaram a ser invocados como fundamento do direito de igualdade de chances dos partidos políticos[31].


Converteu-se, assim, a “igualdade de chances” em princípio constitucional autônomo, um autêntico direito fundamental dos partidos, assegurando-se às agremiações tratamento igualitário por parte do Poder Público e dos seus delegados[32].

Inicialmente, perfilhou o Tribunal Constitucional orientação que preconizava aplicação estritamente formal do princípio de “igualdade de chances”. Todavia, ao apreciar controvérsia sobre a distribuição de horário para transmissão radiofônica, introduziu o 2.º Senado da Corte Constitucional o conceito de “igualdade de chances gradual” — abgestufte Chancengleicheit, de acordo com a “significação do Partido”[33].

Considerou-se, dentre outros aspectos, que o tratamento absolutamente igualitário levaria a uma completa distorção da concorrência, configurando a equiparação legal das diferentes possibilidades (faktische Chancen) manifesta afronta ao princípio da neutralidade que deveria ser observado pelo Poder Público em relação a todos os partidos políticos[34].

A Lei dos Partidos de 1967 veio consagrar, no § 5º, o princípio da igualdade de chances tal como concebido pela jurisprudência da Corte Constitucional, estabelecendo a seguinte disposição: “(1) Se um delegado do Poder Público coloca suas instalações ou serviços à disposição dos partidos, há de se dar igual tratamento às demais agremiações partidárias. A amplitude da garantia pode ser atribuída, gradualmente, de acordo com a “significação do partido”, assegurando-se, porém, um mínimo razoável à consecução dos objetivos partidários. A significação do partido é aferida, em especial, pelos resultados obtidos nas últimas eleições para a Câmara de Representantes. Ao partido com representação no Parlamento há de se assegurar uma participação não inferior à metade daquela reconhecida a qualquer outro partido”.

Como se constata, o § 5º da Lei dos Partidos consagrou a gradação da “igualdade de chances” (abgestufte Chancengleicheit), estabelecendo inequívoca “cláusula de diferenciação” (Differenzierungsklausel).[35] É evidente que uma interpretação literal do dispositivo poderia converter o postulado da “igualdade de chances” numa garantia do status quo, consolidando-se a posição dos partidos estabelecidos (etablierte Parteien)[36].

Tal possibilidade já havia sido enunciada por Carl Schmitt, ao reconhecer que os partidos no governo desfrutam de inevitável vantagem, configurando-se uma autêntica e supralegal “mais-valia política” decorrente do exercício do poder[37]. Após asseverar que a detenção do poder outorga ao partido dominante a forma de poder político que supera de muito o simples valor das normas, observa Carl Schmitt:

“El partido dominante dispone de toda la preponderancia que lleva consigo, en un Estado donde impera esta clase de legalidad, la mera posesión de los medios legales del poder. La mayoría deja repentinamente de ser un partido; es el Estado mismo. Por mas estrictas y delimitadas que sean las normas a las que se sujeta el’Estado legislativo en la ejecución de la ley, resalta ‘siempre lo ilimitado que está detrás’, como dijo una vez Otto Mayer. En consecuencia, por encima de toda normatividad, la mera posesión del poder estatal produce una plusvalía política adicional, que viene a añadirse al poder puramente legal y normativista, una prima superlegal a la posesión legal del poder legal y al logro de la mayoría”[38].


Não se pode negar, pois, que os partidos estabelecidos gozam de evidente primazia em relação aos newcomers, decorrente sobretudo de sua posição consolidada na ordem política.[39] Por outro lado, a realização de eleições com o propósito de formar um Parlamento capaz de tomar decisões respaldado por uma nítida maioria enseja, não raras vezes, modificações legítimas nas condições de igualdade. Disso pode resultar, à evidência, um congelamento (Erstarrung) do sistema partidário[40].

Todavia, há de se observar que o direito de “igualdade de chances” não se compadece com a ampliação ou a consolidação dos partidos estabelecidos. Eventual supremacia há de ser obtida e renovada em processo eleitoral justo (fairer Wettbewerb) e abrangente da totalidade da composição partidária[41].

Como já ressaltado, a gradação da igualdade de chances, tal como desenvolvida pelo Tribunal Constitucional e assente na Lei dos Partidos (§ 5), há de levar em conta a “significação do partido”. Esta deve corresponder à sua participação na formação da vontade política (… Anteil den sie an der politischen Willensbildung des Volkes hat).[42] E o critério fundamental para aferição do grau de influência na vontade política é fornecido, basicamente, pelo desempenho eleitoral[43].

Não há dúvida de que a gradação da “igualdade de chances” deve realizar-se cum grano salis, de modo a assegurar razoável e adequada eficácia a todo e qualquer esforço partidário.[44] Até porque o abandono da orientação que consagra a igualdade formal entre os partidos não pode ensejar, em hipótese alguma, a nulificação do tratamento igualitário que lhes deve ser assegurado pelo Poder Público. Eventual gradação do direito de igualdade de chances há de se efetivar com a observância de critério capaz de preservar a própria seriedade do sistema democrático e pluripartidário[45].

Tal constatação mostra-se particularmente problemática no que concerne à distribuição dos horários para as transmissões radiofônicas e televisivas. Uma radical gradação do direito de igualdade de chances acabaria por converter-se em autêntica garantia do status quo. Daí ter-se consolidado na jurisprudência constitucional alemã orientação que assegura a todos os partícipes do prélio eleitoral, pelo menos, uma “adequada e eficaz propaganda” (angemessene und wirksame Wahlpropaganda).[46] Considera-se, assim, que um Sendezeitminimum (“tempo mínimo de transmissão”) deve ser assegurado a todos os concorrentes, independentemente de sua “significação”[47].

Ainda assim, verificam-se na doutrina sérias reservas à gradação do direito de igualdade de chances, no tocante às “transmissões eleitorais”. É que tal oportunidade assume relevância extraordinária para os pequenos partidos e as novas agremiações, que, diversamente dos etablierten Parteien, não dispõem de meios adequados para difundir a sua plataforma eleitoral[48]. Também Tsatsos e Morlok sustentam, nesse particular, que a igualdade formal de todos os que participam do processo eleitoral deve ser decididamente afirmada. Entendem que, “em uma democracia, não constitui tarefa de um Poder onisciente e interventivo tomar providências que indiquem aos eleitores a imagem ‘correta’ dos partidos. Ao revés, com a escolha prévia dos partidos, arroga-se o Estado um direito que apenas é de se reconhecer à cidadania na sua manifestação eleitoral”.[49].


Digna de relevo é a problemática relativa ao financiamento dos partidos. Em 1958, declarou o Bundesverfassungsgericht a inconstitucionalidade de lei que facultava a subvenção aos partidos mediante desconto de imposto, ao fundamento de que tal prática não era compatível com o princípio de “igualdade de chances”.[50] Posteriormente, declarou-se a inconstitucionalidade de disposição contida na lei de orçamento, que assegurava aos partidos representados no Parlamento significativa soma de recursos, entendendo que o funcionamento permanente das organizações partidárias através de recursos públicos não era compatível com a liberdade e abertura do processo de formação da vontade popular[51].

Calcado na orientação consagrada pelo Tribunal, que considerava legítima apenas a alocação de recursos públicos para fazer face aos elevados custos da campanha[52], estabeleceu o legislador disposição que concedia aos partidos políticos que obtivessem o mínimo de 2,5% dos votos válidos apurados em cada região eleitoral uma subvenção a título de “reembolso de despesas eleitorais” (Erstattung vom Wahlkampfkosten), (Lei dos Partidos, § 18).

A Corte Constitucional declarou, todavia, a nulidade do preceito, pelos fundamentos seguintes: “No que concerne ao ‘reembolso das despesas eleitorais’, hão de ser contempladas todas as agremiações que participaram do prélio eleitoral, não sendo possível estabelecer uma votação mínima (Mindesstimmenanteil) com a justificativa de que as eleições devam criar um parlamento com poder de decisão. Ao revés, tal exigência somente pode ser estabelecida como pressuposto indispensável de aferição da seriedade das propostas e programas apresentados pelos partidos, isto é, a sua avaliação pelos eleitores traduzida pelo resultado das eleições. No tocante ao ‘reembolso das despesas eleitorais’, há de se reconhecer o perigo de alguns grupos fragmentários tomarem parte do pleito tão-somente em virtude da subvenção pública. A votação mínima que legitima a concessão do “reembolso das despesas eleitorais” somente há de ser fixada tendo em vista as relações concretas fornecidas pelas eleições parlamentares. O número de eleitores correspondia, naquelas eleições, a cerca de 38 milhões; o número de votantes, 33,4 milhões. Nessas condições, se se considerar a média de participação nas eleições, um partido deveria obter cerca de 835.000 votos para atingir o percentual de 2,5% legalmente exigido. Tal exigência, como prova de seriedade dos esforços eleitorais, não parece razoável. Uma votação mínima de 0,5% dos votos apurados significaria que um partido deveria somar cerca de 167.000 votos. Um partido que logrou tantos sufrágios não pode ter contestada a seriedade de seu esforço eleitoral” (BVerfGE 24, 300)[53]. Em face da referida decisão, não restou ao legislador outra alternativa senão a de fixar em 0,5% o aludido percentual mínimo (Lei dos Partidos, § 18, 2).

Tais considerações estão a demonstrar que, não obstante eventuais percalços de ordem jurídica ou fática, a “igualdade de chances”, concebida como princípio constitucional autônomo, constitui expressão jurídica da neutralidade do Estado em relação aos diversos concorrentes[54]. O seu fundamento não se assenta única e exclusivamente no postulado geral da “igualdade de chances” (Lei Fundamental, art. 3.º, I). Ao revés, a igualdade de chances é considerada como derivação direta dos preceitos constitucionais que consagram o regime democrático (art. 20, I) e pluripartidário (art. 21, I)[55].


Não tenho dúvida de que a “igualdade de chances” é princípio integrante da ordem constitucional brasileira.

Considere-se, de imediato, que o postulado geral de igualdade tem ampla aplicação entre nós, não se afigurando possível limitar o seu alcance, em princípio, às pessoas naturais, ou restringir a sua utilização a determinadas situações ou atividades. Nesse sentido, já observara Seabra Fagundes que “tão vital se afigura o princípio ao perfeito estruturamento do Estado democrático, e tal é a sua importância como uma das liberdades públicas, para usar a clássica terminologia de inspiração francesa, que, não obstante expresso como garantia conferida a ‘brasileiros e estrangeiros residentes no País’, o que denota, à primeira vista, ter tido em mira apenas as pessoas físicas, se tornou pacífico alcançar, também, as pessoas jurídicas”[56].

Em virtude, a chamada “força irradiante do princípio da igualdade” parece espraiar-se por todo o ordenamento jurídico, contemplando, de forma ampla, todos os direitos e situações. Daí ter asseverado Francisco Campos:

A cláusula relativa à igualdade diante da lei vem em primeiro lugar, na lista dos direitos e garantias que a Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País. Não foi por acaso ou arbitrariamente que o legislador constituinte iniciou com o direito à igualdade a enumeração dos direitos individuais. Dando-lhe o primeiro lugar na enumeração, quis significar expressivamente, embora de maneira tácita, que o princípio de igualdade rege todos os direitos em seguida a ele enumerados. É como se o art. 141 da Constituição estivesse assim redigido: ‘A Constituição assegura com ‘igualdade os direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: …’”.[57]

Explicitando esse pensamento, acrescenta o insigne jurista que o princípio de igualdade tem por escopo a proteção da livre concorrência entre os homens em todos os âmbitos de atividade. Registre-se o seu magistério:

O alcance do princípio de igualdade perante a lei há de ser, portanto, interpretado na maior latitude dos seus termos, ou como envolvendo não só a hipótese de que, embora não havendo existido, venha, entretanto, a se criar no País o regime de classes, como toda e qualquer situação, a que, embora casualmente ou episodicamente, sem caráter sistemático, ou de modo puramente singular, se deixe de aplicar o critério ou a medida geral prevista para casos ou situações da mesma espécie, e se lhes aplique critério ou medida de exceção. O princípio não tem, portanto, como foco de incidência, um ponto preciso e definido. Ele se difunde por todo o tecido das relações humanas que possam constituir objeto de regulamentação jurídica ou sejam suscetíveis de configurar-se em conteúdo de um ato ou de um comando da autoridade pública. Não é princípio adstrito a um aspecto ou a uma forma de organização social; é um postulado de ordem geral, destinado a reger o comércio jurídico em todas as modalidades, de modo a assegurar, particularmente sob as constituições liberais e democráticas, o regime da concorrência, que é a categoria sob a qual elas concebem não somente a ordem social, como a ordem política, a ordem econômica e a ordem jurídica. O princípio de igualdade tem por principal função proteger e garantir a livre concorrência entre os homens, seja quando a sua atividade tem por objeto o poder, seja quando o pólo de seu interesse são os bens materiais ou imateriais, cujo gozo exclusivo lhes é assegurado pelo direito de propriedade”[58].


De resto, a concorrência é imanente ao regime liberal e democrático, tendo como pressuposto essencial e inafastável a neutralidade do Estado.

É o que se constata na seguinte passagem do preclaro magistério de Francisco Campos:

O regime liberal e democrático postula a concorrência não apenas como categoria histórica, mas como a categoria ideal da convivência humana. Ora, a concorrência pressupõe, como condição essencial, necessária ou imprescindível, que o Estado não favoreça a qualquer dos concorrentes, devendo, ao contrário, assegurar a todos um tratamento absolutamente igual, a nenhum deles podendo atribuir prioridade ou privilégio, que possa colocá-lo em situação especialmente vantajosa em relação aos demais. Esta, no mundo moderno, a significação do princípio da igualdade perante a lei. Por ele, todos ficarão certos de que na concorrência, tomada esta expressão no seu sentido mais amplo, o Estado mantém-se neutro ou não procurará intervir senão para manter entre os concorrentes as liberdades ou as vantagens a que cada um deles já tinha direito ou que venha a adquirir, mediante os processos normais da concorrência. O princípio de igualdade tem hoje, como se vê, um campo mais vasto de aplicação do que nos tempos que se seguiram imediatamente às suas primeiras declarações”[59].

Afigura-se, pois, dispensável ressaltar a importância do princípio da isonomia no âmbito das relações estatais. Como a ninguém é dado recusar a integração a uma determinada ordem estatal, faz-se mister reconhecer o direito de participação igualitária como correlato necessário da inevitável submissão a esse poder de império. E o direito de participação igualitária na vida da comunidade estatal e na formação da vontade do Estado não se restringe à igualdade eleitoral, ao acesso aos cargos públicos, ao direito de informação e de manifestação de opinião, abrangendo a própria participação nos partidos políticos e associações como forma de exercer influência na formação da vontade política[60].

Vê-se, pois, que o princípio de igualdade entre os partidos políticos constitui elementar exigência do modelo democrático e pluripartidário.

No entanto, não se pode ignorar que, tal como apontado, a aplicação do princípio de “igualdade de chances” encontra dificuldades de ordem jurídica e fática. Do prisma jurídico, não há dúvida de que o postulado da igualdade de chances incide sobre uma variedade significativa de objetos. E, do ponto de vista fático, impende constatar que o Estado, que deve conduzir-se de forma neutra, é, ao mesmo tempo, partidariamente ocupado[61].

Aludidas dificuldades não devem ensejar, à evidência, o estabelecimento de quaisquer discriminações entre os partidos estabelecidos e os newcomers, porquanto eventual distinção haveria de resultar, inevitavelmente, no próprio falseamento do processo de livre concorrência.

Não se afirma, outrossim, que ao legislador seria dado estabelecer distinções entre os concorrentes com base em critérios objetivos. Desde que tais distinções impliquem alteração das condições mínimas de concorrência, evidente se afigura sua incompatibilidade com a ordem constitucional calcada no postulado de isonomia. Mais uma vez é de se invocar a lição de Francisco Campos:

Se o princípio deve reger apenas a aplicação da lei, é claro que ao legislador ficaria devassada a imensidade de um arbítrio sem fronteiras, podendo alterar, à sua discrição, por via de medidas concretas ou individuais, as condições da concorrência, de maneira a favorecer, na corrida, a um dos concorrentes, em detrimento dos demais. O que garante, efetivamente, a concorrência não é tão-só o princípio da legalidade, entendido como a exigência que os atos da justiça e da administração possam ser referidos ou imputados à lei. Desde que ficasse assegurada ao legislador a faculdade de alterar a posição de neutralidade do Estado em face dos concorrentes, tomando o partido de uns contra outros, a ordem da concorrência não poderia ter a posição central e dominante que lhe cabe, incontestavelmente, no ciclo histórico que se abriu com a revolução industrial do Século passado e que ainda não se pode dar como encerrado no mundo ocidental. O caráter de norma obrigatória para o legislador, para ele especialmente, resulta da natureza e da extensão do princípio de igualdade perante a lei. Seria, de outra maneira, um princípio supérfluo ou destituído de qualquer significação”.[62]


Não parece subsistir dúvida, portanto, de que o princípio da isonomia tem aplicação à atividade político-partidária, fixando os limites e contornos do poder de regular a concorrência entre os partidos.

Ademais, como já observado, faz-se mister notar que o princípio da igualdade de chances entre os partidos políticos parece encontrar fundamento, igualmente, nos preceitos constitucionais que instituem o regime democrático, representativo e pluripartidário (CF, artigos 1º, V e parágrafo único). Tal modelo realiza-se, efetivamente, através da atuação dos partidos, que são, por isso, elevados à condição de autênticos e peculiares órgãos públicos ainda que não estatais, com relevantes e indispensáveis funções atinentes à formação da vontade política, à criação de legitimidade e ao processo contínuo de mediação (Vermittlung) entre povo e Estado (Lei 5.682/71, art. 2.º).[63]

Esta mediação tem seu ponto de culminância na realização de eleições, com a livre concorrência das diversas agremiações partidárias.

E a disputa eleitoral é condição indispensável do próprio modelo representativo, como assinala Rezek:

O regime representativo pressupõe disputa eleitoral cuja racionalidade deriva da livre concorrência entre os partidos, cada um deles empenhado na reunião da vontade popular em torno de seu programa político. Não merece o nome de partido político, visto que não lhe tem a essência, o chamado ‘partido único’: aqui se trata, antes, de um grande departamento político do Estado, fundado na presunção de que seu ideário representa a vontade geral a ponto de alcançar o foro da incontestabilidade. As eleições, no Estado unipartidário, não traduzem o confronto de teses programas, mas a mera expedição popular, em favor dos eleitos, de um atestado de habilitação ao cumprimento do programa que de antemão se erigira em dogma. A pluralidade de partidos não é, dessa forma, uma opção. Sem ela não há que falar, senão por abusiva metáfora, em partido político de espécie alguma”.[64]

Portanto, não se afigura necessário despender maior esforço de argumentação para que se possa afirmar que a concorrência entre os partidos, inerente ao próprio modelo democrático e representativo, tem como pressuposto inarredável o princípio de “igualdade de chances”.

