Garantia de subsistência

Honorário proporcional ao êxito é a melhor solução

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2 de fevereiro de 2007, 15h27

Ao lado das preocupações cotidianas que o advogado enfrenta, a exemplo, de se manter atualizado da legislação, doutrina e jurisprudência, fontes de interpretação que nos últimos tempos mudam em velocidade e quantidade inigualável na história do Direito, seguem inevitavelmente as concernentes aos honorários advocatícios, que lhe garantam a subsistência. O capitalismo assim exige.

Embora o múnus público da profissão seja incompatível com o mercantilismo, a verba honorária é que proporciona sua mantença, competindo ao advogado, encontrar o ponto de sustentação no equilíbrio, ao tratar desta questão.

Advogar em causa própria é desafio que em geral o profissional se depara, especialmente quando se trata de defender o direito de auferir seus honorários, assunto delicado, já que o fundamento de um recurso, por verba fixada aquém do razoável, será a insurgência quanto à injusta apreciação de seu próprio trabalho, o grau de zelo e dedicação à causa, conforme alíneas, “a” “b” e “c” do parágrafo 3º do artigo 20 do Código de Processo Civil, que balizam o percentual adequado.

Não menos desconfortável, quando o direito de seu cliente é integralmente reconhecido numa sentença, mas com fixação ínfima de honorários de sucumbência, e possa ocorrer que recurso sobre este capítulo, postergue a execução do direito do constituinte.

A conscientização dos que atuam no campo do Direito, em especial, a respeito da importância social do advogado, e que são os honorários que fazem vezes de seu salário, é sem dúvida, o que pode favorecer a adequação de seu valor. Neste sentido, o acervo de piadas que o achincalha, muitas delas de péssimo gosto, não ajuda.

No antigo Direito Romano, era proibida a remuneração pelos serviços advocatícios, daí o significado etimológico do termo de origem honorarìus: do que é feito ou dado por honra; direito de participar das honras; que não é pago, que não recebe retribuição.[I]

Affonso Fraga, nos idos de 1940, em português contemporâneo resgata esta parte histórica, de quando a advocacia era desempenhada de forma graciosa:

“É certo que, em sua origem e por sua natureza, o mandato era um contracto gratuito, ou, como dizem Javolenus (1286) e Ulpiano (1287), serviço de amigos;”[II]

Haveria ainda, nos dias atuais, influência desta antiga cultura?

A resposta é sim, a julgar pelo posicionamento adotado em alguns julgamentos, felizmente em minoria, nos quais os honorários são fixados em valor irrisório, meramente pro forma, como relatam profissionais da área:

“Têm sido fixados honorários de sucumbência em valores irrisórios.
Há inúmeros casos em que o advogado, depois de trabalhar num processo por anos e anos, no final da causa, lhe são fixados por alguns juízes, valores irrisórios de honorários, casos em que não atingem sequer 1% do valor da condenação ou da causa.”[III]

Recentemente, entrou para o anedotário jurídico, a história de um advogado que, estupefato com os franciscanos honorários fixados na sentença, optou por doar a soma ao foro, destinando-a a aquisição de papel higiênico.[IV]

A depender do vulto desta verba, a estas alturas o produto doado, com certeza já faltou naquele mictório.

Pensamos que o desequilíbrio tenha por causa também, uma interpretação equivocada do § 4º do artigo 20 do CPC — em relação à possibilidade de fixação dos honorários consoante apreciação eqüitativa do juiz — quando esta, conduza à estipulação meramente perfunctória de seu valor, aquém do razoável, prescindindo do balizamento do § 3º deste artigo, transcrito abaixo:

“Artigo 20.

§ 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos:

a) o grau de zelo do profissional

b) o lugar de prestação do serviço

c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

§ 4º Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas “a”, “b” e “c” do parágrafo anterior.” (Grifamos).

Da leitura deste dispositivo, se depreende que, a flexibilidade conferida pela “apreciação eqüitativa”, não é fundamento para fixação simbólica dos honorários, porque sua parte final, não dispensa a consideração do grau de zelo profissional, do lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o serviço.

