Crime em Ibiúna

Leia o voto que garantiu a liberdade de Pimenta Neves

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1 de fevereiro de 2007, 17h13

Ao suspender o decreto de prisão contra o jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, do Superior Tribunal de Justiça, aplicou o princípio da presunção de inocência. Pelo dispositivo constitucional, o condenado só pode começar a cumprir a pena quando a sentença já tiver transitado em julgado, ou seja, não existir mais a possibilidade de recursos.

A ministra apresentou entendimentos do próprio STJ e do Supremo Tribunal Federal de que execução provisória de pena é exceção, e não regra. No caso de Pimenta Neves, como ele respondeu a todo o processo em liberdade e não deu nenhum motivo para ser preso provisoriamente, a ministra decretou que ele pode sim continuar livre, até o trânsito em julgado.

A liminar foi concedida pela ministra no dia 15 de dezembro. No dia 29, já durante o recesso forense, o ministro Barros Monteiro, presidente do STJ, analisou pedido do Ministério Público de reconsideração da decisão da ministra. Monteiro negou o pedido com o argumento de que “o presidente do STJ não é órgão revisor das decisões proferidas pelos ministros integrantes da corte”. O pedido de reconsideração deve ser analisado pela ministra Maria Thereza.

Pimenta Neves foi condenado a mais de 19 anos de prisão pelo assassinato da ex-namorada, a também jornalista Sandra Gomide. O crime aconteceu em 20 de agosto de 2000, na cidade de Ibiúna, interior de São Paulo.

Por unanimidade, a 10ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo reduziu a pena de Pimenta Neves, de 19 anos e dois meses, para 18 anos de prisão, porque o réu confessou o crime. O TJ paulista também determinou que fosse expedido mandado de prisão contra ele. É esta ordem que a ministra cassou.

Como Pimenta Neves não se apresentou assim que foi expedido o mandado de prisão contra ele, chegou-se a falar que ele estava foragido. Carlo Frederico Müller, um de seus advogados, explicou que o jornalista apenas não tinha se apresentado porque estava aguardando que a Justiça garantisse a sua integridade física. Só aí ele iria se entregar.

O advogado conta que enviou ofício ao Fórum de Ibiúna, ao Departamento de Inquéritos Polícias e Polícia Judiciária (Dipo), à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e ao Tribunal de Justiça paulista pedindo a garantia de segurança para Pimenta Neves. Ou seja, ele se entregaria assim que sua integridade fosse garantida.

Para o advogado, a liminar concedida pela ministra Maria Thereza mostra que o jornalista não estava foragido. “Um dos requisitos para a concessão de liminar é que o réu não esteja foragido. E Pimenta Neves não estava.”

Veja o voto da ministra

Superior Tribunal de Justiça

HABEAS CORPUS Nº 72.726 – SP (2006/0276683-5)

RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

IMPETRANTE : ILANA MÜLLER

IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PACIENTE : ANTÔNIO MARCOS PIMENTA NEVES

DECISÃO

Na data de ontem proferi despacho, condicionando a apreciação da liminar ao exame de elementos que demonstrassem a fumaça do bom direito, indispensável para a concessão de liminar em habeas corpus.

A impetrante comparece na data de hoje, juntando cópia da decisão proferida pelo Juiz Presidente do Tribunal do Júri da Comarca de Íbiúna, que concedeu ao paciente o direito de recorrer em liberdade; cópia do acórdão do HC n.º 80.719/SP do Supremo Tribunal Federal, da relatoria do Ministro Celso de Mello, que revogou o decreto de prisão preventiva; e do acórdão proferido pela 10ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que determinou a prisão do paciente.

A autoridade coatora prestou informações, aduzindo que a decisão acerca da expedição do decreto de prisão contra o paciente foi embasada por julgados desta Corte, bem como do Supremo Tribunal Federal, os quais traz à colação, todos eles no sentido de que a interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória, não obsta a expedição de mandado de prisão, não havendo que se cogitar, na espécie, de violação ao princípio constitucional da presunção de inocência.