O Tribunal Superior Eleitoral teve oportunidade de discutir a aplicação do princípio de “igualdade chances” a propósito da distribuição de tempo entre os partidos no rádio e na televisão.

Cuidava–se de discussão sobre a constitucionalidade da Lei n. 7.508, de 1986, que regulamentava propaganda eleitoral para as eleições nacionais e estaduais (inclusive para a Assembléia Nacional Constituinte). Referida Lei não assegurava qualquer fração de tempo para propaganda eleitoral no Rádio e na Televisão aos partidos que não contassem com representante no Congresso Nacional ou nas Assembléias Legislativas (art. 1º, II).

O Procurador-Geral da República, hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence, manifestou-se, com base em estudo por nós elaborado[65], pela inconstitucionalidade parcial da referida lei. Todavia, por maioria de votos (quatro a três), o Tribunal Superior Eleitoral rejeitou a argüição de inconstitucionalidade formulada. Acentuou, porém, o Ministro Néri da Silveira, então Presidente do Tribunal, que a argumentação desenvolvida nos votos vencidos e na manifestação do Procurador-Geral eram considerações valiosas que haveriam de ser consideradas nas novas leis sobre a matéria[66].


A legislação que tratou do tema a partir da referida decisão não mais deixou de contemplar os partidos políticos sem representação parlamentar na distribuição do tempo para divulgação da campanha eleitoral.

Assinale-se, porém, que, tal como observado, o princípio da “igualdade de chances” entre os partidos políticos abrange todo o processo de concorrência entre os partidos, não estando, por isso, adstrito a um segmento específico. É fundamental, portanto, que a legislação que disciplina o sistema eleitoral, a atividade dos partidos políticos e dos candidatos, o seu financiamento, o acesso aos meios de comunicação, o uso de propaganda governamental, dentre outras, não negligencie a idéia de igualdade de chances sob pena de a concorrência entre agremiações e candidatos se tornar algo ficcional, com grave comprometimento do próprio processo democrático.

Atualmente, o Tribunal Superior Eleitoral está a apreciar, no RESPE n° 21.334, Rel. Min. Peçanha Martins, controvérsia constitucional sobre o direito de determinado partido político, no âmbito estadual, veicular programa político partidário sem ter elegido representantes para a Assembléia Legislativa. Em voto que proferi nesse recurso, quando integrante daquela Corte Eleitoral, ressaltei que o critério ado­tado pelo legislador, na distribuição dos horários de propaganda elei­toral, impossibilitou o acesso ao rádio e à televisão dos partidos po­líticos habilitados que não contam com representantes na Assembléia Legislativa Estadual. Ainda que se possa considerar razoável a sistemática estabele­cida pelo legislador no tocante à distribuição dos horários, de acordo com a representação parlamentar, afigura-se inevitável reconhecer que a negação, ainda que limitada, do direito de acesso ao rádio e à tele­visão, não se compadece com o postulado da “igualdade de chances”. O Ministro Cezar Peluso pediu vista do recurso para melhor analisar a matéria (em 4.4.2006).

No presente caso, não tenho dúvida de que as restrições impostas pela Lei 9.096/95 ao acesso gratuito pelos partidos políticos ao rádio e à televisão, assim como aos recursos do fundo partidário, afrontam o princípio da “igualdade de chances”.

Destarte, a Lei dos Partidos Políticos estabeleceu as seguintes regras:

a) Quanto ao acesso dos partidos políticos aos recursos do fundo partidário:

a.1) o partido que não obtiver os percentuais de votação previstos pelo art. 13, ou seja, que não ultrapassar a denominada “cláusula de barreira”, somente terá direito a receber 1% (um por cento) do Fundo Partidário (art. 41, I);

a.2) os partidos que cumprirem os requisitos do art. 13 compartilharão os restantes 99% (noventa e nove por cento) do total do Fundo Partidário na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados (art. 41, II).

b) Quanto ao acesso dos partidos políticos ao rádio e à televisão:

b.1) o partido que não obtiver os percentuais de votação previstos pelo art. 13 terá direito à realização de um programa em cadeia nacional, em cada semestre, com a duração de apenas 2 (dois) minutos (art. 48);

b.2) o partido que atenda ao disposto no art. 13 tem assegurada: 1) a realização de um programa em cadeia nacional e de um programa em cadeia estadual, em cada semestre, com a duração de vinte minutos cada; 2) a utilização do tempo total de quarenta minutos, por semestre, para inserções de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais, e de igual tempo nas emissoras estaduais (art. 49).


Como se vê, essa regra torna inviável a própria sobrevivência dos partidos que não ultrapassem a “cláusula de barreira”, na medida em que destina a todos eles apenas 1% (um por cento) dos recursos do Fundo Partidário, permanecendo os outros 99% (noventa e nove por cento) restantes com os demais partidos.

O significado do Fundo Partidário para os partidos políticos pode ser devidamente apreendido na Tabela abaixo a propósito dos recursos financeiros auferidos pelas agremiações partidárias no exercício financeiro de 2005.

PARTIDO

*RECURSOS F.P.

%

*RECURSOS PRÓPRIOS

%

TOTAL

%

PT

24.690.181,55

69,36%

10.907.790,47

30,64%

35.597.972,02

100%

PSDB

19.239.678,07

99,45%

106.786,40

0,55%

19.346.464,47

100%

PMDB

17.949.068,71

95,72%

801.965,17

4,28%

18.751.033,88

100%

PFL

17.800.148,30

99,07%

166.904,47

0,93%

17.967.052,77

100%

PP

10.518.884,51

97,54%

265.531,18

2,46%

10.784.415,69

100%

PSB

7.114.067,31

88,05%

965.557,98

11,95%

8.079.625,29

100%

PTB

6.941.278,19

99,89%

7.384,51

0,11%

6.948.662,70

100%

PDT

6.908.638,95

98,95%

73.587,57

1,05%

6.982.226,52

100%

PL

6.900.799,97

91,50%

640.858,22

8,50%

7.541.658,19

100%

PPS

1.181.644,31

65,98%

609.384,99

34,02%

1.791.029,30

100%

PV

1.151.497,31

93,57%

79.118,39

6,43%

1.230.615,70

100%

PC do B

878.655,93

33,20%

1.767.710,52

66,80%

2.646.366,45

100%

PRONA

44.190,71

15,74%

236.617,44

84,26%

280.808,15

100%

PSC

44.190,71

47,45%

48.937,18

52,55%

93.127,89

100%

PSDC

44.190,71

41,64%

61.943,32

58,36%

106.134,03

100%

PHS

44.190,71

58,17%

31.782,86

41,83%

75.973,57

100%

PSTU

39.937,04

4,19%

912.262,44

95,81%

952.199,48

100%

PCO

29.198,22

100,00%

Não informado

0,00%

29.198,22

100%

PMN

24.435,09

4,86%

478.547,72

95,14%

502.982,81

100%

PRTB

23.944,55

19,48%

98.945,98

80,52%

122.890,53

100%

PMR/PRB

12.102,83

52,78%

10.827,78

47,22%

22.930,61

100%

PTC/PRN

8.442,60

15,57%

45.784,61

84,43%

54.227,21

100%

P-SOL

8.442,60

54,03%

7.183,37

45,97%

15.625,97

100%

PAN

5.256,79

40,55%

7.706,31

59,45%

12.963,10

100%

PCB

2.523,11

11,20%

20.000,00

88,80%

22.523,11

100%

PRP

2.523,11

2,21%

111.554,19

97,79%

114.077,30

100%

PSL

111.425,41

100

111.425,41

100%

PTdoB

55.820,00

100,00%

55.820,00

100%

PTN

Não informado

RECEITAS AUFERIDAS PELAS DIREÇÕES NACIONAIS DOS PARTIDOS


EXERCÍCIO FINANCEIRO – 2005

* Os valores provenientes do Fundo Partidário tiveram como base os relatórios emitidos pelo SIAFI.

* Os valores correspondentes aos Recursos Próprios podem sofrer alterações.

Tem-se, portanto, um modelo legal do Fundo Partidário assaz restritivo para com os partidos menores e, especialmente, com as agremiações em formação.

Em outros termos, o art. 41 da Lei 9.096/99 condena as agremiações minoritárias a uma morte lenta e segura, ao lhes retirar as condições mínimas para concorrer no prélio eleitoral subseqüente em regime de igualdade com as demais agremiações.

Não bastasse isso, a lei restringe em demasia o acesso ao rádio e à televisão dos partidos que não alcancem os percentuais estabelecidos pelo art. 13, na medida em que lhes assegura a realização de um programa em cadeia nacional, em cada semestre, com a duração de apenas 2 (dois) minutos.

Levando-se em conta que, atualmente, a disputa eleitoral é travada prioritariamente no âmbito do rádio e, principalmente, da televisão, parece não haver dúvida de que tal regra, em verdade, torna praticamente impossível às agremiações minoritárias o desenvolvimento da campanha em regime de “igualdade de chances” com os demais partidos, os quais têm assegurada a realização de um programa em cadeia nacional e de um programa em cadeia estadual, em cada semestre, com a duração de vinte minutos cada, assim como a utilização do tempo total de quarenta minutos, por semestre, para inserções de trinta segundos ou um minuto, nas redes nacionais, e de igual tempo nas emissoras estaduais.

Todos sabem que há muito as eleições deixaram de ser resolvidas nos palanques eleitorais. Na era da comunicação, o rádio e a televisão tornam-se poderosos meios postos à disposição dos partidos para a divulgação de seus conteúdos programáticos e de suas propostas de governo. Na medida em que permitem o contato direto e simultâneo entre candidatos/partidos e eleitores, constituem ferramentas indispensáveis à própria sobrevivência das agremiações partidárias. Dessa forma, uma limitação legal assaz restritiva do acesso a esses recursos de comunicação tem o condão de inviabilizar a participação dos partidos políticos nas eleições e, com isso, a sua própria subsistência no regime democrático.

É preciso ressaltar, por outro lado, que a adoção de critério fundado no desempenho eleitoral dos partidos não é, por si só, abusiva. Em verdade, tal como expressamente reconhecido pela Corte Constitucional alemã, não viola o princípio de igualdade a adoção pela lei do fator de desempenho eleitoral para os fins de definir o grau ou a dimensão de determinadas prerrogativas das agremiações partidárias.

Não pode, porém, o legislador adotar critério que congele o quadro partidário ou que bloqueie a constituição e desenvolvimento de novas forças políticas.

A regra da “cláusula de barreira”, tal como foi instituída pela Lei n° 9.096/95, limitando drasticamente o acesso dos partidos políticos ao rádio e à televisão e aos recursos do fundo partidário, constitui uma clara violação ao princípio da “igualdade chances”.

VI. A crise do sistema eleitoral proporcional no Brasil: novas reflexões sobre a fidelidade partidária na jurisprudência do STF

É preciso deixar enfatizado, não obstante, que as preocupações do legislador são, de fato, legítimas. A criação de uma “cláusula de barreira” para o pleno funcionamento parlamentar dos partidos políticos tem o claro intuito de antecipar alguns pontos de uma reforma política mais ampla.

Hoje, parece inegável que o sistema eleitoral de feição proporcional, que corresponde à nossa prática política brasileira desde 1932, vem apresentando significativos déficits e emitindo sinais de exaustão.

Recentemente, o país mergulhou numa das maiores crises éticas e políticas de sua história republicana, crise esta que revelou algumas das graves mazelas do sistema político-partidário brasileiro, e que torna imperiosa a sua imediata revisão.

De tudo que foi revelado, tem-se como extremamente grave o aparelhamento das estruturas estatais para fins político-partidários e a apropriação de recursos públicos para o financiamento de partidos políticos.

A crise tornou, porém, evidente, para todos, a necessidade de que sejam revistas as atuais regras quanto à fidelidade partidária.

Em outros termos, estamos desafiados a repensar o atual modelo a partir da própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Devemos refletir, inclusive, sobre a conseqüência da mudança de legenda por aqueles que obtiveram o mandato no sistema proporcional, o que constitui, sem sombra de dúvidas, uma clara violação à vontade do eleitor e um falseamento grotesco do modelo de representação popular pela via da democracia de partidos!

Com efeito, é assegurada aos partidos políticos autonomia para fixar, em seus programas, seus objetivos políticos e para definir sua estrutura interna e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina partidárias[67] (CF, art. 17 e § 1º).

Nesse aspecto, tem sido até aqui pacífica a orientação no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral de que a infidelidade partidária não terá repercussão sobre o mandato exercido[68]. A maior sanção que a agremiação partidária poderia impor ao filiado infiel é a exclusão de seus quadros.

Se consideramos a exigência de filiação partidária como condição de elegibilidade e a participação do voto de legenda na eleição do candidato, tendo em vista o modelo eleitoral proporcional adotado para as eleições parlamentares, essa orientação afigura-se amplamente questionável.

Assim, ressalvadas situações específicas decorrentes de ruptura de compromissos programáticos por parte da agremiação ou outra situação de igual significado, o abandono da legenda, a meu ver, deve dar ensejo à perda do mandato. Na verdade, embora haja participação especial do candidato na obtenção de votos com o objetivo de posicionar-se na lista dos eleitos, tem-se que a eleição proporcional se realiza em razão de votação atribuída à legenda. Como se sabe, com raras exceções, a maioria dos eleitos sequer logram obter o quociente eleitoral, dependendo a sua eleição dos votos obtidos pela agremiação.

Nessa perspectiva, não parece fazer qualquer sentido, do prisma jurídico e político, que o eventual eleito possa, simplesmente, desvencilhar-se dos vínculos partidários originalmente estabelecidos, carregando o mandato obtido em um sistema no qual se destaca o voto atribuído à agremiação partidária a que estava filiado para outra legenda.

Daí a necessidade imperiosa de revisão da jurisprudência do STF acima referida.

VII. A necessidade de uma solução diferenciada: a interpretação das disposições transitórias (art. 57) com efeitos aditivos

O Ministro Marco Aurélio, Relator, votou no sentido da declaração de inconstitucionalidade/nulidade total dos dispositivos impugnados: o artigo 13; expressão contida no art. 41, inciso II; o art. 48; expressão contida no caput do art. 49; e os artigos 56 e 57, todos da Lei n° 9.096, de 19 de setembro de 1997 (Lei dos Partidos Políticos).

Essa conclusão me preocupa, pois temos, no caso, os artigos 56 e 57, que trazem normas de transição e que regeram o tema desde a publicação da lei, em 20.9.1995. A declaração de nulidade total dessas normas, com eficácia ex tunc, resultará, invariavelmente, num vácuo legislativo.

Por isso, o Tribunal deve encontrar uma solução que, ao declarar a inconstitucionalidade da regra do art. 13 e do sistema normativo dele decorrente, preserve as normas de transição do artigo 57 que regem a questão atualmente, pelo menos até que o legislador elabore novas regras para disciplinar a matéria.

Nesse sentido, a técnica da interpretação conforme à Constituição pode oferecer uma alternativa viável.

Há muito se vale o Supremo Tribunal Federal da interpretação conforme à Constituição[69]. Consoante a prática vigente, limita-se o Tribunal a declarar a legitimidade do ato questionado desde que interpretado em conformidade com a Constituição[70]. O resultado da interpretação, normalmente, é incorporado, de forma resumida, na parte dispositiva da decisão[71].

Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, porém, a interpretação conforme à Constituição conhece limites. Eles resultam tanto da expressão literal da lei quanto da chamada vontade do legislador. A interpretação conforme à Constituição é, por isso, apenas admissível se não configurar violência contra a expressão literal do texto[72] e não alterar o significado do texto normativo, com mudança radical da própria concepção original do legislador[73].

Assim, a prática demonstra que o Tribunal não confere maior significado à chamada intenção do legislador, ou evita investigá-la, se a interpretação conforme à Constituição se mostra possível dentro dos limites da expressão literal do texto[74].

Muitas vezes, porém, esses limites não se apresentam claros e são difíceis de definir. Como todo tipo de linguagem, os textos normativos normalmente padecem de certa indeterminação semântica, sendo passíveis de múltiplas interpretações. Assim, é possível entender, como o faz Rui Medeiros, que “a problemática dos limites da interpretação conforme à Constituição está indissociavelmente ligada ao tema dos limites da interpretação em geral”[75].

A eliminação ou fixação, pelo Tribunal, de determinados sentidos normativos do texto, quase sempre tem o condão de alterar, ainda que minimamente, o sentido normativo original determinado pelo legislador. Por isso, muitas vezes a interpretação conforme levada a efeito pelo Tribunal pode transformar-se numa decisão modificativa dos sentidos originais do texto.

A experiência das Cortes Constitucionais européias – destacando-se, nesse sentido, a Corte Costituzionale italiana[76] – bem demonstra que, em certos casos, o recurso às decisões interpretativas com efeitos modificativos ou corretivos da norma constitui a única solução viável para que a Corte Constitucional enfrente a inconstitucionalidade existente no caso concreto, sem ter que recorrer a subterfúgios indesejáveis e soluções simplistas como a declaração de inconstitucionalidade total ou, no caso de esta trazer conseqüências drásticas para a segurança jurídica e o interesse social, a opção pelo mero não-conhecimento da ação.

Sobre o tema, é digno de nota o estudo de Joaquín Brage Camazano[77], do qual cito a seguir alguns trechos:

“La raíz esencialmente pragmática de estas modalidades atípicas de sentencias de la constitucionalidad hace suponer que su uso es prácticamente inevitable, con una u otra denominación y con unas u otras particularidades, por cualquier órgano de la constitucionalidad consolidado que goce de una amplia jurisdicción, en especial si no seguimos condicionados inercialmente por la majestuosa, pero hoy ampliamente superada, concepción de Kelsen del TC como una suerte de ‘legislador negativo’. Si alguna vez los tribunales constitucionales fueron legisladores negativos, sea como sea, hoy es obvio que ya no lo son; y justamente el rico ‘arsenal’ sentenciador de que disponen para fiscalizar la constitucionalidad de la Ley, más allá del planteamiento demasiado simple ‘constitucionalidad/ inconstitucionalidad’, es un elemento más, y de importancia, que viene a poner de relieve hasta qué punto es así. Y es que, como Fernández Segado destaca, ‘la praxis de los tribunales constitucionales no ha hecho sino avanzar en esta dirección’ de la superación de la idea de los mismos como legisladores negativos, ‘certificando [así] la quiebra del modelo kelseniano del legislador negativo.”