Como esclarece Sérgio Bermudes, em todas as hipóteses contempladas no § 4º, os honorários são fixados na conformidade dos critérios das alíneas a, b e c do § 3º.[V]

Daí que, ao inverso da aparente possibilidade legal de uma fixação ínfima, mesmo em causas de pequeno valor — em atenção a estes critérios da responsabilidade e trabalho profissional desempenhado — a recomendação que se extrai dos recentes arestos do Superior Tribunal de Justiça, para justa remuneração do advogado, é que a fixação se dê, mesmo acima do valor atribuído à causa:

“Nas causas de pequeno valor, os honorários podem ser fixados acima do valor atribuído a elas (STJ Pet. 604-1-GO, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 15.8.94, v.u., DJU 12.9.94 p 23.720; JTJ 260/241), especialmente quando este não corresponder à realidade (RJTJESP 48/147).”

“Se, em causa de pequeno valor, o réu foi obrigado a contratar advogados em mais de um Estado, manda a equidade que os honorários por sucumbência sejam fixados em montante superior àquele atribuído pelo autor à demanda (RSTJ 94/33).”
“Pequeno que seja o valor da causa, os tribunais não podem aviltar os honorários de advogado, que devem corresponder à justa remuneração por trabalho profissional; nada importa que o vulto da demanda não justifique a despesa, máxime se o processo foi trabalhoso, obrigando o advogado a acompanhá-lo até no STJ” (STJ 3ª Turma STJ AI 325.270-SP-Ag Rg, rel. Min Nancy Andrighi, j. 20.3.01, negaram provimento, v.u., DJU 28.5.01, p. 199. [VI]

Neste diapasão, tem assentado a doutrina, em alerta ao indesejável aviltamento na fixação dos honorários, que se resolve com a justa interpretação desta norma:

“Há, então, de prevalecer um critério de equidade, em função do qual o juiz agirá com prudente arbítrio, fora dos limites do § 3º do artigo 20, para evitar aviltamento da verba, nas pequenas causas, e adotar mais moderação nas sucumbências da Fazenda Pública.”[VII]

Noutra quadra, o parágrafo 4º do artigo 20 do CPC, tem recebido críticas contundentes da doutrina, por incluir ressalva em favor de uma parte em especial, a Fazenda Pública; pois quando é esta a parte sucumbente, possui o privilégio de não se submeter aos critérios do § 3º deste artigo, podendo assim, merecer condenação em percentual inferior a 10% da condenação:

“Por que poderia haver condenação em percentual inferior ao legal, se vencida na mesma causa, a Fazenda Pública? Estão sendo tratados desigualmente litigantes que se encontram em pé de igualdade relativamente ao pagamento dos honorários de seus advogados. (…)”

Em acórdão do 1º TACivSP decidiu-se que fixação de honorários eqüitativamente não significa modicamente, de modo que se julgou correto o percentual de 20% sobre a condenação, como sendo de responsabilidade da Fazenda Pública relativamente aos honorários de advogado.”[VIII]

O antigo paradigma cultural, do trabalho não remunerado, exercido por ideal, era possível quando não se vivia numa era de capitalismo exacerbado, mas tende a mudar também a partir do plausível reconhecimento pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, na apreciação de uma situação de fato, concludente que, honorários advocatícios, possuem natureza alimentar.

No julgamento do Recurso Extraordinário de 470407[IX], em que foi relator o Ministro Marco Aurélio, ao decidir sobre a natureza dos honorários dos advogados — para situá-los na ordem de preferência de pagamento dos créditos junto às Fazendas Públicas, conforme artigo 100 da Constituição Federal — concluiu-se que, estes têm natureza alimentícia, pois visam prover a subsistência dos advogados e de suas respectivas famílias.

Desta esteira, cabível a dedução que o artigo 21 do CPC, referendado pela Súmula de 306, do Colendo Superior Tribunal de Justiça[X], com a devida licença, está em contra-mão ao admitir compensação dos honorários, quando houver sucumbência recíproca, pois a compensação somente é possível, quando duas pessoas forem ao mesmo tempo, credor e devedor uma da outra, nos termos do artigo 368 do Código Civil.

O fenômeno da compensação da verba sucumbencial, chama a atenção também, porque os honorários pertencem ao advogado por direito autônomo, reconhecido pelo artigo 23 da lei 8.906 de 1994[XI]. Sua finalidade, não é de ressarcir a parte vencedora, mas sim, remunerar o trabalho profissional do advogado.