O acórdão proferido em 13.12.2006 pelo Tribunal a quo assentou que:

“Enquanto não houver manifestação em contrário por parte do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF-HC nº 85.591/SP) deve prevalecer o entendimento no sentido de que ‘a interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão’, conforme o enunciado da Súmula nº 267/STJ. Expresso no acórdão: ‘não constitui reformatio in pejus a expedição de mandado de prisão quando o Tribunal confirma a sentença condenatória, em sede de apelação, mesmo que esta tenha assegurado ao réu o direito de recorrer em liberdade, tendo em vista que os recursos, a partir de então, previstos na legislação processual – especial e extraordinário -, ainda que admitidos na origem, não possuem efeito suspensivo, possibilitando a execução


provisória do julgado’ (STJ, RHC nº 18.765/Paraná, relator min. Arnaldo Esteves Lima, DJU de 29 de maio de 2006, pg. 268).

(…)

Mesmo que venha a ser interposto nestes autos o recurso especial (e/ou o extraordinário), sem efeito suspensivo, é de rigor a imediata execução da pena privativa de liberdade imposta ao acusado. Nada existe na legislação em sentido contrário. Uma vez condenado em definitivo em Segunda Instância, e sem o cabimento de embargos infringentes, o acusado tem de ser preso para iniciar desde logo a execução da pena.

Mesmo porque ao Superior Tribunal de Justiça (também ao Supremo Tribunal Federal em caso de recurso extraordinário) não cabe analisar as provas, a esse respeito existindo súmula específica, a de nº 7 (em se tratando de recurso extraordinário a súmula correspondente é a nº 279).

(…)

Vale dizer, deve de imediato iniciar o cumprimento da pena privativa de liberdade a que condenado. Até mesmo para a afirmação de que a Justiça Criminal está viva e em plena vigência.

(…)

Expeça-se mandado de prisão em desfavor do réu.” (fls. 4074-4077, dos autos originários)

Passo a decidir.

A questão que se põe para análise liminar diz respeito à possibilidade, em decorrência do julgamento da apelação que condenou o paciente à pena de 18 anos de reclusão, de se expedir desde logo mandado de prisão, dando-se início à execução da pena privativa de liberdade, ou se deve ele ter o direito de responder o processo em liberdade, até o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Constitui princípio consagrado no art. 5º, inciso LVII, da Constituição da República, o de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Partindo-se desta premissa, importa saber se a execução da sentença condenatória na pendência de recursos extraordinário e especial, ou de agravos de instrumento contra juízo de admissibilidade, encontra eco constitucional. Isto sem se falar na possibilidade de interposição, ainda na instância ordinária, de embargos de declaração.

A douta autoridade coatora, baseada em inúmeros acórdãos deste Superior Tribunal de Justiça e do egrégio Supremo Tribunal Federal, entendeu ser possível que se dê início, desde logo, à chamada execução provisória, decretando, assim, a prisão, não obstante tenha o paciente respondido o processo em liberdade (é certo que por força de decisão da Excelsa Corte) e não tenha havido qualquer fato novo, a justificar a segregação cautelar.

Tenho porém, que a chamada execução provisória da pena privativa de liberdade, em princípio, é vedada, sob pena de se pôr em xeque a presunção de inocência. Somente se lhe admite a fim de garantir mais direitos ao cidadão submetido aos rigores da coerção estatal, efetivando-se o princípio da humanidade da pena, na sua vertente do nihil nocere. Para confirmar a vedação basta a leitura do art. 5.º, inciso LVII, da Constituição Federal, acima transcrito. Além do comando constitucional, também consta na Lei das Execuções Penais norma a revigorar a idéia-força:

“Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução.”

O paciente permaneceu solto durante todo o trâmite da apelação, por força de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, que assim asseverou:

“Mais do que nunca, e qualquer que seja a natureza do ilícito penal ou quaisquer que sejam as condições pessoais, profissionais ou econômico-financeiras atribuídas aos indiciados ou aos réus em geral, cumpre, sempre, ter presente que discursos de caráter autoritário – seja qual for a fonte de que emanam – não podem, jamais, subjugar o princípio da liberdade, tal como reconhecido e assegurado pela Lei Fundamental da República.

A prerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) – não pode ser ofendida, por isso mesmo, por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem.

Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível – por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) – presumir-lhe a culpabilidade.

É que ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado (HC 79.812-SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno).


O princípio constitucional da não-culpabilidade, em nosso sistema jurídico, “consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário.” (STF, HC 80.719-4/SP, Rel. Celso de Mello, DJ 28.09.2001).