Certas modalidades atípicas de decisão no controle de constitucionalidade decorrem, portanto, de uma necessidade prática comum a qualquer jurisdição constitucional.

Assim, o recurso a técnicas inovadoras de controle da constitucionalidade das leis e dos atos normativos em geral tem sido cada vez mais comum na realidade do direito comparado, na qual os tribunais não estão mais afeitos às soluções ortodoxas da declaração de nulidade total ou de mera decisão de improcedência da ação com a conseqüente declaração de constitucionalidade.

Além das muito conhecidas técnicas de interpretação conforme à Constituição, declaração de nulidade parcial sem redução de texto, ou da declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade, aferição da “lei ainda constitucional” e do apelo ao legislador, são também muito utilizadas as técnicas de limitação ou restrição de efeitos da decisão, o que possibilita a declaração de inconstitucionalidade com efeitos pro futuro a partir da decisão ou de outro momento que venha a ser determinado pelo tribunal.

Nesse contexto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem evoluído significativamente nos últimos anos, sobretudo a partir do advento da Lei n° 9.868/99, cujo art. 27 abre ao Tribunal uma nova via para a mitigação de efeitos da decisão de inconstitucionalidade. A prática tem demonstrado que essas novas técnicas de decisão têm guarida também no âmbito do controle difuso de constitucionalidade[78].

Uma breve análise retrospectiva da prática dos Tribunais Constitucionais e de nosso Supremo Tribunal Federal bem demonstra que a ampla utilização dessas decisões, comumente denominadas “atípicas”, as converteram em modalidades “típicas” de decisão no controle de constitucionalidade, de forma que o debate atual não deve mais estar centrado na admissibilidade de tais decisões, mas nos limites que elas devem respeitar.

O Supremo Tribunal Federal, quase sempre imbuído do dogma kelseniano do legislador negativo, costuma adotar uma posição de self-restraint ao se deparar com situações em que a interpretação conforme possa descambar para uma decisão interpretativa corretiva da lei[79].

Ao se analisar detidamente a jurisprudência do Tribunal, no entanto, é possível verificar que, em muitos casos, a Corte não se atenta para os limites, sempre imprecisos, entre a interpretação conforme delimitada negativamente pelos sentidos literais do texto e a decisão interpretativa modificativa desses sentidos originais postos pelo legislador[80].

No recente julgamento conjunto das ADIn 1.105 e 1.127, ambas de relatoria do Min. Marco Aurélio, o Tribunal, ao conferir interpretação conforme a Constituição a vários dispositivos do Estatuto da Advocacia (Lei n° 8.906/94), acabou adicionando-lhes novo conteúdo normativo, convolando a decisão em verdadeira interpretação corretiva da lei[81].

Em outros vários casos mais antigos[82], também é possível verificar que o Tribunal, a pretexto de dar interpretação conforme a Constituição a determinados dispositivos, acabou proferindo o que a doutrina constitucional, amparada na prática da Corte Constitucional italiana, tem denominado de decisões manipulativas de efeitos aditivos[83].

Sobre a evolução da Jurisdição Constitucional brasileira em tema de decisões manipulativas, o constitucionalista português Blanco de Morais fez a seguinte análise:

“(…) o fato é que a Justiça Constitucional brasileira deu, onze anos volvidos sobre a aprovação da Constituição de 1988, um importante passo no plano da suavização do regime típico da nulidade com efeitos absolutos, através do alargamento dos efeitos manipulativos das decisões de inconstitucionalidade.

Sensivelmente, desde 2004 parecem também ter começado a emergir com maior pragnância decisões jurisdicionais com efeitos aditivos.

Tal parece ter sido o caso de uma acção directa de inconstitucionalidade, a ADIn 3105, a qual se afigura como uma sentença demolitória com efeitos aditivos. Esta eliminou, com fundamento na violação do princípio da igualdade, uma norma restritiva que, de acordo com o entendimento do Relator, reduziria arbitrariamente para algumas pessoas pertencentes à classe dos servidores públicos, o alcance de um regime de imunidade tributária que a todos aproveitaria. Dessa eliminação resultou automaticamente a aplicação, aos referidos trabalhadores inactivos, de um regime de imunidade contributiva que abrangia as demais categorias de servidores públicos.”

Em futuro próximo, o Tribunal voltará a se deparar com o problema no julgamento da ADPF n° 54, Rel. Min. Marco Aurélio, que discute a constitucionalidade da criminalização dos abortos de fetos anencéfalos. Caso o Tribunal decida pela procedência da ação, dando interpretação conforme aos arts. 124 a 128 do Código Penal, invariavelmente proferirá uma típica decisão manipulativa com eficácia aditiva.

Ao rejeitar a questão de ordem levantada pelo Procurador-Geral da República, o Tribunal admitiu a possibilidade de, ao julgar o mérito da ADPF n° 54, atuar como verdadeiro legislador positivo, acrescentando mais uma excludente de punibilidade – no caso do feto padecer de anencefalia – ao crime de aborto.

Portanto, é possível antever que o Supremo Tribunal Federal acabe por se livrar do vetusto dogma do legislador negativo e se alie à mais progressiva linha jurisprudencial das decisões interpretativas com eficácia aditiva, já adotadas pelas principais Cortes Constitucionais européias. A assunção de uma atuação criativa pelo Tribunal poderá ser determinante para a solução de antigos problemas relacionados à inconstitucionalidade por omissão, que muitas vezes causa entraves para a efetivação de direitos e garantias fundamentais assegurados pelo texto constitucional.

O presente caso oferece uma oportunidade para que o Tribunal avance nesse sentido. O vazio jurídico a ser produzido por uma decisão simples de declaração de inconstitucionalidade/nulidade dos dispositivos normativos impugnados – principalmente as normas de transição contidas no artigo 57 – torna necessária uma solução diferenciada, uma decisão que exerça uma “função reparadora” ou, como esclarece Blanco de Morais, “de restauração corretiva da ordem jurídica afetada pela decisão de inconstitucionalidade”[84].

Entendo que as normas de transição contidas no artigo 57, que disciplinaram a matéria desde o advento da Lei dos Partidos Políticos, de 1995, devam continuar em vigor até que o legislador edite nova lei que dê nova regulamentação ao tema.

Dessa forma, proponho ao Tribunal que o artigo 57 da Lei n° 9.096/95 seja interpretado no sentido de que as normas de transição nele contidas continuem em vigor até que o legislador discipline novamente a matéria, dentro dos limites esclarecidos pelo Tribunal neste julgamento.

VIII. Conclusão

Por todos esses motivos, não tenho nenhuma dúvida sobre a inconstitucionalidade dessa “cláusula de barreira à brasileira”.

A inconstitucionalidade não reside na natureza desse tipo de restrição à atividade dos partidos políticos, mas na forma e, portanto, na proporção estabelecida pelo legislador brasileiro. Não se deixou qualquer espaço para a atuação parlamentar das agremiações partidárias que não atingiram os percentuais exigidos pelo art. 13 da Lei 9.096/95 e que, contraditoriamente, podem eleger um cabedal expressivo de representantes. O modelo é patológico na medida em que impede o funcionamento parlamentar do partido, mas não afeta a própria eleição do representante.

Na prática, a subsistência de um modelo como esse tem o condão de produzir, a curto prazo, dois principais efeitos indesejados. O primeiro é o de anular a efetividade da atuação do partido como bancada específica, o que se afigura decisivo para que se encontre uma solução que supere esta inevitável “situação de isolamento”, mediante a fusão com outras agremiações partidárias que consigam atingir os percentuais de votação exigidos pela lei. O segundo, como conseqüência, é a acentuação do desvirtuamento da fidelidade partidária, com a integração dos parlamentares eleitos a partidos detentores do direito de funcionamento parlamentar, sem qualquer respeito ou preocupação com as intenções programáticas de cada agremiação.

Portanto, a cláusula de barreira estabelecida pela Lei 9.096/95 não representa nenhum avanço, mais sim um patente retrocesso em termos de reforma política, na medida em que intensifica as deformidades de nosso singular sistema eleitoral proporcional, que atualmente apresenta visíveis sinais de exaustão.

Deixo enfatizado, não obstante, que o legislador pode estabelecer uma cláusula de desempenho que fixe, de forma proporcional, certo percentual de votação como requisito para que o partido político tenha direito não só ao funcionamento parlamentar, mas à própria eleição de representantes, ficando, porém, assegurado a todos os partidos, com observância do princípio da igualdade de chances, o acesso aos meios e recursos necessários para competir no prélio eleitoral seguinte, incluídos, nesse sentido, o acesso ao rádio e à televisão e aos recursos do fundo partidário.

Até que o legislador brasileiro edite novas regras com essa conformação, as normas de transição do art. 57 devem permanecer em vigor, regulando a matéria.

Em conclusão, voto pela declaração de inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos da Lei n° 9.096/95: do art. 13; da expressão “obedecendo aos seguintes critérios” contida no art. 41, assim como dos incisos I e II deste artigo; do art. 48; da expressão “que atenda ao disposto no art. 13” contida no art. 49; e da expressão “no art. 13 ou” contida no inciso II do art. 57. Ademais, o artigo 57 da Lei n° 9.096/95 deve ser interpretado no sentido de que as normas de transição nele contidas continuem em vigor até que o legislador discipline novamente a matéria, dentro dos limites esclarecidos pelo Tribunal neste julgamento.

RECLAMAÇÃO 4.335-5 ACRE

V O T O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – (Relator):

No HC 82.959-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em sessão plenária de 23.2.2006, DJ de 1o.9.2006, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do artigo 2o, § 1o, da Lei no 8.072/90 (“Lei dos Crimes Hediondos”), que vedava a progressão de regime em casos de crimes hediondos, em acórdão assim ementado:

PENA – REGIME DE CUMPRIMENTO – PROGRESSÃO – RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social.

PENA – CRIMES HEDIONDOS – REGIME DE CUMPRIMENTO – PROGRESSÃO – ÓBICE – ARTIGO 2o, §1o, DA LEI No 8.072/90 – INCONSTITUCIONALIDADE – EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena – artigo 5o, inciso XLVI, da Constituição Federal – a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2o, § 1o, da Lei no 8.072/90.

Alega o reclamante que, em 2.3.2006, o reclamado fez afixar comunicado em vários pontos das dependências do Fórum de Rio Branco – Acre, nos seguintes termos:

Comunico aos senhores reeducandos, familiares, advogados e comunidade em geral, que A RECENTE DECISÃO PLENÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL proferida nos autos do ‘habeas corpus’ no 82.959, A QUAL DECLAROU A INCONSTITUCIONALIDADE DO DISPOSITIVO DA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS QUE VEDAVA A PROGRESSAO DE REGIME PRISIONAL (ART. 2o, § 1o DA Lei 8.072/90), SOMENTE TERÁ EFICÁCIA A FAVOR DE TODOS OS CONDENADOS POR CRIMES HEDIONDOS OU A ELES EQUIPARADOS QUE ESTEJAM CUMPRINDO PENA, a partir da expedição, PELO SENADO FEDERAL, DE RESOLUÇÃO SUSPENDENDO A EFICÁCIA DO DISPOSITIVO DE LEI declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 52, inciso X, da Constituição Federal. Rio Branco, 02 de março de 2.006. Marcelo Coelho de Carvalho Juiz de Direito.” (fl.05-06).

Preliminarmente, anote-se que não se trata, na espécie, de reclamação incabível, sob o argumento de inexistência de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal cuja autoridade deva ser preservada, conforme aponta o parecer do Ministério Público Federal:

3. A reclamação é o instrumento processual constitucionalmente instituído para a finalidade específica de preservar a competência dos tribunais e garantir a autoridade dos seus julgados.

4. Ao Supremo Tribunal Federal compete processar e julgar as reclamações que visem a preservar a competência do próprio Supremo Tribunal Federal e a autoridade de suas decisões, proferidas em feitos de sua competência originária ou recursal.

5. De acordo com pesquisa feita no site dessa Corte, não consta o registro de ‘habeas corpus’ impetrado pelo Reclamante em favor das pessoas relacionadas no documento de fls. 4 destes autos, sendo certo que o Reclamante não instruiu o seu pedido com um único documento que comprovasse a sua afirmação de que o Juiz de Direito da Vara de Execução Penais de Rio Branco estaria se negando a cumprir decisão proferida em favor de presos condenados por crimes hediondos.

6. Esse fato foi confirmado pela ilustre autoridade impetrada, em suas informações, quando afirmou que “não é do conhecimento deste Juízo, até o momento, que o STF tenha expedido ordem em favor de um dos interessados na reclamação e, portanto, não é hipótese de garantir a autoridade de decisão da Corte” (fl.20).

7. Assim, não existindo decisão proferida por essa Corte cuja autoridade deva ser preservada, a reclamação é manifestamente descabida.” (fl.30-31)

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal deu sinais de grande evolução no que se refere à utilização do instituto da reclamação em sede de controle concentrado de normas. No julgamento da questão de ordem em agravo regimental na Rcl 1.880, em 23 de maio de 2002, o Tribunal restou assente o cabimento da reclamação para todos aqueles que comprovarem prejuízo resultante de decisões contrárias às teses do STF, em reconhecimento à eficácia vinculante erga omnes das decisões de mérito proferidas em sede de controle concentrado.

Tal decisão restou assim ementada:

“QUESTÃO DE ORDEM. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. JULGAMENTO DE MÉRITO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 28 DA LEI No 9.868/99: CONSTITUCIONALIDADE. EFICÁCIA VINCULANTE DA DECISÃO. REFLEXOS. RECLAMAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA.

[…]

4. Reclamação. Reconhecimento de legitimidade ativa ‘ad causam’ de todos que comprovem prejuízo oriundo de decisões dos órgãos do Poder Judiciário, bem como da Administração Pública de todos os níveis, contrárias ao julgado do Tribunal. Ampliação do conceito de parte interessada (Lei no 8.038/90, artigo 13). Reflexos processuais da eficácia vinculante do acórdão a ser preservado.

[…]”[85]

Entendo que, para analisar o tema, é necessário investigar se o instrumento da reclamação foi, no presente caso, utilizado em consonância com a sua destinação constitucional: a garantia da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, l, da CF/88), no caso, a do HC 82.959/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 1o.9.2006.

Superada essa questão, caberá analisar a afirmação do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco – Acre de que a referida decisão no HC 82.959/SP “somente terá eficácia a favor de todos os condenados por crimes hediondos ou a eles equiparados que estejam cumprindo pena, a partir da expedição, pelo Senado Federal, de resolução suspendendo a eficácia do dispositivo de lei declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 52, inciso X, da Constituição Federal”.

Para apreciar a dimensão constitucional do tema, gostaria de tecer alguns comentários sobre o papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade.

– Introdução

A suspensão da execução pelo Senado Federal do ato declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal foi a forma definida pelo constituinte para emprestar eficácia erga omnes às decisões definitivas sobre inconstitucionalidade.

A aparente originalidade da fórmula tem dificultado o seu enquadramento dogmático. Discute-se, assim, sobre os efeitos e a natureza da resolução do Senado Federal que declare suspensa a execução da lei ou ato normativo. Questiona-se, igualmente, sobre o caráter vinculado ou discricionário do ato praticado pelo Senado e sobre a abrangência das leis estaduais e municipais. Indaga-se, ainda, sobre a pertinência da suspensão ao pronunciamento de inconstitucionalidade incidenter tantum, ou sobre a sua aplicação às decisões proferidas em ação direta.

Embora a doutrina pátria reiterasse os ensinamentos teóricos e jurisprudenciais americanos, no sentido da inexistência jurídica ou da ampla ineficácia da lei declarada inconstitucional, não se indicava a razão ou o fundamento desse efeito amplo. Diversamente, a não-aplicação da lei, no Direito norte-americano, constitui expressão do stare decisis, que empresta efeitos vinculantes às decisões das Cortes Superiores. Daí, ter-se adotado, em 1934, a suspensão de execução pelo Senado como mecanismo destinado a outorgar generalidade à declaração de inconstitucionalidade. A engenhosa fórmula mereceu reparos na própria Assembléia Constituinte. O Deputado Godofredo Vianna pretendeu que se reconhecesse, v.g., a inexistência jurídica da lei, após o segundo pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade do diploma.[86]

Mas que efeitos haveriam de se reconhecer ao ato do Senado que suspende a execução da lei inconstitucional?

Lúcio Bittencourt afirmava que “o objetivo do art. 45, n. IV – a referência diz respeito à Constituição de 1967 – é apenas tornar pública a decisão do tribunal, levando-a ao conhecimento de todos os cidadãos[87]. Outros reconhecem que o Senado Federal pratica ato político que “confere efeito geral ao que era particular (…), generaliza os efeitos da decisão[88].

O Supremo Tribunal Federal parece ter admitido, inicialmente, que o ato do Senado emprestava eficácia genérica à decisão definitiva. Assim, a suspensão tinha o condão de dar alcance normativo ao julgado do Supremo Tribunal Federal.[89]

Mas qual era a dimensão dessa eficácia ampla? Seria a de reconhecer efeito retroativo ao ato do Senado Federal?

Também aqui não se logravam sufrágios unânimes.

Themístocles Cavalcanti responde negativamente, sustentando que a “única solução que atende aos interesses de ordem pública é que a suspensão produzirá os seus efeitos desde a sua efetivação, não atingindo as situações jurídicas criadas sob a sua vigência[90]. Da mesma forma, Bandeira de Mello ensina que “a suspensão da lei corresponde à revogação da lei”, devendo “ser respeitadas as situações anteriores definitivamente constituídas, porquanto a revogação tem efeito ex nunc[91]. Enfatiza que a suspensão “não alcança os atos jurídicos formalmente perfeitos, praticados no passado, e os fatos consumados, ante sua irretroatividade, e mesmo os efeitos futuros dos direitos regularmente adquiridos”. “O Senado Federal – assevera Bandeira de Mello – apenas cassa a lei, que deixa de obrigar, e, assim, perde a sua executoriedade porque, dessa data em diante, a revoga simplesmente[92].

Não obstante a autoridade dos seus sectários, essa doutrina parecia confrontar com as premissas basilares da declaração de inconstitucionalidade no Direito brasileiro.