Ademais, o causídico de uma das partes litigantes, não tem relação obrigacional com o advogado ex adverso a justificar a compensação. Os profissionais, não figuram como credor e devedor um do outro; e a compensação que isenta as partes do correspondente pagamento, causa prejuízo ao advogado, violando o artigo 380 do Código Civil, ao expressar em sua primeira parte que “não se admite a compensação em prejuízo de direito de terceiro” o que na prática ocorre neste caso.

A fixação proporcional dos honorários ao êxito da demanda, aos respectivos advogados, sem compensação, é, com a devida vênia, a melhor solução, pois não afronta os dispositivos legais que regem a matéria dos honorários: artigo 23 da lei 8.906/94, que pelo princípio da especialidade e pela lógica, derrogou o artigo 21 do CPC, cuja redação provém da lei 5.869 de 1973; e do citado instituto da compensação, previsto no Código Civil, criado pela lei 10.406 de 10/01/2002.

De auspiciar então, que o Colendo STJ, revise esta súmula, que ceifa o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência, no caso de sucumbência recíproca.

Regressando ao centro da questão, a fixação de honorários sucumbenciais ou por arbitramento em valores ínfimos, constitui por via oblíqua, violação do artigo 133 da Constituição Federal, ao proclamar que, o advogado, é indispensável à administração da justiça, uma vez que, a existência deste profissional, é iniludível, depende do recebimento de honorários, que é a forma de sua remuneração.

Cândido Rangel Dinamarco destaca a importância do advogado, classificando seu exercício profissional, dentre as funções essenciais à justiça:

“Só o advogado tem capacidade postulatória plena, sendo esta um requisito indispensável para a validade do processo civil ou defesa do demandado (…).”

Essa inserção do advogado no sistema da defesa dos direitos levou o constituinte a proclamá-lo indispensável à administração da Justiça, na consideração de que sem ele é impossível a realização do processo (Const. artigo 133): são nulos os atos privativos a ele, quando realizados sem sua participação (EA, artigo. 4º). Sua atuação é incluída entre as funções essenciais à justiça (artigos 127 ss). Completando essas idéias, o Estatuto da Advocacia proclama que em seu ministério privado o advogado presta serviço público e exerce função social (artigo 2º, § 1º).”[XII]

De pontuar a relevância deste reconhecimento constitucional e da lei especial, que naturalmente não teve por fim, constituir uma casta profissional, mas está indissociavelmente atado, às garantias e direitos individuais e sociais, quando estes direitos são ameaçados ou violados, já que o advogado dispõe de recursos técnicos para, no manejo dos instrumentos processuais adequados, trabalhar para solucioná-los através do judiciário.


[I]Dicionário Houaiss.

[II]FRAGA, Affonso. Instituições do Processo Civil do Brasil – Editora: Saraiva & CIA. São Paulo. Tomo II – 1940. Pág. 120.

[III]SOUZA, Edras Dantas de. Dos Honorários Advocatícios. Prática Jurídica – Editora: Consulex. Ano V – nº. 51 de 30/06/2006. Pág 47.

[IV] http://www.espacovital.com.br/novo/noticia_ler.php?idnoticia=6300 (29/12/2006).

[V]BERMUDES, Sérgio. A Reforma do Código de Processo Civil – Editora: Livraria Freitas Bastos S.A. – 1995. Pág. 15.

[VI]NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e Legislação Processual em vigor – Editora: Saraiva. 37ª edição – 2005. Nota 31 ao artigo 20. Pág. 144.

[VII]JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil – Editora: Forense. 18ª edição – 1996. Pág. 95.

[VIII]JUNIOR,Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal – Editora: RT. 8ª edição – 2004. Vol. 21. Pág. 86.

[IX]STF. Recurso Extraordinário 470407 – Origem: DF – Relator: Min. Marco Aurélio – Recorrente: José da Paixão Teixeira – Recorrida: União – (Obs: ainda em trâmite).

[X]Artigo 21 do CPC: “Se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas.”

STJ. Súmula 306. Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte.

[XI]Artigo 23 do CPCOs honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.

[XII]DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil – Editora: Malheiros. 4ª edição – 2003. Pág. 695/6.

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