Ousadia necessária

É preferível arriscar com PAC a ficar apenas lamentando

Autor

  • Kiyoshi Harada

    é jurista presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo Financeiro e Tributário (Ibedaft) e ex-procurador-chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

1 de fevereiro de 2007, 19h39

O chamado PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, como o próprio nome indica, destina-se a recuperar o tempo perdido, acelerando o crescimento econômico do país, a partir do ano de 2007 até 2010, para atingir a taxa de crescimento de 5% ao ano. Consiste em um conjunto de medidas legislativas, de medidas administrativas e de políticas de investimentos implicando desoneração de determinados setores estratégicos e conseqüentes alterações na legislação em vigor.

Dentre as medidas a serem implementadas pelo PAC,estão: a redução de tributos no importe de R$ bilhões para o exercício de 2007; a elevação da dotação orçamentária do PPI de 0,15% do PIB estabelecidos em 2006 para 0,5% ao ano; o uso de recursos do FGTS para criação do Fundo de Investimento em Infra-Estrutura; a implantação do Sistema Público de Escrituração Digital; a implantação da Receita Federal do Brasil; a extinção das estatais em regime de liquidação; a implantação do plano de previdência complementar no setor público; a agilização do processo licitatório; o controle de expansão de despesas de pessoal da União; o reajuste da tabela do IR em 4,5% até 2010; a instituição do Fórum Nacional de Previdência Social, para debater com os segmentos da sociedade, com vistas ao aperfeiçoamento e sustentabilidade do regime previdenciário acoplado às políticas de assistência social; a definição de limites legais para atuação das agências reguladoras etc., além da criação do Comitê Gestor do PAC, que terá a atribuição de estabelecer metas e acompanhar a implementação do PAC.

As críticas

Assim que anunciado o PAC, azedas críticas foram levantadas por políticos e até por órgãos do governo, como se a melhor solução fosse a de deixar a economia estagnada, enquanto explode o crescimento populacional.

As críticas formuladas por órgãos governamentais, depois de aprovado o PAC no âmbito do Executivo, são inoportunas e prejudiciais à adesão do setor privado, sem o que, o programa fracassará. Críticas formuladas por políticos são compreensíveis até certo ponto, principalmente, por aqueles que estão na oposição. Mas, não é razoável sustentar que “se o PAC der certo haverá apagão” ou que, “se a economia crescer acima de 4%, haverá apagão”. A essa altura é fácil concluir que se o PAC projetasse um crescimento de até 10%, os críticos diriam: “se a economia crescer acima de 9%, haverá apagão”.

Ora, essa expressão — se o PAC der certo haverá apagão — encerra uma contradição inafastável, pois dos R$ 503,9 bilhões previstos no PAC a título de despesas de investimentos, R$ 274,8 bilhões estão reservados à área energética. Logo, se o PAC der certo, não poderá haver apagão. E se der meio certo? Haverá apagão, com certeza. Mas, isso é um risco inerente a um programa da espécie. O mais seguro, aparentemente, seria ficar cinco ou dez anos apenas investindo na infra-estrutura, para só depois começar a implementar o programa de crescimento.

E se a economia não crescer, tornando ociosas as infra-estruturas existentes? De que adiantariam n usinas hidrelétricas ou termoelétricas em funcionamento se o parque industrial estiver sucateado? O que adiantariam as estradas vicinais, sem produção para seu escoamento? Para que serviria a construção de uma infra-estrutura aeroportuária moderna e sofisticada se não tivermos produção para exportar? Enfim, tudo envolve riscos.

Por mais que seja bem planejada a economia interna, fatores externos podem trazer à tona turbulências não previstas ou imprevisíveis. A interrupção do fornecimento do gás importado por fatores alheiros à nossa vontade, por exemplo, poderá inviabilizar a política de investimento em usinas termoelétricas. Por causa disso, deveremos redirecionar todo o investimento energético para as usinas hidroelétricas, enfrentando os ambientalistas do mundo inteiro, inclusive, as divergências entre os nossos órgãos institucionais?

Na verdade, a maioria dos governantes estaduais, que estão criticando o PAC, visam obter barganhas para a sua aprovação, o que nos parece normal no jogo de pressões políticas. Sob o fundamento de que a desoneração tributária prevista no PAC, para as áreas de construção civil, de aquisição de bens de capital, de desenvolvimento tecnológico dos setores de TV digital e de semicondutores, irá provocar uma redução na participação dos estados no produto da arrecadação de impostos federais (artigo 159, I, a da CF), os governadores reivindicam como condição para apoiar o PAC a implementação de dez medidas: a) aumento do repasse decorrente da Lei Kandir; b) aumento de repasse da Cide para 46%; c) desoneração do PIS/Pasep sobre faturamento das empresas de saneamento; d) repasse de 20% da CPMF; e) suspensão por três anos no pagamento de dívidas com a União; f) devolução de caução paga por alguns estados à União na renegociação de dívidas externas; g) fim do polêmico contingenciamento de verba do Fundo Nacional de Segurança Pública; h) mudanças na fórmula de repartição de verba do Fundeb, de sorte a privilegiar os alunos do ensino médio, isto é, aumentar o volume de recursos para os estados; i) criação de Desvinculação de Receitas dos Estados (DRE).