Afirmava-se quase incontestadamente, entre nós, que a pronúncia da inconstitucionalidade tinha efeito ex tunc, contendo a decisão judicial caráter eminentemente declaratório.[93] Se assim fora, afigurava-se inconcebível cogitar de “situações juridicamente criadas”, de “atos jurídicos formalmente perfeitos” ou de “efeitos futuros dos direitos regularmente adquiridos”, com fundamento em lei inconstitucional. De resto, é fácil de ver que a constitucionalidade da lei parece constituir pressuposto inarredável de categorias como as do direito adquirido e do ato jurídico perfeito.

É verdade que a expressão utilizada pelo constituinte de 1934 (art. 91, IV) e reiterada nos textos de 1946 (art. 64), de 1967/1969 (art. 42, VII) e de 1988 (art. 52, X) – suspender a execução de lei ou decreto – não é isenta de dúvida.[94] Originariamente, o substitutivo da Comissão Constitucional que produziu o modelo da Constituição de 1934 chegou a referir-se à “revogação ou suspensão da lei ou ato”[95]. Mas a própria ratio do dispositivo não autorizava a equiparação do ato do Senado a uma declaração de ineficácia de caráter prospectivo. A proposta de Godofredo Vianna reconhecia a inexistência jurídica da lei, desde que fosse declarada a sua inconstitucionalidade “em mais de um aresto” do Supremo Tribunal Federal. Nos debates realizados preponderou, porém, a idéia de se outorgar ao Senado, erigido, então, ao papel de coordenador dos poderes, a suspensão da lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Na discussão travada no Plenário da Constituinte, destacaram-se as objeções de Levi Carneiro, contrário à incorporação do instituto ao Texto Magno. Prevaleceu a tese perfilhada, dentre outras, por Prado Kelly, tal como resumida na seguinte passagem:

Na sistemática preferida pelo nobre Deputado, Sr. Levi Carneiro, o Supremo Tribunal decretaria a inconstitucionalidade de uma lei, e os efeitos dessa decisão se limitariam às partes em litígio. Todos os demais cidadãos, que estivessem na mesma situação da que foi tutelada num processo próprio, estariam ao desamparo da lei. Ocorreria, assim, que a Constituição teria sido defendida na hipótese que permitiu o exame do Judiciário, e esquecida, anulada, postergada em todos os outros casos (…)”.

Certas constituições modernas têm criado cortes jurisdicionais para defesa da Constituição. Nós continuamos a atribuir à Suprema Corte a palavra definitiva da defesa e guarda da Constituição da República. Entretanto permitimos a um órgão de supremacia política estender os efeitos dessa decisão, e estendê-los para o fim de suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando o Poder Judiciário os declara inconstitucionais.”[96]

Na Assembléia Constituinte de 1946, reencetou-se o debate, tendo-se destacado, uma vez mais, na defesa do instituto, a voz de Prado Kelly:

O Poder Judiciário só decide em espécie.É necessário, porém, estender os efeitos do julgado, e esta é atribuição do Senado.

Quanto ao primeiro ponto, quero lembrar que na Constituição de 34 existe idêntico dispositivo.

Participei da elaboração da Constituição de 34. De fato, tentou-se a criação de um quarto poder; entretanto já há muito o Senado exercia a função controladora, fiscalizadora do Poder Executivo.

O regime democrático é um regime de legalidade. No momento em que o Poder Executivo pratica uma ilegalidade, a pretexto de regulamentar uma lei votada pelo Congresso, exorbita nas suas funções. Há a esfera do Judiciário, e este não está impedido, desde que é violado o direito patrimonial do indivíduo, de apreciar o direito ferido.

Se, entretanto, se reserva ao órgão do Poder Legislativo, no caso o Senado, a atribuição fiscalizadora da lei, não estamos diante de uma função judicante, mas de fiscal do arbítrio do Poder Executivo. O dispositivo já constava da Constituição de 34 e não foi impugnado por nenhum autor ou comentador que seja do meu conhecimento. Ao contrário, foi um dos dispositivos mas festejados pela crítica, porque atendia, de fato, às solicitações do meio político brasileiro.”[97]

Ante as críticas tecidas por Gustavo Capanema, ressaltou Nereu Ramos que:

A lei ou regulamentos declarados inconstitucionais são juridicamente inexistentes entre os litigantes. Uma vez declarados, pelo Poder Judiciário, inconstitucionais ou ilegais, a decisão apenas produz efeito entre as partes. Para evitar que os outros interessados, amanhã, tenham de recorrer também ao Judiciário, para obter a mesma coisa, atribui-se ao Senado a faculdade de suspender o ato no todo ou em parte, quando o Judiciário haja declarado inconstitucional, porque desde que o Judiciário declara inconstitucional, o Presidente da República não pode declarar constitucional.”[98]

Parecia evidente aos constituintes que a suspensão da execução da lei, tal como adotada em 1934, importava na extensão dos efeitos do aresto declaratório da inconstitucionalidade, configurando, inclusive, instrumento de economia processual. Atribuía-se, pois, ao ato do Senado, caráter ampliativo e não apenas paralisante ou derrogatório do diploma viciado. E, não fosse assim, inócuo seria o instituto com referência à maioria das situações formadas na vigência da lei declarada inconstitucional.

Percebeu essa realidade o Senador Accioly Filho, que defendeu a seguinte orientação:

Posto em face de uma decisão do STF, que declara a inconstitucionalidade de lei ou decreto, ao Senado não cabe tão-só a tarefa de promulgador desse decisório.

A declaração é do Supremo, mas a suspensão é do Senado. Sem a declaração, o Senado não se movimenta, pois não lhe é dado suspender a execução de lei ou decreto não declarado inconstitucional. Essa suspensão é mais do que a revogação da lei ou decreto, tanto pelas suas conseqüências quanto por desnecessitar da concordância da outra Casa do Congresso e da sanção do Poder Executivo. Em suas conseqüências, a suspensão vai muito além da revogação. Esta opera ‘ex nunc’, alcança a lei ou ato revogado só a partir da vigência do ato revogador, não tem olhos para trás e, assim, não desconstitui as situações constituídas enquanto vigorou o ato derrogado. Já quando de suspensão se trate, o efeito é ‘ex tunc’, pois aquilo que é inconstitucional é natimorto, não teve vida (cf. Alfredo Buzaid e Francisco Campos), e, por isso, não produz efeitos, e aqueles que porventura ocorreram ficam desconstituídos desde as suas raízes, como se não tivessem existido.

Integra-se, assim, o Senado numa tarefa comum com o STF, equivalente àquela da alta Corte Constitucional da Áustria, do Tribunal Constitucional alemão e da Corte Constitucional italiana. Ambos, Supremo e Senado, realizam, na Federação brasileira, a atribuição que é dada a essas Cortes européias.

Ao Supremo cabe julgar da inconstitucionalidade das leis ou atos, emitindo a decisão declaratória quando consegue atingir o ‘quorum’ qualificado.

Todavia, aí não se exaure o episódio se aquilo que se deseja é dar efeitos ‘erga omnes’ à decisão.

A declaração de inconstitucionalidade, só por ela, não tem a virtude de produzir o desaparecimento da lei ou ato, não o apaga, eis que fica a produzir efeitos fora da relação processual em que se proferiu a decisão.

Do mesmo modo, a revogação da lei ou decreto não tem o alcance e a profundidade da suspensão. Consoante já se mostrou, e é tendência no direito brasileiro, só a suspensão por declaração de inconstitucionalidade opera efeito ‘ex tunc’, ao passo que a revogação tem eficácia só a partir da data de sua vigência.

Assim, é diferente a revogação de uma lei da suspensão de sua vigência por inconstitucionalidade.”[99]

Adiante, o insigne parlamentar concluía:

Revogada uma lei, ela continua sendo aplicada, no entanto, às situações constituídas antes da revogação (art. 153, § 3o, da Constituição). Os juízes e a administração aplicam-na aos atos que se realizaram sob o império de sua vigência, porque então ela era a norma jurídica eficaz. Ainda continua a viver a lei revogada para essa aplicação, continua a ter existência para ser utilizada nas relações jurídicas pretéritas (…)

A suspensão por declaração de inconstitucionalidade, ao contrário, vale por fulminar, desde o instante do nascimento, a lei ou decreto inconstitucional, importa manifestar que essa lei ou decreto não existiu, não produziu efeitos válidos.

A revogação, ao contrário disso, importa proclamar que, a partir dela, o revogado não tem mais eficácia.

A suspensão por declaração de inconstitucionalidade diz que a lei ou decreto suspenso nunca existiu, nem antes nem depois da suspensão.

Há, pois, distância a separar o conceito de revogação daquele da suspensão de execução de lei ou decreto declarado inconstitucional. O ato de revogação, pois, não supre o de suspensão, não o impede, porque não produz os mesmos efeitos.[100]

Essa colocação parecia explicitar a natureza singular da atribuição deferida ao Senado Federal sob as Constituições de 1946 e de 1967/69. A suspensão constituía ato político que retira a lei do ordenamento jurídico, de forma definitiva e com efeitos retroativos. É o que ressaltava, igualmente, o Supremo Tribunal Federal ao enfatizar que “a suspensão da vigência da lei por inconstitucionalidade torna sem efeito todos os atos praticados sob o império da lei inconstitucional.”[101]

Vale recordar, a propósito, que no MS 16.512[102], o Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de discutir largamente a natureza do instituto, infirmando a possibilidade de o Senado Federal revogar o ato de suspensão anteriormente editado, ou de restringir o alcance da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Cuidava-se de Mandado de Segurança impetrado por “Engenharia Souza e Barker Ltda. e outros” contra a Resolução n. 93, de 14 de outubro de 1965, que revogou a Resolução anterior (n. 32, de 25.3.1965), pela qual o Senado suspendera a execução de preceito do Código Paulista de Impostos e Taxas.

O Supremo Tribunal Federal pronunciou a inconstitucionalidade da resolução revogadora, contra os votos dos Ministros Aliomar Baleeiro e Hermes Lima, conhecendo do mandado de segurança como representação de inconstitucionalidade, tal como proposto pelo Procurador-Geral da República, Dr. Alcino Salazar.[103]

Ademais, reconheceu que o Senado não estava obrigado a proceder à suspensão do ato declarado inconstitucional. Nessa linha de entendimento, ensinava o Ministro Victor Nunes:

“(…) o Senado terá seu próprio critério de conveniência e oportunidade para praticar o ato de suspensão. Se uma questão foi aqui decidida por maioria escassa e novos Ministros são nomeados, como há pouco aconteceu, é de todo razoável que o Senado aguarde novo pronunciamento antes de suspender a lei. Mesmo porque não há sanção específica nem prazo certo para o Senado se manifestar.”[104]

Todavia, ao suspender o ato que teve a inconstitucionalidade pronunciada pelo Supremo Tribunal Federal, não poderia aquela Alta Casa do Congresso revogar o ato anterior[105]. Da mesma forma, o ato do Senado haveria de se ater à “extensão do julgado do Supremo Tribunal[106], não tendo “competência para examinar o mérito da decisão (…), para interpretá-la, para ampliá-la ou restringi-la.[107]

Vê-se, pois, que, tal como assentado no preclaro acórdão do Supremo Tribunal Federal, o ato do Senado tem o condão de outorgar eficácia ampla à decisão judicial, vinculativa, inicialmente, apenas para os litigantes.

Ressalte-se que a inércia do Senado não afeta a relação entre os Poderes, não se podendo vislumbrar qualquer violação constitucional na eventual recusa à pretendida extensão de efeitos. Evidentemente, se pretendesse outorgar efeito genérico à decisão do Supremo Tribunal, não precisaria o constituinte valer-se dessa fórmula complexa.

As conclusões assentadas acima parecem consentâneas com a natureza do instituto. O Senado Federal não revoga o ato declarado inconstitucional, até porque lhe falece competência para tanto[108]. Cuida-se de ato político que empresta eficácia erga omnes à decisão do Supremo Tribunal proferida em caso concreto. Não se obriga o Senado Federal a expedir o ato de suspensão, não configurando eventual omissão ou qualquer infringência a princípio de ordem constitucional. Não pode a Alta Casa do Congresso, todavia, restringir ou ampliar a extensão do julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal.

Apenas por amor à completude, observe-se que o Projeto que resultou na Emenda n. 16/65 o de 1946, dade . aapretendeu conferir nova disciplina ao instituto da suspensão pelo Senado. Dizia-se na Exposição de Motivos:

Ao direito italiano pedimos, todavia, uma formulação mais singela e mais eficiente do que a do art. 64 da nossa Constituição, para tornar explícito, a partir da declaração de ilegitimidade, o efeito ‘erga omnes’ de decisões definitivas do Supremo Tribunal, poupando ao Senado o dever correlato de suspensão da lei ou do decreto — expediente consentâneo com as teorias de direito público em 1934, quando ingressou em nossa legislação, mas presentemente suplantada pela formulação contida no art. 136 do estatuto de 1948: ‘Quando la Corte dichiara l’illegittimità costituzionale di una norma di legge o di atto avente forza di legge, la norma cessa di avere efficacia dal giorno sucessivo alla publicazione della decisione’[109].

O art. 64 da Constituição passava a ter a seguinte redação:

Art. 64. Incumbe ao Presidente do Senado Federal, perdida a eficácia de lei ou ato de natureza normativa (art. 101, § 3o), fazer publicar no Diário Oficial e na Coleção das leis a conclusão do julgado que lhe for comunicado".

A proposta de alteração do disposto no art. 64 da Constituição, com a atribuição de eficácia erga omnes à declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal, foi, porém, rejeitada.[110]

A ausência de disciplina sobre a matéria contribuiu para que o Supremo Tribunal se ocupasse do tema, especialmente no que dizia respeito aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade em sede de controle abstrato (representação de inconstitucionalidade). Nessa hipótese, o Tribunal deveria ou não comunicar a declaração de inconstitucionalidade ao Senado, para os fins do art. 64 da Constituição de 1946 (modificado pela Emenda n. 16/65)?

Em 1970, o Tribunal começou a debater o tema[111], tendo firmado posição, em 1977, quanto à dispensabilidade de intervenção do Senado Federal nos casos de declaração de inconstitucionalidade de lei proferida na representação de inconstitucionalidade (controle abstrato)[112]. Passou-se, assim, a atribuir eficácia geral à decisão de inconstitucionalidade proferida em sede de controle abstrato, procedendo-se à redução teleológica do disposto no art. 42, VII, da Constituição de 1967/69.[113]

– A suspensão pelo Senado Federal da execução de lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal sob a Constituição de 1988

A amplitude conferida ao controle abstrato de normas e a possibilidade de que se suspenda, liminarmente, a eficácia de leis ou atos normativos, com eficácia geral, contribuíram, certamente, para que se quebrantasse a crença na própria justificativa desse instituto, que se inspirava diretamente numa concepção de separação de Poderes hoje inevitavelmente ultrapassada. Se o Supremo Tribunal pode, em ação direta de inconstitucionalidade, suspender, liminarmente, a eficácia de uma lei, até mesmo de uma Emenda Constitucional, por que haveria a declaração de inconstitucionalidade, proferida no controle incidental, valer tão-somente para as partes?

A única resposta plausível nos leva a crer que o instituto da suspensão pelo Senado assenta-se hoje em razão de índole exclusivamente histórica.

Deve-se observar, outrossim, que o instituto da suspensão da execução da lei pelo Senado mostra-se inadequado para assegurar eficácia geral ou efeito vinculante às decisões do Supremo Tribunal que não declaram a inconstitucionalidade de uma lei, limitando-se a fixar a orientação constitucionalmente adequada ou correta.

Isto se verifica quando o Supremo Tribunal afirma que dada disposição há de ser interpretada desta ou daquela forma, superando, assim, entendimento adotado pelos tribunais ordinários ou pela própria Administração. A decisão do Supremo Tribunal não tem efeito vinculante, valendo nos estritos limites da relação processual subjetiva. Como não se cuida de declaração de inconstitucionalidade de lei, não há que se cogitar aqui de qualquer intervenção do Senado, restando o tema aberto para inúmeras controvérsias.

Situação semelhante ocorre quando o Supremo Tribunal Federal adota uma interpretação conforme à Constituição, restringindo o significado de certa expressão literal ou colmatando uma lacuna contida no regramento ordinário. Aqui o Supremo Tribunal não afirma propriamente a ilegitimidade da lei, limitando-se a ressaltar que uma dada interpretação é compatível com a Constituição, ou, ainda, que, para ser considerada constitucional, determinada norma necessita de um complemento (lacuna aberta) ou restrição (lacuna oculta redução teleológica). Todos esses casos de decisão com base em uma interpretação conforme à Constituição não podem ter a sua eficácia ampliada com o recurso ao instituto da suspensão de execução da lei pelo Senado Federal.

Mencionem-se, ainda, os casos de declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, nos quais se explicita que um significado normativo é inconstitucional sem que a expressão literal sofra qualquer alteração.

Também nessas hipóteses, a suspensão de execução da lei ou do ato normativo pelo Senado revela-se problemática, porque não se cuida de afastar a incidência de disposições do ato impugnado, mas tão-somente de um de seus significados normativos.

Não é preciso dizer que a suspensão de execução pelo Senado não tem qualquer aplicação naqueles casos nos quais o Tribunal limita-se a rejeitar a argüição de inconstitucionalidade. Nessas hipóteses, a decisão vale per se. Da mesma forma, o vetusto instituto não tem qualquer serventia para reforçar ou ampliar os efeitos da decisão do Tribunal naquelas matérias nas quais a Corte, ao prover ou não um dado recurso, fixa uma interpretação da Constituição.

Da mesma forma, a suspensão da execução da lei inconstitucional não se aplica à declaração de não-recepção da lei pré-constitucional levada a efeito pelo Supremo Tribunal. Portanto, das decisões possíveis em sede de controle, a suspensão de execução pelo Senado está restrita aos casos de declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo.

É certo, outrossim, que a admissão da pronúncia de inconstitucionalidade com efeito limitado no controle incidental ou difuso (declaração de inconstitucionalidade com efeito ex nunc), cuja necessidade já vem sendo reconhecida no âmbito do STF, parece debilitar, fortemente, a intervenção do Senado Federal – pelo menos aquela de conotação substantiva[114]. É que a “decisão de calibragem” tomada pelo Tribunal parece avançar também sobre a atividade inicial da Alta Casa do Congresso. Pelo menos, não resta dúvida de que o Tribunal assume aqui uma posição que parte da doutrina atribuía, anteriormente, ao Senado Federal.

Todas essas razões demonstram o novo significado do instituto de suspensão de execução pelo Senado no contexto normativo da Constituição de 1988.

– A repercussão da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal sobre as decisões de outros tribunais

Questão interessante agitada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal diz respeito à necessidade de se utilizar o procedimento previsto no art. 97 da Constituição na hipótese de existir pronunciamento da Suprema Corte que afirme a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo.