Averbe-se, ainda, que o juízo de primeiro grau concedeu ao paciente o direito de permanecer em liberdade até o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória, justamente diante do que restou decidido no writ julgado pelo Excelso Pretório, verbis: “Independentemente da opinião pessoal deste Julgador sobre a necessidade da prisão do réu, o fato é que a Colenda 2ª Turma do Egrégio Supremo Tribunal Federal, em votação unânime, concedeu ao réu o direito de responder o processo em liberdade, mencionando, em especial, a necessidade do trânsito em julgado de eventual sentença condenatória para, só então, permitir a prisão do acusado, como se extrai da fl. 120 do II apenso ao 2º Volume dos autos.

(…)

Assim, como desde a sua soltura, o réu não incorreu em hipótese alguma daquelas previstas no art. 312 do Código de Processo Penal, bem como respondeu à maior parte do processo em liberdade, em obediência ao que o Egrégio Supremo Tribunal Federal decidiu em favor do réu, é facultado a este apelar em liberdade.

Anoto que, diante dos termos empregados no acórdão e da falta de alteração no quadro fático – que não se confunde com o quadro jurídico da condenação recorrível – qualquer decisão em contrário deste Juízo de primeira instância violaria decisão já transitada em julgado e proferida pela Corte Máxima do País, o que é inadmissível no Estado Democrático de Direito”.

Se o processo ainda não alcançou termo e não há qualquer alteração processual a revelar necessidade de encarceramento cautelar, num juízo perfunctório, não se afigura plausível a privação da liberdade. Neste sentido, colhem-se os precedentes desta Corte:

“Busca a impetração, inclusive liminarmente, que se assegure ao paciente o direito de permanecer em liberdade até o trânsito em julgado do acórdão, enfatizando que ‘a determinação de cumprimento imediato da pena ordenada pela autoridade coatora, em sede de execução provisória, agride, de forma flagrante, a jurisprudência desta Corte e do Excelso Pretório’.

Acentua, citando precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que ‘há muito vem se firmando o entendimento de que, enquanto não transitada em julgado a sentença condenatória criminal, não há de se falar em cumprimento da respectiva pena, ante o princípio da presunção de inocência’.

A liminar, na via eleita, não tem previsão legal, sendo criação da jurisprudência para casos em que a urgência, necessidade e relevância da medida se mostrem evidenciadas de forma indiscutível na própria impetração e nos elementos de prova que a acompanham.

Na hipótese, da análise do que se contém nos autos, o constrangimento está presente, tendo em vista que o Tribunal Federal da 3ª Região, após julgar a apelação, interposta pelo Ministério Público Federal, limitou-se a determinar a expedição de mandado de prisão, não indicando qualquer motivo para justificar a segregação do paciente, que permaneceu solto durante todo o transcorrer do processo.

Com efeito, a Sexta Turma desta Corte tem reiteradamente proclamado que a prisão cautelar, assim entendida aquela que antecede a condenação transitada em julgado, só pode ser imposta se evidenciada, com explícita fundamentação, a necessidade da rigorosa providência, inocorrente na espécie.

Vejam-se os precedentes:

A – ‘HABEAS CORPUS. ARTIGO 159, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA DE PROVAS. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE PRISÃO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA.

(…)

2. A Súmula nº 267 desta Corte deve ser conciliada com o princípio constitucional da presunção de inocência. Isto significa que, antes do trânsito em julgado da condenação, a execução provisória deve pautar-se nos requisitos de cautelaridade, expondo os fatos que justifiquem a necessidade da segregação cautelar.

3. In casu, a expedição do mandado de prisão foi determinada, tão-somente, em decorrência do provimento da apelação, sem declinar motivos que justificariam a execução da pena antes do trânsito em julgado da condenação.

4. Ordem concedida para determinar que o paciente permaneça em liberdade até o trânsito em julgado, salvo expedição de mandado de prisão devidamente fundamentado’.

(HC nº 47.314/SP, Relator o Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, DJU de 15/5/2006)


B – ‘Prisão (recolhimento). Réu (em liberdade). Apelação improvida (expedição de mandado). Prisão (caráter provisório). Sentença (trânsito em julgado).