Esse pacote de reivindicações, se atendidas, custará à União a bagatela de R$ 15,5 bilhões anuais, mas garantiria, não apenas, a aprovação do PAC, como também, a prorrogação da DRU e da CPMF até 2010.

Na realidade, a sucessiva prorrogação da DRU, que tem origem na situação emergencial vivenciada em 1993, quando o governo foi obrigado a valer-se da Emenda Revisional 1/94 para implantar o Fundo Social de Emergência, composto de 20% do produto de arrecadação de tributos federais (inclusive da contribuição previdenciária), resulta da falta de um estadista capaz de radiografar as necessidades da sociedade e elaborar um plano de ação governamental, traduzido fielmente na proposta de lei orçamentária anual.

Hoje, o direcionamento de despesas (fixação de despesas por meio de dotações específicas) passou a ser uma mera formalidade, sem maior correspondência com a realidade. Daí, a necessidade de verbas insubmetidas ao princípio da legalidade de despesas (corolário do princípio da legalidade tributária), para com elas ir tocando o governo, no dia a dia, ao estilo de cada governante. Isso não é culpa deste ou daquele governante. A criatividade e a improvisação fazem parte de nossa cultura.

Quando um plano, como o do PAC, der certo não haverá mais necessidade de DRU, que os governadores, ironicamente, querem transplantá-la para os estados, por aumentar incrivelmente a discrição do governante na realização de despesas públicas. Se vão criar a DRE para 27 estados membros porque não criar, também, a DRM para 5.553 municípios? Com a multiplicação das desvinculações de receitas orçamentárias nas três esferas políticas, a Lei do Orçamento Anual, bem como a Lei de Responsabilidade Fiscal poderiam ser banidas do nosso ordenamento jurídico.

Enfim, vinculação de verbas por via do orçamento anual (instrumento de política governamental), seguida de desvinculação por meio da DRU, para ulterior revinculação em torno de programas específicos, que vão sendo criados no decorrer da execução orçamentária, não condiz com os princípios e regras de Direito Financeiro, tampouco com os princípios da razoabilidade e da racionalidade.

Infelizmente, os debates em torno da prorrogação da DRU, da aprovação do PAC e de remendos na proposta de reforma tributária em discussão estão interligados.

Só para explicitar os jogos de pressões políticas: o governo federal quer ardentemente prorrogar a DRU e a CPMF, por razões de todos conhecidas. Para tanto, precisa do apoio dos governadores. Estes exigem em troca do apoio concessões generosas no PAC ou em decorrência dele, com inserção de emendas na PEC da reforma tributária.

efeitos colaterais

A discussão do PAC, no que concerne às exonerações tributárias, aumentará as pressões dos governadores para aumentar a fatia do bolo tributário na reforma tributária em discussão no Congresso Nacional. Poderão pleitear a criação do adicional do ICMS por lei estadual, que traria os mesmos inconvenientes do sistema atual, só que com maior custo para o consumidor. A superveniência do PAC tornou inoportuno o debate em torno da reforma tributária. Aliás, reforma tributária visando simplificação do sistema tributário e redução do seu nível impositivo só seria possível por meio de uma Assembléia Nacional Constituinte. Se depender dos governantes, toda reforma tributária acabará em remendos para aumentar a carga tributária e acentuar o grau de nebulosidade tributária.

Outro efeito decorrente das exonerações tributárias previstas no PAC, será o deslocamento da pressão tributária de um setor para outro, pois não há mágica capaz de diminuir tributos e, ao mesmo tempo, aumentar investimentos. Redução das despesas correntes, notadamente, das de pessoal, nem pensar! Isso pode tirar o sono de muita gente.

O reajustamento da tarifa de energia como sugerido pelo Relatório da Aeae do Ministério da Fazenda, para atrair investidores privados ao setor energético, pode impor mais sacrifícios ao consumidor, que já vem pagando um dos preços mais caros do mundo. Como bem essencial que é, a produção de energia não deveria ter caráter especulativo. É sabido que, onde o retorno do capital investido é demorado, não há interesse da iniciativa privada, que não tem a obrigação de atuar por puro patriotismo. Cabe ao Estado arrecadador assumir a exploração direta da economia, nestes casos, como está expresso no artigo 173 da CF.

Conclusões

O PAC não é uma mera carta de intenções, mas um programa concreto e factível e de âmbito nacional, com identificação de instrumentos e fontes de custeio para sua implementação.

As críticas exteriorizadas por órgãos do governo federal são inoportunas e não contribuem para atrair o engajamento do setor privado neste programa.

O PAC representa uma resposta do governo ao clamor da população inconformada com o baixo crescimento de nossa economia, em contraste com a dos demais países em desenvolvimento.

O nome PAC é novo, mas o seu conteúdo assemelha-se ao Plano de Metas ou ao Plano Nacional de Desenvolvimento. Entre ficar no muro das lamentações e arriscar a implementação de um programa ousado é preferível este último.

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    é professor de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário, conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo, ex-procurador-chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo. Site: www.haradaadvogados.com.br

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