Em acórdão proferido no RE 190.728, teve a 1a Turma do Supremo Tribunal Federal a oportunidade de, por maioria de votos, vencido o Ministro Celso de Mello, afirmar a dispensabilidade de se encaminhar o tema constitucional ao Plenário do Tribunal, desde que o Supremo Tribunal já se tenha pronunciado sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei questionada.[115]

É o que se pode depreender do voto proferido pelo Ministro Ilmar Galvão, designado Relator para o acórdão, verbis:

Esta nova e salutar rotina que aos poucos vai tomando corpo – de par com aquela anteriormente assinalada, fundamentada na esteira da orientação consagrada no art. 101 do RI/STF, onde está prescrito que ‘a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, pronunciada por maioria qualificada, aplica-se aos novos feitos submetidos às Turmas ou ao Plenário’, além de, por igual, não merecer a censura de ser afrontosa ao princípio insculpido no art. 97 da CF, está em perfeita consonância não apenas com o princípio da economia processual, mas também com o da segurança jurídica, merecendo, por isso, todo encômio, como procedimento que vem ao encontro da tão desejada racionalização orgânica da instituição judiciária brasileira.

Tudo, portanto, está a indicar que se está diante de norma que não deve ser aplicada com rigor literal, mas, ao revés, tendo-se em mira a finalidade objetivada, o que permite a elasticidade do seu ajustamento às variações da realidade circunstancial”[116].

Na ocasião, acentuou-se que referido entendimento fora igualmente adotado pela 2ª Turma, como consta da ementa do acórdão proferido no AI-AgR 168.149, da relatoria do eminente Ministro Marco Aurélio:

“Versando a controvérsia sobre o ato normativo já declarado inconstitucional pelo guardião maior da Carta Política da República – o Supremo Tribunal Federal -, descabe o deslocamento previsto no artigo 97 do referido Diploma maior. O julgamento de plano pelo órgão fracionado homenageia não só a racionalidade, como também implica interpretação teleológica do artigo 97 em comento, evitando a burocratização dos atos judiciais no que nefasta ao princípio da economia e da celeridade. A razão de ser do preceito está na necessidade de evitar-se que órgãos fracionados apreciem, pela vez primeira, a pecha de inconstitucionalidade argüida em relação a um certo ato normativo.”[117].

Orientação semelhante foi reiterada, em decisão de 15.9.1995, na qual se explicitou que “o acórdão recorrido deu aplicação ao decidido pelo STF nos RREE 150.755/PE e 150.764/PE”, não havendo necessidade, por isso, de a questão ser submetida ao Plenário do Tribunal.[118]

Em acórdão de 22 agosto de 1997, houve por bem o Tribunal ressaltar, uma vez mais, que a reserva de plenário da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo funda-se na presunção de constitucionalidade que os protege, somada a razões de segurança jurídica. Assim sendo, “a decisão plenária do Supremo Tribunal declaratória de inconstitucionalidade de norma, posto que incidente, sendo pressuposto necessário e suficiente a que o Senado lhe confira efeitos ‘erga omnes’, elide a presunção de sua constitucionalidade; a partir daí, podem os órgãos parciais dos outros tribunais acolhê-la para fundar a decisão de casos concretos ulteriores, prescindindo de submeter a questão de constitucionalidade ao seu próprio plenário.[119]

Esse entendimento marca uma evolução no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, que passa a equiparar, praticamente, os efeitos das decisões proferidas nos processos de controle abstrato e concreto. A decisão do Supremo Tribunal Federal, tal como colocada, antecipa o efeito vinculante de seus julgados em matéria de controle de constitucionalidade incidental, permitindo que o órgão fracionário se desvincule do dever de observância da decisão do Pleno ou do Órgão Especial do Tribunal a que se encontra vinculado. Decide-se autonomamente com fundamento na declaração de inconstitucionalidade (ou de constitucionalidade) do Supremo Tribunal Federal proferida incidenter tantum.

– A suspensão de execução da lei pelo Senado e mutação constitucional

Todas essas reflexões e práticas parecem recomendar uma releitura do papel do Senado no processo de controle de constitucionalidade.

Quando o instituto foi concebido no Brasil, em 1934, dominava uma determinada concepção da divisão de poderes, há muito superada. Em verdade, quando da promulgação do texto de 1934, outros países já atribuíam eficácia geral às decisões proferidas em sede de controle abstrato de normas, tais como o previsto na Constituição de Weimar de 1919 e no modelo austríaco de 1920.

A exigência de que a eficácia geral da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal fique a depender de uma decisão do Senado Federal, introduzida entre nós com a Constituição de 1934 e preservada na Constituição de 1988, perdeu grande parte do seu significado com a introdução do controle abstrato de normas.

Se a intensa discussão sobre o monopólio da ação por parte do Procurador-Geral da República não levou a uma mudança na jurisprudência consolidada sobre o assunto, é fácil constatar que ela foi decisiva para a alteração introduzida pelo constituinte de 1988, com a significativa ampliação do direito de propositura da ação direta.

O constituinte assegurou o direito do Procurador-Geral da República de propor a ação de inconstitucionalidade. Esse é, todavia, apenas um dentre os diversos órgãos ou entes legitimados a propor a ação direta de inconstitucionalidade.

Nos termos do art. 103 da Constituição de 1988, dispõem de legitimidade para propor a ação de inconstitucionalidade: o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de uma Assembléia Legislativa, o Governador do Estado, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, os partidos políticos com representação no Congresso Nacional e as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.

Com isso satisfez o constituinte apenas parcialmente a exigência daqueles que solicitavam fosse assegurado o direito de propositura da ação a um grupo de, v.g., dez mil cidadãos ou que defendiam até mesmo a introdução de uma ação popular de inconstitucionalidade.

Tal fato fortalece a impressão de que, com a introdução desse sistema de controle abstrato de normas, com ampla legitimação e, particularmente, a outorga do direito de propositura a diferentes órgãos da sociedade, pretendeu o constituinte reforçar o controle abstrato de normas no ordenamento jurídico brasileiro como peculiar instrumento de correção do sistema geral incidente.

Não é menos certo, por outro lado, que a ampla legitimação conferida ao controle abstrato, com a inevitável possibilidade de se submeter qualquer questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal, operou uma mudança substancial — ainda que não desejada — no modelo de controle de constitucionalidade até então vigente no Brasil.

O monopólio de ação outorgado ao Procurador-Geral da República no sistema de 1967/69 não provocou uma alteração profunda no modelo incidente ou difuso. Esse continuou predominante, integrando-se a representação de inconstitucionalidade a ele como um elemento ancilar, que contribuía muito pouco para diferençá-lo dos demais sistemas “difusos” ou “incidentes” de controle de consti­tu­cionalidade.

A Constituição de 1988 reduziu o significado do controle de constitucionalidade incidental ou difuso ao ampliar, de forma mar­can­te, a legitimação para propositura da ação direta de inconsti­tu­cio­na­lidade (CF, art. 103), permitindo que, praticamente, todas as contro­vér­sias constitucionais relevantes sejam submetidas ao Supremo Tribunal Federal mediante processo de controle abstrato de normas.

Convém assinalar que, tal como já observado por Anschütz[120] ainda no regime de Weimar, toda vez que se outorga a um Tribunal especial atribuição para decidir questões constitucionais, limita-se, explícita ou implicitamente, a competência da jurisdição ordinária para apreciar tais controvérsias.

Portanto, parece quase intuitivo que, ao ampliar, de forma significativa, o círculo de entes e órgãos legitimados a provocar o Supremo Tribunal Federal, no processo de controle abstrato de normas, acabou o constituinte por restringir, de maneira radical, a amplitude do controle difuso de constitucionalidade.

Assim, se se cogitava, no período anterior a 1988, de um modelo misto de controle de constitucionalidade, é certo que o forte acento residia, ainda, no amplo e dominante sistema difuso de controle. O controle direto continuava a ser algo acidental e episódico dentro do sistema difuso.

A Constituição de 1988 alterou, de maneira radical, essa situação, conferindo ênfase não mais ao sistema difuso ou incidental, mas ao modelo concentrado, uma vez que as questões constitucionais passaram a ser veiculadas, fundamentalmente, mediante ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.

Ressalte-se que essa alteração não se operou de forma ainda profunda porque o Supremo Tribunal manteve a orientação anterior, que considerava inadmissível o ajuizamento de ação direta contra direito pré-constitucional em face da nova Constituição.

A ampla legitimação, a presteza e a celeridade desse modelo processual, dotado inclusive da possibilidade de se suspender imediatamente a eficácia do ato normativo questionado, mediante pedido de cautelar, fazem com que as grandes questões constitucionais sejam solvidas, na sua maioria, mediante a utilização da ação direta, típico instrumento do controle concentrado. Assim, se continuamos a ter um modelo misto de controle de constitucionalidade, a ênfase passou a residir não mais no sistema difuso, mas no de perfil concentrado.

Essa peculiaridade foi destacada por Sepúlveda Pertence no voto que proferiu na ADC 1, verbis:

“(…) Esta ação é um momento inevitável na prática da consolidação desse audacioso ensaio do constitucionalismo brasileiro — não, apenas como nota Cappelletti, de aproximar o controle difuso e o controle concentrado, como se observa em todo o mundo — mas, sim, de convivência dos dois sistemas na integralidade das suas características.

Esta convivência não se faz sem uma permanente tensão dialética na qual, a meu ver, a experiência tem demonstrado que será inevitável o reforço do sistema concentrado, sobretudo nos processos de massa; na multiplicidade de processos que inevitavelmente, a cada ano, na dinâmica da legislação, sobretudo da legislação tributária e matérias próximas, levará, se não se criam mecanismos eficazes de decisão relativamente rápida e uniforme, ao estrangulamento da máquina judiciária, acima de qualquer possibilidade de sua ampliação e, progressivamente, ao maior descrédito da Justiça, pela sua total incapacidade de responder à demanda de centenas de milhares de processos rigorosamente idênticos, porque reduzidos a uma só questão de direito.

Por outro lado, (…), o ensaio difícil de convivência integral dos dois métodos de controle de constitucionalidade do Brasil só se torna possível na medida em que se acumularam, no Supremo Tribunal Federal, os dois papéis, o de órgão exclusivo do sistema concentrado e o de órgão de cúpula do sistema difuso.

De tal modo, o peso do Supremo Tribunal, em relação aos outros órgãos de jurisdição, que a ação declaratória de constitucionalidade traz, é relativo porque, já no sistema de convivência dos dois métodos, a palavra final é sempre reservada ao Supremo Tribunal Federal, se bem que, declarada a inconstitucionalidade no sistema difuso, ainda convivamos com o anacronismo em que se transformou, especialmente após a criação da ação direta, a necessidade da deliberação do Senado para dar eficácia ‘erga omnes’ à declaração incidente” .[121]

Assinale-se, outrossim, que a interpretação que se deu à suspensão de execução da lei pela doutrina majoritária e pela própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal contribuiu decisivamente para que a afirmação sobre a teoria da nulidade da lei inconstitucional restasse sem concretização entre nós.

Nesse sentido, constatou Lúcio Bittencourt que os constitucionalistas brasileiros não lograram fundamentar nem a eficácia erga omnes, nem a chamada re­troatividade ex tunc da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

É o que se lê na seguinte passagem de seu magno trabalho:

“(…) as dificuldades e problemas surgem, precisamente, no que tange à eficácia indireta ou colateral da sentença declaratória da inconstitucionalidade, pois, embora procurem os autores estendê-la a situações jurídicas idênticas, considerando indiretamente anulada a lei, porque a ‘sua aplicação não obteria nunca mais o concurso da justiça’, não têm, todavia, conseguido apresentar fundamento técnico, razoavelmente aceitável, para justificar essa extensão.

Não o apontam os tratadistas americanos — infensos à sistematização, que caracteriza os países onde se adota a codificação do direito positivo — limitando-se a enunciar o princípio, em termos categóricos: a lei declarada inconstitucional deve ser considerada, para todos os efeitos, como se jamais, em qualquer tempo, houvesse possuído eficácia jurídica — ‘is to be regarded as having never, at any time, been possessed of any legal force.’

Os nossos tratadistas também não indicam a razão jurídica determinante desse efeito amplo. Repetem a doutrina dos escritores americanos e as afirmações dos tribunais, sem buscar-lhes o motivo, a causa ou o fundamento. Nem o grande Rui, com o seu gênio estelar, nem os que subseqüentemente, na sua trilha luminosa, versaram o assunto com a proficiência de um Castro Nunes.

É que em face dos princípios que orientam a doutrina de coisa julgada e que são comumente aceitos entre nós, é difícil, senão impossível, justificar aqueles efeitos, que aliás, se verificam em outras sentenças como, por exemplo, as que decidem matéria de estado civil, as quais, segundo entendimento geral prevalecem ‘erga omnes’.” [122].

Em verdade, ainda que não pertencente ao universo específico da judicial review, o instituto do stare decisis desonerava os constitucionalistas americanos, pelo menos em parte, de um dever mais aprofundado de fundamentação na espécie. Como esse mecanismo assegura efeito vinculante às decisões das Cortes Superiores, em caso de declaração de inconstitucionalidade pela Suprema Corte, tinha-se a segurança de que, em princípio, nenhum tribunal haveria de conferir eficácia à norma objeto de censura. Assim, a ausência de mecanismo processual assemelhado à “força de lei” (Gesetzeskraft) do direito alemão não impediu que os autores americanos sustentassem a nulidade da lei inconstitucional.[123]

Sem dispor de um mecanismo que emprestasse força de lei ou que, pelo menos, conferisse caráter vinculante às decisões do Supremo Tribunal Federal para os demais Tribunais tal como o stare decisis americano[124], contentava-se a doutrina brasileira em ressaltar a evidência da nulidade da lei inconstitucional[125] e a obrigação dos órgãos estatais de se absterem de aplicar disposição que teve a sua inconstitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal Federal[126]. A suspensão da execução pelo Senado não se mostrou apta a superar essa incongruência, especialmente porque se emprestou a ela um sentido substantivo que talvez não devesse ter. Segundo entendimento amplamente aceito[127], esse ato do Senado Federal conferia eficácia erga omnes à declaração de inconstitucionalidade proferida no caso concreto.[128]

Ainda que se aceite, em princípio, que a suspensão da execução da lei pelo Senado retira a lei do ordenamento jurídico com eficácia ex tunc, esse instituto, tal como foi interpretado e praticado, entre nós, configura antes a negação do que a afirmação da teoria da nulidade da lei inconstitucional. A não-aplicação geral da lei depende exclusivamente da vontade de um órgão eminentemente político e não dos órgãos judiciais incumbidos da aplicação cotidiana do direito. Tal fato reforça a idéia de que, embora tecêssemos loas à teoria da nulidade da lei inconstitucional, consolidávamos institutos que iam de encontro à sua implementação.

Assinale-se que se a doutrina e a jurisprudência entendiam que lei inconstitucional era ipso jure nula, deveriam ter defendido, de forma coerente, que o ato de suspensão a ser praticado pelo Senado destinava-se exclusivamente a conferir publicidade à decisão do STF.

Essa foi a posição sustentada, isoladamente, por Lúcio Bittencourt:

“Se o Senado não agir, nem por isso ficará afetada a eficácia da decisão, a qual continuará a produzir todos os seus efeitos regulares que, de fato, independem de qualquer dos poderes. O objetivo do art. 45, IV da Constituição – a referência é ao texto de 1967 – é apenas tornar pública a decisão do tribunal, levando-a ao conhecimento de todos os cidadãos. Dizer que o Senado ‘suspende a execução’ da lei inconstitucional é, positivamente, impropriedade técnica, uma vez que o ato, sendo ‘inexistente’ ou ‘ineficaz’, não pode ter suspensa a sua execução”.[129]

Tal concepção afigurava-se absolutamente coerente com o fundamento da nulidade da lei inconstitucional. Uma orientação dogmática minimamente consistente haveria de encaminhar-se nesse sentido, até porque a atribuição de funções substantivas ao Senado Federal era a própria negação da idéia de nulidade da lei devidamente declarada pelo órgão máximo do Poder Judiciário.

Não foi o que se viu inicialmente. Como apontado, a jurisprudência e a doutrina acabaram por conferir significado substancial à decisão do Senado, entendendo que somente o ato de suspensão do Senado mostrava-se apto a conferir efeitos gerais à declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal, cuja eficácia estaria limitada às partes envolvidas no processo.

De qualquer sorte, a ampliação do controle abstrato de normas, inicialmente realizada nos termos do art. 103 e, posteriormente, com o advento da ADC, alterou significativamente a relação entre o modelo difuso e o modelo concentrado. Assim, passou a dominar a eficácia geral das decisões proferidas em sede de controle abstrato (ADI e ADC).

A disciplina processual conferida à Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, que constitui instrumento subsidiário para solver questões não contempladas pelo modelo concentrado – ADI e ADC –, revela, igualmente, a inconsistência do atual modelo. A decisão do caso concreto proferida em ADPF, por se tratar de processo objetivo, será dotada de eficácia erga omnes; a mesma questão resolvida no processo de controle incidental terá eficácia inter partes.

No que se refere aos recursos especial e extraordinário, a Lei n. 8.038, de 1990, havia concedido ao relator a faculdade de negar seguimento a recurso manifestamente intempestivo, incabível, improcedente ou prejudicado, ou ainda, que contrariasse Súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça. O Código de Processo Civil, por sua vez, em caráter ampliativo, incorporou disposição que autoriza o relator a dar provimento ao recurso se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com a jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior (art. 557, § 1o-A, acrescentado pela Lei n. 9.756, de 1998).

Com o advento dessa nova fórmula, passou-se a admitir não só a negativa de seguimento de recurso extraordinário, nas hipóteses referidas, mas também o provimento do aludido recurso nos casos de manifesto confronto com a jurisprudência do Supremo Tribunal, mediante decisão unipessoal do relator.

Também aqui parece evidente que o legislador entendeu possível estender de forma geral os efeitos da decisão adotada pelo Tribunal, tanto nas hipóteses de declaração de inconstitucionalidade incidental de determinada lei federal, estadual ou municipal – hipótese que estaria submetida à intervenção do Senado -, quanto nos casos de fixação de uma dada interpretação constitucional pelo Tribunal.

Ainda que a questão pudesse comportar outras leituras, é certo que o legislador ordinário, com base na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, considerou legítima a atribuição de efeitos ampliados à decisão proferida pelo Tribunal, até mesmo em sede de controle de constitucionalidade incidental.