1. Antes de a sentença penal condenatória transitar em julgado, a prisão dela decorrente tem a natureza de medida cautelar, a saber, de prisão provisória – classe de que são espécies a prisão em flagrante, a temporária, a preventiva, etc.

2. O ato que determina a expedição de mandado de prisão – oriundo de Juiz ou proveniente de Tribunal (do relator de apelação, por exemplo) – há de ser sempre fundamentado.

3. Presume-se que toda pessoa é inocente, isto é, não será considerada culpada até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, princípio que, de tão eterno e de tão inevitável, prescindiria de norma escrita para tê-lo inscrito no ordenamento jurídico.

4. Em tese, só se justifica prisão após o trânsito em julgado.

5. É da jurisprudência do Superior Tribunal que o réu, já em liberdade, em liberdade permanecerá até que se esgotem os recursos de índole ordinária.

6. De igual sorte, quanto aos recursos de índole extraordinária.

7. Conforme a Súmula nº 267/STJ, porém, a interposição de recurso não obsta mandado de prisão, desde que, obviamente, a autoridade judiciária competente justifique a prisão, tal como acontece, por exemplo, com a preventiva (art. 315 do Cód. de Pr. Penal).

8. É ilícita a expedição de mandado de prisão sem fundamentação do respectivo ato.

9. Ordem concedida a fim de se garantir liberdade ao paciente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória’.

(HC nº 51.004/SP, Relator o Ministro NILSON NAVES, DJU de 12/6/2006)

Diante do exposto, defiro a liminar para assegurar ao paciente, até o julgamento definitivo deste writ, o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado da condenação.”

(HC 67.608/SP – Rel. Min. Paulo Gallotti – j. 5.10.2006)

“HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. APELAÇÃO. EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE PRISÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. HIPÓTESE EM QUE NÃO HOUVE O ESGOTAMENTO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. Segundo o entendimento desta Corte, sintetizado no enunciado sumular n.º 267, “A interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão”.

2. Na hipótese, o acórdão encontra-se pendente de publicação, o que, ainda, possibilita ao paciente a oposição de embargos declaratórios, protraindo, assim, o esgotamento das instâncias ordinárias.

3. Ordem parcialmente concedida para que a execução provisória da pena tenha início somente após o efetivo esgotamento das instâncias ordinárias.”

(HC 50940 / SP – Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA – DJ 26.06.2006 p. 174)

“Prisão (recolhimento). Réu (em liberdade). Apelação improvida (expedição de mandado). Prisão (caráter provisório). Sentença (trânsito em julgado).

1. Antes de a sentença penal condenatória transitar em julgado, a prisão dela decorrente tem a natureza de medida cautelar, a saber, de prisão provisória – classe de que são espécies a prisão em flagrante, a temporária, a preventiva, etc.

2. O ato que determina a expedição de mandado de prisão – oriundo de juiz ou proveniente de tribunal (do relator de apelação, por exemplo) – há de ser sempre fundamentado.

3. Presume-se que toda pessoa é inocente, isto é, não será considerada culpada até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, princípio que, de tão eterno e de tão inevitável, prescindiria de norma escrita para tê-lo inscrito no ordenamento jurídico.

4. Em tese, só se justifica prisão após o trânsito em julgado.

5. É da jurisprudência do Superior Tribunal que o réu, já em liberdade, em liberdade permanecerá até que se esgotem os recursos de índole ordinária.

6. De igual sorte, quanto aos recursos de índole extraordinária.

7. Conforme a Súmula 267/STJ, porém, a interposição de recurso não obsta mandado de prisão, desde que, obviamente, a autoridade judiciária competente justifique a prisão, tal como acontece, por exemplo, com a preventiva (art. 315 do Cód. de Pr. Penal).

8. É ilícita a expedição de mandado de prisão sem fundamentação do respectivo ato.