Observe-se, ainda, que, nas hipóteses de declaração de inconstitucionalidade de leis municipais, o Supremo Tribunal Federal tem adotado uma postura significativamente ousada, conferindo efeito vinculante não só à parte dispositiva da decisão de inconstitucionalidade, mas também aos próprios fundamentos determinantes. É que são numericamente expressivos os casos em que o Supremo Tribunal tem estendido, com base no art. 557, caput e § 1o-A, do Código de Processo Civil, a decisão do plenário que declara a inconstitucionalidade de norma municipal a outras situações idênticas, oriundas de municípios diversos. Em suma, tem-se considerado dispensável, no caso de modelos legais idênticos, a submissão da questão ao Plenário.

Nesse sentido, Maurício Corrêa, ao julgar o RE 228.844/SP[130], no qual se discutia a ilegitimidade do IPTU progressivo cobrado pelo Município de São José do Rio Preto, no Estado de São Paulo, valeu-se de fundamento fixado pelo Plenário deste Tribunal, em precedente oriundo do Estado de Minas Gerais, no sentido da inconstitucionalidade de lei do Município de Belo Horizonte, que instituiu alíquota progressiva do IPTU.

Também Nelson Jobim, no exame da mesma matéria (progressividade do IPTU), em recurso extraordinário interposto contra lei do Município de São Bernardo do Campo, aplicou tese fixada em julgamentos que apreciaram a inconstitucionalidade de lei do Município de São Paulo.[131]

Ellen Gracie utilizou-se de precedente oriundo do Município de Niterói, Estado do Rio de Janeiro, para dar provimento a recurso extraordinário no qual se discutia a ilegitimidade de taxa de iluminação pública instituída pelo Município de Cabo Verde, no Estado de Minas Gerais.[132]

Carlos Velloso aplicou jurisprudência de recurso proveniente do Estado de São Paulo para fundamentar sua decisão no AI 423.252[133], onde se discutia a inconstitucionalidade de taxa de coleta e limpeza pública do Município do Rio de Janeiro, convertendo-o em recurso extraordinário (art. 544, §§ 3o e 4o, do CPC) e dando-lhe provimento.

Sepúlveda Pertence lançou mão de precedentes originários do Estado de São Paulo para dar provimento ao RE 345.048[134], no qual se argüia a inconstitucionalidade de taxa de limpeza pública do Município de Belo Horizonte.

Celso de Mello, ao apreciar matéria relativa à progressividade do IPTU do Município de Belo Horizonte, conheceu e deu provimento a recurso extraordinário tendo em conta diversos precedentes oriundos do Estado de São Paulo.[135]

Tal procedimento evidencia, ainda que de forma tímida, o efeito vinculante dos fundamentos determinantes da decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal no controle de constitucionalidade do direito municipal. Evidentemente, semelhante orientação somente pode vicejar caso se admita que a decisão tomada pelo Plenário seja dotada de eficácia transcendente, sendo, por isso, dispensável a manifestação do Senado Federal.

Um outro argumento, igualmente relevante, diz respeito ao controle de constitucionalidade nas ações coletivas. Aqui, somente por força de uma compreensão ampliada ou do uso de uma figura de linguagem, pode-se falar em decisão com eficácia inter partes.

Como sustentar que uma decisão proferida numa ação coletiva, numa ação civil pública ou em um mandado de segurança coletivo, que declare a inconstitucionalidade de uma lei determinada, terá eficácia apenas entre as partes?

Nesses casos, a suspensão de execução da lei pelo Senado, tal como vinha sendo entendida até aqui, revela-se, para dizer o mínimo, completamente inútil, caso se entenda que ela tem uma outra função que não a de atribuir publicidade à decisão declaratória de ilegitimidade.

Recorde-se, a propósito, que o Supremo Tribunal Federal, em decisão unânime de 7 de abril de 2003, julgou prejudicada a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.919 (Relatora Min. Ellen Gracie), proposta contra o Provimento n. 556/97, editado pelo Conselho Superior da Magistratura Paulista. A referida resolução previa a destruição física dos autos transitados em julgado e arquivados há mais de cinco anos em primeira instância. A decisão pela prejudicialidade decorreu do fato de o Superior Tribunal de Justiça, em mandado de segurança coletivo[136], impetrado pela Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), ter declarado a nulidade daquele ato.

Em outros termos, o Supremo Tribunal Federal acabou por reconhecer eficácia erga omnes à declaração de ilegitimidade do ato normativo proferida em mandado de segurança pelo STJ. Quid juris, então, se a declaração de inconstitucionalidade for proferida pelo próprio Supremo Tribunal Federal em sede de ação civil pública?

Se a decisão proferida nesses processos tem eficácia erga omnes (Lei n. 7.347, de 24.7.1985 – art. 16), afigura-se difícil justificar a necessidade de comunicação ao Senado Federal. A propósito, convém recordar que, em alguns casos, há uma quase confusão entre o objeto da ação civil pública e o pedido de declaração de inconstitucionalidade. Nessa hipótese, não há como cogitar de uma típica decisão com eficácia inter partes.[137]

Ressalte-se, ainda, que as decisões do STF, com efeitos limitados, no julgamento do RE 197.971 (caso vereadores[138]) e no próprio caso da progressão de regime (HC 82.959[139]), são casos notórios a demonstrar que a Corte, ao prolatar referidas decisões, já lhes estava atribuindo efeito erga omnes.

No caso do RE 197.917, trata-se de caso típico de decisão que, se dotada de efeito retroativo, provocaria enorme instabilidade jurídica, colocando em xeque as decisões tomadas pela Câmara de Vereadores nos períodos anteriores, com conseqüências não de todo divisáveis no que concerne às leis aprovadas, às decisões de aprovação de contas e outras deliberações da Casa Legislativa.

Eis o teor da ementa do referido julgado:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL. LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES PROPORCIONAL À POPULAÇÃO. CF, ARTIGO 29, IV. APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDENTER TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL.

1. O artigo 29, inciso IV, da Constituição Federal, exige que o número de Vereadores seja proporcional à população dos Municípios, observados os limites mínimos e máximos fixados pelas alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’.

2. Deixar a critério do legislador municipal o estabelecimento da composição das Câmaras Municipais, com observância apenas dos limites máximos e mínimos do preceito (CF, artigo 29), é tornar sem sentido a previsão constitucional expressa da proporcionalidade.

3. Situação real e contemporânea em que Municípios menos populosos têm mais Vereadores do que outros com um número de habitantes várias vezes maior. Casos em que a falta de um parâmetro matemático rígido que delimite a ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao postulado da isonomia.

4. Princípio da razoabilidade. Restrição legislativa. A aprovação de norma municipal que estabelece a composição da Câmara de Vereadores sem observância da relação cogente de proporção com a respectiva população configura excesso do poder de legislar, não encontrando eco no sistema constitucional vigente.

5. Parâmetro aritmético que atende ao comando expresso na Constituição Federal, sem que a proporcionalidade reclamada traduza qualquer afronta aos demais princípios constitucionais e nem resulte formas estranhas e distantes da realidade dos Municípios brasileiros. Atendimento aos postulados da moralidade, impessoalidade e economicidade dos atos administrativos (CF, artigo 37).

6. Fronteiras da autonomia municipal impostas pela própria Carta da República, que admite a proporcionalidade da representação política em face do número de habitantes. Orientação que se confirma e se reitera segundo o modelo de composição da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativas (CF, artigos 27 e 45, § 1o).

7. Inconstitucionalidade, ‘incidenter tantum’, da lei local que fixou em 11 (onze) o número de Vereadores, dado que sua população de pouco mais de 2600 habitantes somente comporta 9 representantes.

8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade.

Recurso extraordinário conhecido e em parte.

Eis a transcrição do acórdão de julgamento do HC 82.959, já mencionado acima, que confere efeitos limitativos à decisão:

“Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria, em deferir o pedido de ‘habeas corpus’ e declarar, ‘incidenter tantum’, a inconstitucionalidade do § 1o do artigo 2o da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim, Presidente. O Tribunal, por votação unânime, explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, pois esta decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão.”

Essas colocações têm a virtude de demonstrar que a declaração de inconstitucionalidade in concreto também se mostra passível de limitação de efeitos. A base constitucional dessa limitação – necessidade de um outro princípio que justifique a não-aplicação do princípio da nulidade – parece sugerir que, se aplicável, a declaração de inconstitucionalidade restrita revela-se abrangente do modelo de controle de constitucionalidade como um todo.

É que, nesses casos, o afastamento do princípio da nulidade da lei assenta-se em fundamentos constitucionais e não em razões de conveniência. Se o sistema constitucional legitima a declaração de inconstitucionalidade restrita no controle abstrato, essa decisão poderá afetar, igualmente, os processos do modelo concreto ou incidental de normas. Do contrário, poder-se-ia ter inclusive um esvaziamento ou uma perda de significado da própria declaração de inconstitucionalidade restrita ou limitada.

Conclusão

Conforme destacado, a ampliação do sistema concentrado, com a multiplicação de decisões dotadas de eficácia geral, acabou por modificar radicalmente a concepção que dominava entre nós sobre a divisão de poderes, tornando comum no sistema a decisão com eficácia geral, que era excepcional sob a Emenda Constitucional n 16/65 e sob a Carta de 1967/69.

No sistema constitucional de 1967/69, a ação direta era apenas uma idiossincrasia no contexto de um amplo e dominante modelo difuso. A adoção da ADI, posteriormente, conferiu perfil diverso ao nosso sistema de controle de constitucionalidade, que continuou a ser um modelo misto. A ênfase passou a residir, porém, não mais no modelo difuso, mas nas ações diretas. O advento da Lei 9.882/99 conferiu conformação à ADPF, admitindo a impugnação ou a discussão direta de decisões judiciais das instâncias ordinárias perante o Supremo Tribunal Federal. Tal como estabelecido na referida lei (art. 10, § 3°), a decisão proferida nesse processo há de ser dotada de eficácia erga omnes e de efeito vinculante. Ora, resta evidente que a ADPF estabeleceu uma ponte entre os dois modelos de controle, atribuindo eficácia geral a decisões de perfil incidental.

Vê-se, assim, que a Constituição de 1988 modificou de forma ampla o sistema de controle de constitucionalidade, sendo inevitáveis as reinterpretações ou releituras dos institutos vinculados ao controle incidental de inconstitucionalidade, especialmente da exigência da maioria absoluta para declaração de inconstitucionalidade e da suspensão de execução da lei pelo Senado Federal.

O Supremo Tribunal Federal percebeu que não poderia deixar de atribuir significado jurídico à declaração de inconstitucionalidade proferida em sede de controle incidental, ficando o órgão fracionário de outras Cortes exonerado do dever de submeter a declaração de inconstitucionalidade ao plenário ou ao órgão especial, na forma do art. 97 da Constituição. Não há dúvida de que o Tribunal, nessa hipótese, acabou por reconhecer efeito jurídico transcendente à sua decisão. Embora na fundamentação desse entendimento fale-se em quebra da presunção de constitucionalidade, é certo que, em verdade, a orientação do Supremo acabou por conferir à sua decisão algo assemelhado a um efeito vinculante, independentemente da intervenção do Senado. Esse entendimento está hoje consagrado na própria legislação processual civil (CPC, art. 481, parágrafo único, parte final, na redação da Lei n. 9756, de 17.12.1998).

Essa é a orientação que parece presidir o entendimento que julga dispensável a aplicação do art. 97 da Constituição por parte dos Tribunais ordinários, se o Supremo já tiver declarado a inconstitucionalidade da lei, ainda que no modelo incidental. Na oportunidade, ressaltou o Relator para o acórdão, Ilmar Galvão, no já mencionado RE 190.728, que o novo entendimento estava “em perfeita consonância não apenas com o princípio da economia processual, mas também com o da segurança jurídica, merecendo, por isso, todo encômio, como procedimento que vem ao encontro da tão desejada racionalização orgânica da instituição judiciária brasileira, ressaltando que se cuidava “de norma que não deve ser aplicada com rigor literal, mas, ao revés, tendo-se em mira a finalidade objetivada, o que permite a elasticidade do seu ajustamento às variações da realidade circunstancial”.[140]

E ela também demonstra que, por razões de ordem pragmática, a jurisprudência e a legislação têm consolidado fórmulas que retiram do instituto da “suspensão da execução da lei pelo Senado Federal” significado substancial ou de especial atribuição de efeitos gerais à decisão proferida no caso concreto.

Como se vê, as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, acabam por ter eficácia que transcende o âmbito da decisão, o que indica que a própria Corte vem fazendo uma releitura do texto constante do art. 52, X, da Constituição de 1988, que, como já observado, reproduz disposição estabelecida, inicialmente, na Constituição de 1934 (art 91, IV) e repetida nos textos de 1946 (art. 64) e de 1967/69 (art. 42, VIII).

Portanto, é outro o contexto normativo que se coloca para a suspensão da execução pelo Senado Federal no âmbito da Constituição de 1988.

Ao se entender que a eficácia ampliada da decisão está ligada ao papel especial da jurisdição constitucional, e, especialmente, se considerarmos que o texto constitucional de 1988 alterou substancialmente o papel desta Corte, que passou a ter uma função preeminente na guarda da Constituição a partir do controle direto exercido na ADI, na ADC e na ADPF, não há como deixar de reconhecer a necessidade de uma nova compreensão do tema.

A aceitação das ações coletivas como instrumento de controle de constitucionalidade relativiza enormemente a diferença entre os processos de índole objetiva e os processos de caráter estritamente subjetivo. É que a decisão proferida na ação civil pública, no mandado de segurança coletivo e em outras ações de caráter coletivo não mais poderá ser considerada uma decisão inter partes.

De qualquer sorte, a natureza idêntica do controle de constitucionalidade, quanto às suas finalidades e aos procedimentos comuns dominantes para os modelos difuso e concentrado, não mais parece legitimar a distinção quanto aos efeitos das decisões proferidas no controle direto e no controle incidental.

Somente essa nova compreensão parece apta a explicar o fato de o Tribunal ter passado a reconhecer efeitos gerais à decisão proferida em sede de controle incidental, independentemente da intervenção do Senado. O mesmo há de se dizer das várias decisões legislativas que reconhecem efeito transcendente às decisões do STF tomadas em sede de controle difuso.

Esse conjunto de decisões judiciais e legislativas revela, em verdade, uma nova compreensão do texto constitucional no âmbito da Constituição de 1988.

É possível, sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico e, por conseguinte, da nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição de 1988. Valendo-nos dos subsídios da doutrina constitucional a propósito da mutação constitucional, poder-se-ia cogitar aqui de uma autêntica reforma da Constituição sem expressa modificação do texto.[141]

Em verdade, a aplicação que o Supremo Tribunal Federal vem conferindo ao disposto no art. 52, X, da CF indica que o referido instituto mereceu uma significativa reinterpretação a partir da Constituição de 1988.

É possível que a configuração emprestada ao controle abstrato pela nova Constituição, com ênfase no modelo abstrato, tenha sido decisiva para a mudança verificada, uma vez que as decisões com eficácia erga omnes passaram a se generalizar.

A multiplicação de processos idênticos no sistema difuso – notória após 1988 – deve ter contribuído, igualmente, para que a Corte percebesse a necessidade de atualização do aludido instituto. Nesse contexto, assume relevo a decisão que afirmou a dispensabilidade de se submeter a questão constitucional ao Plenário de qualquer Tribunal se o Supremo Tribunal já se tiver manifestado pela inconstitucionalidade do diploma. Tal como observado, essa decisão acaba por conferir uma eficácia mais ampla – talvez até mesmo um certo efeito vinculante – à decisão do Plenário do Supremo Tribunal no controle incidental. Essa orientação está devidamente incorporada ao direito positivo (CPC, art. 481, parágrafo único, parte final, na redação da Lei n. 9756, de 1998). No mesmo contexto situa-se a decisão que outorgou ao relator a possibilidade de decidir, monocraticamente, os recursos extraordinários vinculados às questões já resolvidas pelo Plenário do Tribunal (CPC, art. 557, § 1o A).

De fato, é difícil admitir que a decisão proferida em ADI ou ADC e na ADPF possa ser dotada de eficácia geral e a decisão proferida no âmbito do controle incidental – esta muito mais morosa porque em geral tomada após tramitação da questão por todas as instâncias – continue a ter eficácia restrita entre as partes.

Explica-se, assim, o desenvolvimento da nova orientação a propósito da decisão do Senado Federal no processo de controle de constitucionalidade, no contexto normativo da Constituição de 1988.

A prática dos últimos anos, especialmente após o advento da Constituição de 1988, parece dar razão, pelo menos agora, a Lúcio Bittencourt, para quem a finalidade da decisão do Senado era, desde sempre, “apenas tornar pública a decisão do tribunal, levando-a ao conhecimento de todos os cidadãos”.[142]

Sem adentrar o debate sobre a correção desse entendimento no passado, não parece haver dúvida de que todas as construções que se vêm fazendo em torno do efeito transcendente das decisões pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Congresso Nacional, com o apoio, em muitos casos, da jurisprudência da Corte[143], estão a indicar a necessidade de revisão da orientação dominante antes do advento da Constituição de 1988.

Assim, parece legítimo entender que, hodiernamente, a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado Federal há de ter simples efeito de publicidade. Desta forma, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar à conclusão, de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado Federal para que este publique a decisão no Diário do Congresso. Tal como assente, não é (mais) a decisão do Senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte contém essa força normativa. Parece evidente ser essa a orientação implícita nas diversas decisões judiciais e legislativas acima referidas. Assim, o Senado não terá a faculdade de publicar ou não a decisão, uma vez que não se cuida de uma decisão substantiva, mas de simples dever de publicação, tal como reconhecido a outros órgãos políticos em alguns sistemas constitucionais (Constituição austríaca, art. 140,5 – publicação a cargo do Chanceler Federal, e Lei Orgânica da Corte Constitucional Alemã, art.31, (2), publicação a cargo do Ministro da Justiça). Tais decisões proferidas em processo de controle de normas são publicadas no Diário Oficial e têm força de lei (Gesetzeskraft) [Lei do Bundesverfassungsgericht, § 31, (2)]. Segundo Klaus Vogel, o § 31, II, da Lei Orgânica da Corte Constitucional alemã faz com que a força de lei alcance também as decisões confirmatórias de constitucionalidade. Essa ampliação somente se aplicaria, porém, ao dever de publicação, porque a lei não pode conferir efeito que a Constituição não prevê[144].

Portanto, a não-publicação, pelo Senado Federal, de Resolução que, nos termos do art. 52, X da Constituição, suspenderia a execução da lei declarada inscontitucional pelo STF, não terá o condão de impedir que a decisão do Supremo assuma a sua real eficácia jurídica.

Esta solução resolve de forma superior uma das tormentosas questões da nossa jurisdição constitucional. Superam-se, assim, também, as incongruências cada vez mais marcantes entre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e a orientação dominante na legislação processual, de um lado, e, de outro, a visão doutrinária ortodoxa e – permita-nos dizer – ultrapassada do disposto no art. 52, X, da Constituição de 1988.

Ressalte-se ainda o fato de a adoção da súmula vinculante ter reforçado a idéia de superação do referido art. 52, X, da CF na medida em que permite aferir a inconstitucionalidade de determinada orientação pelo próprio Tribunal, sem qualquer interferência do Senado Federal.

Por último, observe-se que a adoção da técnica da declaração de inconstitucionalidade com limitação de efeitos[145] parece sinalizar que o Tribunal entende estar desvinculado de qualquer ato do Senado Federal, cabendo tão-somente a ele – Tribunal – definir os efeitos da decisão.

No caso em apreço, concedi medida liminar em habeas corpus de ofício, em decisão de 21.8.2006, para que, mantido o regime fechado de cumprimento de pena por crime hediondo, fosse afastada a vedação legal de progressão de regime, nos seguintes termos, na parte em que interessa:

A possibilidade de progressão de regime em crimes hediondos foi decidida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento HC 82.959-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, (acórdão pendente de publicação). Nessa assentada, ocorrida na sessão de 23.2.2006, esta Corte, por seis votos a cinco, reconheceu a inconstitucionalidade do § 1o do artigo 2o da Lei n. 8.072/1990 (“Lei dos Crimes Hediondos”), que proibia a progressão de regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos.

(…)

Segundo salientei na decisão que deferiu a medida liminar, o modelo adotado na Lei n. 8.072/1990 faz tábula rasa do direito à individualização no que concerne aos chamados crimes hediondos. Em outras palavras, o dispositivo declarado inconstitucional pelo Plenário no julgamento definitivo do HC 82.959/SP não permite que se levem em conta as particularidades de cada indivíduo, a capacidade de reintegração social do condenado e os esforços envidados com vistas à ressocialização.

Em síntese, o § 1o do art. 2o da Lei n. 8.072/1990 retira qualquer possibilidade de garantia do caráter substancial da individualização da pena. Parece inequívoco, ademais, que essa vedação à progressão não passa pelo juízo de proporcionalidade.

Entretanto, apenas para que se tenha a dimensão das reais repercussões que o julgamento do HC 82.959-SP conferiu ao tema da progressão, é válido transcrever as seguintes considerações do Min. Celso de Mello, proferidas em sede de medida liminar, no HC 88.231/SP, DJ de 20.3.2006, ‘verbis’:

"Como se sabe, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 82.959/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, declarou, ‘incidenter tantum’, a inconstitucionalidade do § 1o do art. 2o da Lei 8.072, de 25.7.1990, afastando, em conseqüência, para efeito de progressão de regime, o obstáculo representado pela norma legal em referência.

Impende assinalar, no entanto, que esta Suprema Corte, nesse mesmo julgamento plenário, explicitou que a declaração incidental em questão não se reveste de efeitos jurídicos, inclusive de natureza civil, quando se tratar de penas já extintas, advertindo, ainda, que a proclamação de inconstitucionalidade em causa – embora afastando a restrição fundada no § 1° do art. 2° da Lei n. 8.072/90 não afeta nem impede o exercício, pelo magistrado de primeira instância, da competência que lhe é inerente em sede de execução penal (LEP, art. 66, III, ‘b’), a significar, portanto, que caberá ao próprio Juízo da Execução avaliar, criteriosamente, caso a caso, o preenchimento dos demais requisitos necessários ao ingresso, ou não, do sentenciado em regime penal menos gravoso.

Na realidade, o Supremo Tribunal Federal, ao assim proceder, e tendo presente o que dispõe o art. 66, III, ‘b’, da LEP, nada mais fez senão respeitar a competência do magistrado de primeiro grau para examinar os requisitos autorizadores da progressão, eis que não assiste a esta Suprema Corte, mediante atuação ‘per saltum’ – o que representaria inadmissível substituição do Juízo da Execução -, o poder de antecipar provimento jurisdicional que consubstancie, desde logo, a outorga, ao sentenciado, do benefício legal em referência.

Tal observação põe em relevo orientação jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou em torno da inadequação do processo de ‘habeas corpus’, quando utilizado com o objetivo de provocar, na via sumaríssima do remédio constitucional, o exame dos critérios de índole subjetiva subjacentes à determinação do regime prisional inicial ou condicionadores da progressão para regime penal mais favorável (RTJ 119/668 RTJ 125/578 RTJ 158/866 RT 721/550, v.g.).

Não constitui demasia assinalar, neste ponto, não obstante o advento da Lei n. 10.792/2003 – que alterou o art. 112 da LEP, para dele excluir a referência ao exame criminológico -, que nada impede que os magistrados determinem a realização de mencionado exame, quando o entenderem necessário, consideradas as eventuais peculiaridades do caso, desde que o façam, contudo, mediante decisão adequadamente motivada, tal como tem sido expressamente reconhecido pelo E. Superior Tribunal de Justiça (HC 38.719/SP, Rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA – HC 39.364/PR, Rel. Min. LAURITA VAZ HC 40.278/PR, Rel. Min. FELIX FISCHER HC 42.513/PR, Rel. Min. LAURITA VAZ) e, também, dentre outros, pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (RT 832/676 RT 837/568):

‘(…). II – A nova redação do art. 112 da LEP, conferida pela Lei 10.792/03, deixou de exigir a realização dos exames periciais, anteriormente imprescindíveis, não importando, no entanto, em qualquer vedação à sua utilização, sempre que o juiz julgar necessária.

III Não qualquer ilegalidade nas decisões que requisitaria a produção dos laudos técnicos para a comprovação dos requisitos subjetivos necessários à concessão da progressão de regime prisional ao apenado.

(…).’

(HC 37.440/RS, Rel. Min. GILSON DIPP grifei)

A lei 10.792/2003 (que deu nova redação ao art. 112 da Lei de Execução Penal) não revogou o Código Penal; destarte, nos casos de pedido de benefício em que seja mister aferir mérito, poderá o juiz determinar a realização de exame criminológico no sentenciado, se autor de crime doloso cometido mediante violência ou grave ameaça, pela presunção de perículosidade (art. 83, parágrafo úníco, do CP).’

(RT 836/535, Rel. Des. CARLOS BIASOTTI grifei)

A razão desse entendimento apóia-se na circunstância de que, embora não mais indispensável, o exame criminológico cuja realização está sujeita à avaliação discricionária do magistrado competente reveste-se de utilidade inquestionável, pois propicia ‘ao juiz, com base em parecer técnico, uma decisão mais consciente a respeito do benefício a ser concedido ao condenado’ (RT 613/278).

As considerações ora referidas, tornadas indispensáveis em conseqüência do julgamento plenário do HC 82.959/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, evidenciam a impossibilidade de se garantir, notadamente em sede cautelar, o ingresso imediato do ora sentenciado em regime penal mais favorável.

Cabe registrar, neste ponto, que o entendimento que venho de expor encontra apoio em recentíssimo julgamento da colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, que, ao apreciar o RHC 86.951/RJ, Rel. Min. ELLEN GRACIE, deixou assentado que, em tema de progressão de regime nos crimes hediondos (ou nos delitos a estes equiparados), cabe ao magistrado de primeira instância proceder ao exame dos demais requisitos, inclusive aqueles de ordem subjetiva, para decidir, então, sobre a possibilidade, ou não, de o condenado vir a ser beneficiado com a progressão do regime de cumprimento de pena." (HC 88.231/SP, Rel. Min. Celso de Mello, decisão liminar, DJ de 20.3.2006)

Em conclusão, a decisão do Plenário buscou tão-somente conferir máxima efetividade ao princípio da individualização das penas (CF, art. 5o, LXVI) e ao dever constitucional-jurisdicional de fundamentação das decisões judiciais (CF, art. 93, IX).

Em sessão do dia 7.3.2006, a 1ª Turma, ao apreciar a Questão de Ordem no HC 86.224/DF, Rel. Min. Carlos Britto, admitiu a possibilidade de julgamento monocrático de todos os ‘habeas corpus’ que versem exclusivamente sobre o tema da progressão de regime em crimes hediondos.

Em idêntico sentido, a 2a Turma, ao apreciar a Questão de Ordem no HC 85.677/SP, de minha relatoria, em sessão do dia 21.3.2006, reconheceu também a possibilidade de julgamento monocrático de todos os ‘habeas corpus’ que se encontrem na mesma situação específica.

Tendo em vista que a situação em análise envolve direito de ir e vir, vislumbro, na espécie, o atendimento dos requisitos do art. 647 do CPP, que autorizam a concessão de ‘habeas corpus’ de ofício, “sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir (…).”

Nesses termos, concedo medida liminar, de ofício, para que, mantido o regime fechado de cumprimento de pena por crime hediondo, seja afastada a vedação legal de progressão de regime, até o julgamento final desta reclamação.

(…).”(fl.33-44).

Com efeito, verifica-se que a recusa do Juiz de Direito da Vara de Execuções da Comarca de Rio Branco, no Estado do Acre, em conceder o benefício da progressão de regime, nos casos de crimes hediondos, desrespeita a eficácia erga omnes que deve ser atribuída à decisão deste Supremo Tribunal Federal, no HC 82.959, que declarou a inconstitucionalidade do artigo 2o, § 1o, da Lei n. 8.072/1990.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a presente reclamação, para cassar decisões proferidas pelo Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco, no Estado do Acre, que negaram a possibilidade de progressão de regime relativamente a cada um dos interessados acima mencionados.

Nesta extensão da procedência da reclamação, caberá ao juízo reclamado proferir nova decisão para avaliar se, no caso concreto, os interessados (pacientes) atendem ou não os requisitos para gozar do referido benefício, podendo determinar, para esse fim, e desde que de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.


[1] GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, Berlim/Nova York, 1995, p 599 (p. 606).

[2] Cf. GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit. p 599 (613).

[3] Cf. GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit. p. 636.

[4] A rigor, tal como anota Walter Costa Porto em palestra recente perante o IX Congresso Brasiliense de Direito Constitucional (1011.2006), o sistema adotado em 1932 era ainda um sistema misto, pois ele acabava por contemplar a eleição, em segundo turno, dos mais votados que não alcançaram o quociente eleitoral. Somente em 1935 foi adotado um modelo puramente proporcional.

[5] MAINWARING, Scott. Políticos, Partidos e Sistemas Eleitorais. In: Estudos Eleitorais, TSE n. 2, maio/ago. 1997, p. 335 (343).

[6] Cf. TAVARES, Giusti José Antonio. Sistemas Eleitorais nas Democracias Contemporâneas. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p. 126-127.

[7] Cf .Costa Porto, Walter, Sistema Eleitoral Brasileiro, Palestra proferida no IX Congresso Brasiliense de Direito Constitucional, Brasília 10.11.2006, p. 8-9; Cf. também Costa Porto, Walter, Essa mentirosa urna, 2004, p. 163 s.

[8] Cf TEIXEIRA, J. H. Meirelles. Curso de Direito Constitucional, cit. p. 525.

[9] Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 376.

[10] . COSTA PORTO, Essa mentirosa urna, cit., p. 157.

[11] Cf. Recurso Especial- TSE no 9.277, Relator Vilas Boas, DJ 23. 4.1991.; Cf sobre o assunto também Costa Porto, Walter, Essa mentirosa urna, São Paulo, 2004, p. 171-173.

[12]. RE 140.386, Relator Carlos Velloso, DJ 20.4.2001.

[13] Cf. Estudos de Xavier de Albuquerque, Leitão de Abreu, Paulo Bonavides e Tito Costa. In: Estudos Eleitorais, TSE n. 2, maio/ago. 1997, p. 79-137.

[14] Mandado de Segurança TSE 3.109 – ES, Relator: Sálvio de Figueiredo; Cf também Costa Porto, Essa mentirosa urna, cit., p. 178-181.

[15] MAINWARING, Scott. Políticos, Partidos e Sistemas Eleitorais, in: Estudos Eleitorais, TSE 2, maio/ago 1997, p. 335 (337).

[16] Talvez o modelo mais conhecido e difundido de financiamento público dos partidos seja aquele instituído pela legislação alemã. Inicialmente, consagrou-se apenas a possibilidade de uma compensação aos partidos pelos gastos de campanha eleitoral consistente no pagamento de uma quantia por voto obtido, desde que o partido lograsse um percentual não inferior a 0,5 % dos votos válidos para as eleições parlamentares federais. Esse piso é considerado compatível com a Constituição e afigura-se importante para evitar abusos. A fixação de um percentual mais elevado, porém, poderia impedir o natural desenvolvimento do processo político e sua renovação. Daí ter a Corte Constitucional alemã declarado, inicialmente, a inconstitucionalidade de lei que fixava em 5 % o percentual de votos para que o partido pudesse gozar do benefício referido. A jurisprudência constitucional avançou, posteriormente, para admitir o financiamento estatal diretamente ao partido (BVerfGE 85, 264). Quanto ao benefício fiscal para doações privadas, admite-se até o limite 6600 Euros. Tal benefício aplica-se, porém, apenas às pessoas físicas (DEGENHART, Christoph. Staatsrecht I. 21. ed. Heidelberg: Muller, 2005, p. 36).

[17] Cf. GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit. p 599 (626).

[18] GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit. p. 599 (626).

[19] GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit. p. 599 (627).

[20] HELLER, Herman. Europa und der Faschismus. Berlin/Leipzig, 1929, p. 95 e s.

[21] HELLER, Herman. Europa und der Faschismus, cit. p. 9.

[22] SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad. Trad. esp. Madri: Aguilar, 1971, p. 43-44.

[23] SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit. p. 44.

[24] SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit. p. 44.

[25] SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit. p. 46.

[26] SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit. p. 46.

[27] SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit. p .47.

[28] SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit. p .47.

[29] FORSTHOFF, Ernst. Die politischen Parteien im Verfassungsrecht. Tübingen, 1950, p. 6 e 12.

[30] LEIBHOLZ, Gerhard. Verfassungsrechtliche Stellung und innere Ordnung der Parteien. DJT, p. C. 2.

[31] BATTIS, Ulrich. Einführung in das Öffentliche Recht. Fernuniversität Hagen, 1981, un. 2, p. 22-23.

[32] TSATSOS, Dimitris Th.; MORLOK, Martin. Die Parteien in der politischen Ordnung. Fernuniversität Hagen, un. 3, p. 23; TSATSOS, MOHR, MORLOK e WENZEL. Deutsches Staatsrecht, Fernuniversität Hagen, 1981, un, 2, p. 42; BATTIS, Ulrich. Einführung in das Öffentliche Recht, cit. p. 22-23.

[33] BVerfGE 14, 121; LIPPHARDT, op. cit. p. 691-692 e s.

[34]. LIPPHARDT op. cit., p. 442.

[35] LIPPHARDT. op. cit., p. 699.

[36] LIPPHARDT. op. cit., p. 700; TSATSOS, Dimitris Th.; MORLOK, Martin. Die Parteien in der politischen Ordnung, cit. p. 30-31.

[37] SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit. p. 49.

[38] SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit. p. 49.

[39] TSATSOS, Dimitris Th.; MORLOK, Martin. Die Parteien in der politischen Ordnung, cit. p. 30.

[40] HESSE, Konrad. Grundzüge des Verfassungsrechts in der Bundesrepublik Deutschland. Heidelberg, 1982, p. 69.

[41] LIPPHARDT. op. cit., p. 700.

[42] BVerfGE 24, 344; LIPPHARDT. op. cit., p. 446.

[43] LIPPHARDT. op. cit., p. 446; TSATSOS, Dimitris Th.; MORLOK, Martin. Die Parteien in der politischen Ordnung, cit. p. 25.

[44] LIPPHARDT. op. cit., p. 700-701 e 438-439; TSATSOS, Deutsches Staatsrecht, op. cit., p. 43; BATTIS. op. cit., p. 22-25.

[45] BATTIS, Ulrich. Einführung in das Öffentliche Recht, cit. p. 21-22; cf. tb. BVerfGE, 24, 300.

[46] LIPPHARDT, op. cit., p. 438-439.

[47] LIPPHARDT, op. cit., p. 438-439.

[48] Cf GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit. p. 346-347.

[49] TSATSOS, Dimitris Th.; MORLOK, Martin. Die Parteien in der politischen Ordnung, cit. p. 32.

[50] BVerfGE 8/51; Vide, TSATSOS. Deutsches Staatsrecht. op. cit., p. 49; LIPPHARDT. op. cit., p. 258-264.

[51] BVerfGE, 20, 56 ff — 19.07.1966 — TSATSOS, Deutsches Staatsrecht. op. cit., p. 49-50; BATTIS, Ulrich. Einführung in das Öffentliche Recht, cit. p. 27-28.

[52] BVerfGE, 20, 56.

[53] Cf. BATTIS, Ulrich. Einführung in das Öffentliche Recht, cit. p. 29-30.

[54] GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit. p. 344-345.

[55] LIPPHARDT, op. cit., p. 92-93; GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit. p. 344; TSATSOS, Dimitris Th.; MORLOK, Martin. Die Parteien in der politischen Ordnung, cit. p. 22.

[56] FAGUNDES , Miguel Seabra. O princípio constitucional de igualdade perante a lei e o Poder Legislativo. RF 161/78; cf. também, CAMPOS, Francisco. Parecer. RDA 72/403.

[57] CAMPOS, Francisco. Parecer, de 19 de maio de 1947. RF 116/396.

[58] CAMPOS, Francisco. Parecer, de 19 de maio de 1947. RF 116/397.

[59] CAMPOS, Francisco. Parecer, de 19 de maio de 1947. RF 116/398.

[60] LARENZ, Karl. Richtiges Recht. München: C. H. Beck, 1979, p. 126-127.

[61] GRIMM, Dieter. Politische Parteien. In: BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen (Hrsg). Handbuch des Verfassungsrechts. Band 1, cit. p. 344; cf. também, SCHMITT, Carl. Legalidad y Legitimidad, cit. p. 49.

[62] CAMPOS, Francisco. Parecer, de 19 de maio de 1947. RF 116/398.

[63] Ver, a propósito, LEIBHOLZ, Gerhard. Verfassungstaat-Verfassungsrecht. Stuttgart, 1973, p. 81; DENNINGER, Erhard. Staatsrecht. Hamburg, 1973, p. 71-74.

[64] REZEK, Francisco. Organização Política do Brasil — Estudos de Problemas Brasileiros (texto de aula). Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981, p. 34.