9. Ordem concedida a fim de se garantir liberdade ao paciente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.”

(HC 42990 / RJ – Rel. Min. NILSON NAVES – DJ 12.06.2006 p. 544)

Neste sentido também se manifesta a doutrina:

“… a situação de condenado ter o termo a quo – após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória – é conseqüência lógica dos princípios que, com vigorosa cautela, resguardam o réu durante a apuração do fato-infração penal. Se o status de condenado /começasse antes do término do processo, o contraditório e a defesa plena seriam postergados, cedendo espaço a presunções que não encontram guarida na Constituição. O art. 5º, LVII, é simplesmente declaratório. Não perde, porém, a sua importância. Em conseqüência, a pena e a medida de segurança /somente podem ser impostas/ depois da definição, insista-se, com o trânsito em julgado da sentença, da infração penal ou da inimputabilidade. […] Enquanto inexistente o status de condenado, registrou-se, não se aplicam penas nem medida de segurança. Logicamente, não há que se falar na suspensão condicional da pena (rectius – suspensão condicional da execução da pena) nem nos efeitos da sentença condenatória. A decisão condenatória sujeita a recurso, uma vez interposto e enquanto não confirmada definitivamente, tem efeito suspensivo.” (CERNICCHIARO, Luiz Vicente et al. Direito Penal na Constituição. 3ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, págs. 111/112) .


Nota-se, pois, que o pleito preambular está em sintonia com a jurisprudência desta Sexta Turma, e também do Egrégio Supremo Tribunal Federal, recentemente assim decidiu:

“3. E é caso de liminar. Tratando-se de recurso de apelação exclusivo da defesa, e tendo o Tribunal mantido integralmente a decisão condenatória de primeiro grau, que condicionara a prisão do acusado ao trânsito em julgado em julgado da condenação, não pode o juiz de primeiro grau, a quem os autos foram devolvidos, determinar, pendente recurso especial, a execução provisória. Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte:

“RECURSO – BALIZAS – REFORMA PREJUDICIAL AO RECORRENTE – MANDADO DE PRISÃO – PENA – CUMPRIMENTO. Ao órgão revisor não cabe, em recurso da defesa, retirar o direito, assegurado em sentença, de apenas ser expedido o mandado de prisão uma vez verificado o trânsito em julgado, a imutabilidade recursal da condenação. O desprovimento, prolatando o Tribunal acórdão que substitui a sentença – artigo 512 do Código de Processo Civil -, sem se defrontar com recurso do Ministério Público, longe fica de respaldar o afastamento da condição imposta, alfim harmônica com a impossibilidade de executar-se precocemente o título judicial, conforme previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal: ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (HC nº 83.128, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 30.04.2004). “Reformatio in pejus: se a sentença – sem recurso da acusação – condicionou a prisão do réu ao trânsito em julgado da condenação, não pode o Tribunal de segundo grau, sem indicar nenhum fundamento cautelar, ao negar provimento a apelação interposta exclusivamente pela defesa, determiná-la de imediato, sem infringir a vedação da reformatio in pejus: precedente (HC 83.128, 1ª T., Marco Aurélio, DJ 30.4.04)” ( HC nº 85.429, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 08.04.2005). No mesmo sentido, cf., ainda, HC nº 88.972, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 01.09.2006; HC nº 84.467, Rel. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 06.10.2006. 4.4.

Ademais, a questão da harmonia entre a execução da sentença condenatória ainda sujeita a recurso e o princípio constitucional da presunção de inocência está sendo, com amplitude, examinada pelo Plenário desta Corte, nos autos da Reclamação nº 2.391, em julgamento desde setembro de 2003. No HC nº 84.078 (Rel. Min. EROS GRAU), igualmente remetido ao Plenário, analisa-se, especificamente, a constitucionalidade, ou não, da execução provisória da sentença condenatória na pendência de recursos extraordinário e especial, ou de agravos de instrumento contra juízo de sua inadmissibilidade: “A Turma, por maioria, decidiu remeter ao Plenário habeas corpus em que se discute a possibilidade, ou não, de se expedir mandado de prisão contra o acusado nas hipóteses em que a sentença condenatória estiver sendo impugnada por recursos de natureza excepcional, sem efeito suspensivo. Vencidos os Ministros Cezar Peluso e Eros Grau, relator. Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que mantivera a prisão preventiva do paciente/impetrante, por entender que esta, confirmada em segundo grau, não ofende o princípio da não-culpabilidade, porquanto os recursos especial e extraordinário, em regra, não possuem efeito suspensivo – v. Informativo 367. HC 84078/MG, rel. Min. Eros Grau, 24.11.2004. (HC nº 84.078)” (Informativo/STF nº 317). Nos termos do voto que proferi no julgamento da Reclamação, na sessão de 1º de outubro de 2003, ao analisar o disposto no inc. VII do art. 5o da Constituição da República: “Parece-me óbvio que essa disposição constitucional não é, como não o é norma constitucional alguma, mera recomendação, nem tomada teórica de posição do constituinte a respeito da natureza da condição processual do réu; ela tem não menos óbvio sentido prático.