[65] TSE-Acórdão 8.444, de 4.11.1986, Relator Aldir Passarinho. MENDES, Gilmar Ferreira. Propaganda Eleitoral. Horário Gratuito. Distribuição Eqüitativa. Revista de Direito Público, v. 20, n. 82, p. 100-110, abr./jun. 1987.

[66] MS-TSE no 754, Relator Roberto Rosas, DJ 11.4.1990; MS-TSE no 746, Relator Roberto Rosas, DJ 11. 4.1990; RMS no 785, Relator Aldir Passarinho, DJ 2.10.1987.

[67] O art. 3o da Lei no 9.096/95 diz que “é assegurada, ao partido político, autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento”. O art. 14 da mesma lei diz que “o partido é livre para fixar, em seu programa, seus objetivos políticos e para estabelecer, em seu estatuto, a sua estrutura interna, organização e funcionamento.”

[68] MS 20.297, Relator Moreira Alves, julgado em 18.12.1981. Acórdão-TSE no 11.075, Relator Célio de Oliveira Borja, DJ 15.5.1990).

[69] Rp. 948, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ, 82:55-6; Rp. 1.100, RTJ, 115:993 e s.

[70] Cf., a propósito, Rp. 1.454, Rel. Min. Octavio Gallotti, RTJ, 125:997.

[71] Cf., a propósito, Rp. 1.389, Rel. Min. Oscar Corrêa, RTJ, 126:514; Rp. 1.454, Rel. Min. Octavio Gallotti, RTJ, 125:997; Rp. 1.399, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJ, 9 set. 1988.

[72] Bittencourt, O controle jurisdicional, cit., p. 95.

[73] ADIn 2405-RS, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 17.02.2006; ADIn 1344-ES, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 19.04.2006; RP 1417-DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 15.04.1988; ADIn 3046-SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 28.05.2004.

[74] Rp. 1.454, Rel. Min. Octavio Gallotti, RTJ, 125:997; Rp. 1.389, Rel. Min. Oscar Corrêa, RTJ, 126:514; Rp. 1.399, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJ, 9 set. 1988.

[75] MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade. Os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa: Universidade Católica Editora, 1999, p. 301.

[76] Cf. MARTÍN DE LA VEGA, Augusto. La sentencia constitucional en Italia. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales; 2003.

[77] CAMAZANO, Joaquín Brage. Interpretación constitucional, declaraciones de inconstitucionalidad y arsenal sentenciador (un sucinto inventario de algunas sentencias “atípicas”). en Eduardo Ferrer Macgregor (ed.), La interpretación constitucional, Porrúa, México, 2005, en prensa.

[78] RE 197.917/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 7.5.2004.

[79] ADIn 2405 -RS, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 17.02.2006; ADIn 1344 -ES, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 19.04.1996; RP 1417 -DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 15.04.1988.

[80] ADI 3324, ADI 3046, ADI 2652, ADI 1946, ADI 2209, ADI 2596, ADI 2332, ADI 2084, ADI 1797, ADI 2087, ADI 1668, ADI 1344, ADI 2405, ADI 1105, ADI 1127.

[81] ADIn 1105-DF e ADIn 1127 -DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski.

[82] ADI 3324, ADI 3046, ADI 2652, ADI 1946, ADI 2209, ADI 2596, ADI 2332, ADI 2084, ADI 1797, ADI 2087, ADI 1668, ADI 1344, ADI 2405, ADI 1105, ADI 1127.

[83] Sobre a difusa terminologia utilizada, vide: MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça Constitucional. Tomo II. O contencioso constitucional português entre o modelo misto e a tentação do sistema de reenvio. Coimbra: Coimbra Editora; 2005, p. 238 e ss. MARTÍN DE LA VEGA, Augusto. La sentencia constitucional en Italia. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales; 2003. DÍAZ REVORIO, Francisco Javier. Las sentencias interpretativas del Tribunal Constitucional. Valladolid: Lex Nova; 2001. LÓPEZ BOFILL , Héctor. Decisiones interpretativas en el control de constitucionalidad de la ley. Valencia: Tirant lo Blanch; 2004.

[84] Segundo Blanco de Morais, “às clássicas funções de valoração (declaração do valor negativo do acto inconstitucional), pacificação (força de caso julgado da decisão de inconstitucionalidade) e ordenação (força erga omnes da decisão de inconstitucionalidade) juntar-se-ia, também, a função de reparação, ou de restauração corretiva da ordem jurídica afectada pela decisão de inconstitucionalidade”. MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça Constitucional. Tomo II. O contencioso constitucional português entre o modelo misto e a tentação do sistema de reenvio. Coimbra: Coimbra Editora; 2005, p. 262-263.

[85] Rcl-AgR 1.880, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 19.3.2004.

[86] ARAÚJO, Castro. A nova Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1935, p. 247; Cf. ainda ALENCAR, Ana Valderez Ayres Neves de. A competência do Senado Federal para suspender a execução dos atos declarados inconstitucionais. Revista de Informação Legislativa, 15(57): 234-7 jan.mar. 1978.

[87] BITTENCOURT, C. A. Lúcio. O controle jurisdicional de constitucionalidade das leis. Série “Arquivos do Ministério da Justiça”. Brasília: Ministério da Justiça,1997, p. 145.

[88] BROSSARD, Paulo. O Senado e as leis inconstitucionais. Revista de Informação Legislativa, 13(50): 61; cf. MARINHO, Josaphat. O art. 64 da Constituição e o papel do Senado. Revista de Informação Legislativa, 1(2); BUZAID, Alfredo. Da ação direta de constitucionalidade no Direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1958, p. 89-90; CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Do controle de constitucionalidade. Rio de Janeiro: Forense, 1966, p. 162-6; MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. A Teoria das Constituições Rígidas. 2. ed. São Paulo: J. Bushasky Editor, 1980, p. 210; BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 2002, p. 84.

[89] MS 16.512, Rel. Min. Oswaldo Trigueiro, RTJ 38, n. 1, p. 20, 21, 23 e 28.

[90] CAVALCANTI. Do controle da constitucionalidade, cit. p. 164.

[91] MELLO. A Teoria das Constituições Rígidas, cit. p. 211.

[92] MELLO. A Teoria das Constituições Rígidas, cit. p. 211.

[93] BARBOSA, Ruy. Os atos inconstitucionais do Congresso e do Executivo perante a Justiça Federal. In: Trabalhos jurídicos. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1958, v. 20, t. 5, p. 49, e O direito do Amazonas ao Acre Septentrional. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 1910, v. 2, p. 51-2; NUNES, José de Castro. Teoria e prática do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1943, p. 588; BUZAID, Alfredo. Da ação direta no Direito brasileiro, cit. p. 128; CAMPOS, Francisco Luiz da Silva. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, v. 1, p. 460-1.

[94] A Constituição de 1937 não contemplou o instituto da suspensão da execução pelo Senado Federal.

[95] ALENCAR. A competência do Senado Federal para suspender a execução dos atos declarados inconstitucionais, cit. p. 247.

[96] ALENCAR. A competência do Senado Federal para suspender a execução dos atos declarados inconstitucionais, cit. p. 260.

[97] ALENCAR. A competência do Senado Federal para suspender a execução dos atos declarados inconstitucionais, cit. p. 267-8.

[98] ALENCAR. A competência do Senado Federal para suspender a execução dos atos declarados inconstitucionais, cit. p. 268.

[99] BRASIL. Congresso, Senado Federal. Parecer n. 154, de 1971, Rel. Senador Accioly Filho, Revista de Informação Legislativa, 12(48):266-8.

[100] BRASIL. Congresso, Senado Federal. Parecer n. 154, de 1971, cit. p. 268.

[101] RMS 17.976, Rel. Min. Amaral Santos, RDA, 105:111(113). Evidentemente, esta eficácia ampla há de ser entendida com temperamentos. A pronúncia de inconstitucionalidade não retira do mundo jurídico, automaticamente, os atos praticados com base na lei inconstitucional, criando apenas as condições para eventual desfazimento ou regulação dessas situações. Tanto a coisa julgada quanto outras fórmulas de preclusão podem tornar irreversíveis as decisões ou atos fundados na lei censurada. Assim, operada a decadência ou a prescrição, ou decorrido in albis o prazo para a propositura da ação rescisória, não há mais que se cogitar da revisão do ato viciado. Alguns sistemas jurídicos, como o alemão, reconhecem a subsistência dos atos e decisões praticados com base na lei declarada inconstitucional, desde que tais atos já não se afigurem suscetíveis de impugnação. A execução desses atos é, todavia, inadmissível. Exclui-se, igualmente, qualquer pretensão de enriquecimento sem causa. Admite-se, porém, a revisão, a qualquer tempo, de sentença penal condenatória baseada em lei declarada inconstitucional (Lei do Bundesverfassungsgericht, § 79). A limitação da retroatividade expressa, nesses casos, a tentativa de compatibilizar princípios de segurança jurídica e critérios de justiça. Acentue-se que tais limitações ressaltam, outrossim, a necessária autonomia jurídica desses atos.

[102] MS 16.512, Rel. Min. Oswaldo Trigueiro, DJ de 25.5.1966.

[103] RTJ 38, N. 1, P.8-9.

[104] Voto do Ministro Victor Nunes Leal, MS 16.512, RTJ 38, n.1, p. 23.

[105] Nesse sentido, v. votos proferidos pelos Ministros Gonçalves de Oliveira e Cândido Motta Filho, RTJ 38, n. 1, p. 26.

[106] Voto do Ministro Victor Nunes Leal, MS 16.512, RTJ, 38, n. 1, p. 23.

[107] Voto do Ministro Pedro Chaves, MS 16.512, RTJ, 38, n. 1, p. 12.

[108] Voto do Ministro Prado Kelly, MS 16.512, RTJ 38, n. 1, p. 16.

[109] BRASIL. Constituição (1946): Emendas. Emendas à Constituição de 1946, n. 16: reforma do Poder Judiciário. Brasília: Câmara dos Deputados, 1968, p. 24.

[110] BRASIL. Constituição (1946), cit. p. 88-90.

[111] Cf. Parecer do Min. Rodrigues Alckmin, de 19.6.1975, DJ de 16.5.1977, p. 3124; Cf. também, ALENCAR. A competência do Senado Federal para suspender a execução dos atos inconstitucionais, cit. p. 260 (292-293).

[112] Cf. Parecer do Min. Moreira Alves no Processo Administrativo 4.477-72, DJ de 16.5.1977, p.3123.

[113] Cf. Parecer do Min. Moreira Alves no Processo Administrativo 4.477-72, cit. p.3123-3124.

[114] Cf. RE 197.917 (ação civil pública contra lei municipal que fixa o número de vereadores), Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 31.3.2004.

[115] RE 190.728, Relator para o Acórdão Min. Ilmar Galvão, DJ de 30.5.1997.

[116] RE 190.728, cit. DJ de 30.5.1997.

[117] AI-AgR 168.149, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 4.8.1995, p. 22520.

[118] Ag.RegAI no 167.444, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 15.9.1995, p. 29537.

[119] RE 191.898, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 22.8.1997, p. 38781.

[120] ANSCHÜTZ, Gerhard. Die Verfassung des deutschen Reichs. 2.ed. Berlim, 1930.

[121] RTJ 159, p. 389-90.

[122] BITTENCOURT. O controle jurisdicional de constitucionalidade das leis, cit. p. 140-1 .

[123] A doutrina constitucional alemã há muito vinha desenvolvendo esforços para ampliar os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada no âmbito da jurisdição estatal (Staatsgerichtsbarkeit). Importantes autores sustentaram, sob o império da Constituição de Weimar, que a força de lei não se limitava à questão julgada, contendo, igualmente, uma proibição de reiteração (Wiederholungsverbot) e uma imposição para que normas de teor idêntico, que não foram objeto da decisão judicial, também deixassem de ser aplicadas por força da eficácia geral. Essa concepção refletia, certamente, a idéia dominante à época de que a decisão proferida pela Corte teria não as qualidades de lei (Gesetzeseigenschaften), mas, efetivamente, a força de lei (Gesetzeskraft). Afirmava-se inclusive que o Tribunal assumia, nesse caso, as atribuições do Parlamento ou, ainda, que se cuidava de uma interpretação autêntica, tarefa típica do legislador. Em se tratando de interpretação autêntica da Constituição, não se cuidaria de simples legislação ordinária, mas, propriamente, de legislação ou reforma constitucional (Verfassungsgesetzgebung; Verfassungsänderung) ou de decisão com hierarquia constitucional (Entscheidung mit Verfassungsrang). A força de lei está prevista no art. 9o da Lei Fundamental e no § 31(2) da Lei orgânica da Corte Constitucional, aplicando-se às decisões proferidas nos processos de controle de constitucionalidade. A convicção de que a força de lei significava apenas que a decisão produziria efeitos semelhantes aos de uma lei (gesetzähnlich) (mas não poderia ser considerada ela própria como uma lei em sentido formal e material), parece ter levado a doutrina a desenvolver instituto processual destinado a dotar as decisões da Corte Constitucional de qualidades outras não contidas nos conceitos de coisa julgada e de força de lei. Observe-se que o instituto do efeito vinculante, contemplado no § 31, I, da Lei do Bundesverfassungsgericht não configura novidade absoluta no direito alemão do pós-guerra. Antes mesmo da promulgação da Lei Orgânica da Corte Constitucional e, portanto, da instituição do Bundesverfassungsgericht, algumas leis que disciplinavam o funcionamento de Cortes Constitucionais estaduais já consagravam expressamente o efeito vinculante das decisões proferidas por esses órgãos. Embora o conceito de Bindungswirkung (efeito vinculante) corresponda a uma tradição do direito alemão, tendo sido também adotado por diversas leis de organização de tribunais constitucionais estaduais aprovadas após a promulgação da Lei Fundamental, não se pode afirmar que se trate de um instituto de compreensão unívoca pela doutrina. Não são poucas as questões que se suscitam a propósito desse instituto, seja no que concerne aos seus limites objetivos, seja no que respeita aos seus limites subjetivos e temporais (MENDES, Gilmar Ferreira. O efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal nos processos de controle abstrato de normas. Revista Jurídica Virtual, vol. 1, n. 4, agosto de 1999, http://geocities.yahoo.com.br/profpito/oefeitovinculantegilmar.html).

[124] Cf., sobre o assunto, a observação de Rui Barbosa a propósito do direito americano: “(…) se o julgamento foi pronunciado pelos mais altos tribunais de recurso, a todos os cidadãos se estende, imperativo e sem apelo,, no tocante aos princípios constitucionais sobre o que versa”. Nem a legislação “tentará contrariá-lo, porquanto a regra ‘stare decisis’ exige que todos os tribunais daí em diante o respeitem como ‘res judicata’ (…)” (Cf. Comentários à Constituição Federal Brasileira, coligidos por Homero Pires, vol IV, p. 268). A propósito, anotou Lúcio Bittencourt que a regra stare decisis não tinha o poder que lhe atribuíra Rui, muito menos o de eliminar a lei do ordenamento jurídico (BITTENCOURT. O controle jurisdicional de constitucionalidade das leis, cit. p.143, nota 17).

[125] Cf., a propósito, BITTENCOURT. O controle jurisdicional constitucionalidade das leis, cit. p. 140-1.

[126] BITTENCOURT. O controle jurisdicional constitucionalidade das leis, cit. p. 144; NUNES. Teoria e prática do Poder Judiciário, cit. p. 592.

[127] Cf. item Considerações Preliminares, supra.

[128] FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 30. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 35; SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 52.

[129] BITTENCOURT. O controle jurisdicional constitucionalidade das leis, cit. p. 145-6.

[130] RE 228.844.SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 16.6.1999.

[131] RE 221.795, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 16.11.2000.

[132] RE 364.160, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 7.2.2003.

[133] AI 423.252, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 15.4.2003.

[134] RE 345.048, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 8.4.2003.

[135] RE 384.521, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 30.5.2003.

[136] RMS 11.824, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 27.5.2002.

[137] Cf. RE 197.917, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 31.3.2004 (inconstitucionalidade de lei municipal que fixa número de vereadores) e Rcl-MC 2.537, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 29.12.2003, a propósito da legitimidade de lei estadual sobre loterias, atacada, simultaneamente, mediante ação civil pública, nas instâncias ordinárias, e ADI, perante o STF.

[138] Cf. RE 197.917, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 7.5.2004.

[139] HC 82.959, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 1.9.2006.

[140] RE 190.728, Relator para o acórdão Min. Ilmar Galvão, DJ de 30.5.1997.

[141] JELLINEK, Georg. Reforma y Mutación de la Constitución. Tradução espanhola de Christian Förster, Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1991, p.15-35; DAU-LIN, Hsü. Mutación de La Constitución. Tradução espanhola de Christian Förster e Pablo Lucas Verdú. Bilbao: IVAP, 1998, p.68 e s; FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos Informais de Mudança da Constituição. São Paulo: Max Limonad, 1986, p.64 e s. e p.102 e s.

[142] BITTENCOURT. O controle jurisdictional de constitucionalidade das leis, cit. p.145.

[143] MS 16.512 (Rel. Min. Oswaldo Trigueiro), RTJ 38 n.1,p 23; RMS 17.976 (Rel. Min. Amaral Santos) RDA, 105:111(113); AI-AgR 168.149 (Rel. Ministro Marco Aurélio), DJ de 4.8.1995; AI-AgR 167.444, (Rel. Min. Carlos Velloso), DJ de 15.9.1995; RE 190.728 (Rel. Min. Celso de Mello), DJ 30.5.1997; RE 191.898 (Rel. Min. Sepúlveda Pertence), DJ de 22.8.1997; RE 228.844/SP (Rel. Min. Maurício Corrêa), DJ 16.6.1999; RE 221.795 (Rel. Min. Nelson Jobim), DJ 16.11.2000; RE 364.160 (Rel. Min. Ellen Gracie), DJ 7.2.2003; AI 423.252 (Rel. Min. Carlos Velloso), DJ 15.4.2003; RE 345.048 (Rel. Min. Sepúlveda Pertence), DJ 8.4.2003; RE 384.521 (Celso de Mello), DJ 30.5.2003); ADI 1.919 (Rel. Min. Ellen Gracie), DJ 1o.8.2003.

[144] VOGEL, Klaus. Rechtskraft und Gesetzeskraft der Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts. In: STARCK, Christian (Org.) Bundesverfassungsgericht und Grundgesetz. 1. ed. Tübingen: Mohr, 1976, v. 1, p. 568-613.

[145] Cf. MENDES, Gilmar. Jurisdição Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.387-413.

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