Embora alguns vejam, em tal norma, uma suposta presunção de inocência, parece-me lícito abstrair indagação a esse respeito, no sentido de saber se hospeda, ou não, presunção de inocência. Há autores, sobretudo na Itália, que a propósito de regra análoga sustentam não conter presunção alguma, nem de inocência, nem de culpabilidade, senão e apenas enunciado normativo de garantia contra possibilidade de a lei ou decisão judicial impor ao réu, antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, qualquer sanção ou conseqüência jurídica gravosa que dependa dessa condição constitucional, ou seja, do trânsito em julgado de sentença condenatória. Em outras palavras, independente de saber se contém, ou não, alcance de presunção – pode-se até dizer que a presunção de inocência é só uma das decorrências ou consectários dessa garantia, projetando-se como tal, por exemplo, na distribuição dos ônus da prova no processo, o certo é que essa cláusula garante ao réu, em causa criminal, não sofrer, até o trânsito em julgado da sentença, nenhuma sanção ou conseqüência jurídica danosa, cuja justificação normativa dependa do trânsito em julgado de sentença condenatória, que é o juízo definitivo de culpabilidade.


Temos, pois, aqui, o seguinte dilema, já posto pelo Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE: tirando-se as hipóteses de prisão em flagrante – a cujo respeito como modalidade de prisão cautelar, que é, não quero discorrer aqui, bastando estar prevista na Constituição – e de prisão preventiva, cuja finalidade básica é a tutela do processo, a possibilidade de alguém ser ou manter-se preso nos termos de ambas as normas invocadas na sentença não vejo como qualificar-se senão como hipótese típica de execução provisória de sentença penal (recorrível) e que por isso mesmo ofende de modo direto a garantia do inciso LVII do art. 5º da Constituição da República, porque se está impondo àquele que, na forma da mesma Constituição, ainda não foi considerado culpado por sentença transitada em julgado, a mais grave das sanções, que é a privação da sua liberdade.

Parece-me que, além disso – como já salientado pelos Ministros MARCO AURÉLIO e SEPÚLVEDA PERTENCE -, o que acentua a gravidade da interpretação da sentença é que as leis tratem de maneira penosamente invertida e desigual bens jurídicos que estão em posições hierárquicas distantes, ou seja, a lei subalterna não admite, na execução civil provisória, a qual tem só efeitos de caráter patrimonial e quase sempre reversíveis, a prática de atos de adjudicação ou de qualquer outra forma de alienação, ao passo que as duas normas penais aplicadas pela sentença permitiriam a imposição da sanção extrema e gravíssima da privação da liberdade, a qual é irreversível pela razão manifesta de que não há maneira de o sistema jurídico repará-la sequer mediante o expediente subrogatório da indenização (que aliás, não se sabe quando é paga). Esse tratamento normativo desigual, que castiga o réu com perda injusta e irreparável da liberdade física, agride o princípio da proporcionalidade, como variável da razoabilidade.

Creio inconcebível que o sistema jurídico tolere essa incoerência de regulamentação desproporcional de conseqüências sancionatórias para valores jurídicos absolutamente díspares, atribuindo prudente proteção a bem jurídico que, diria, não é o mais valioso da vida, o patrimônio, e, na esfera penal, negando-a à liberdade do cidadão! Isso, para mim, ofende frontalmente, além de cláusula constitucional específica (art. 5º, LVII), o princípio da proporcionalidade, que veda toda sanção injustificável quando comparada com conseqüência prevista para hipótese mais grave em abstrato. Considero, também, absurdo não menor que se possa extrair do preceito constitucional, por exemplo, a conseqüência – como já lembrado, na Turma, pelo Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE – de que estaria proibido lançar, antes do trânsito em julgado da sentença, o nome do réu no rol dos culpados, como se esta fosse a coisa mais importante do sistema jurídico.

Como observou S.Exa., nunca se viu ou soube que alguém consultasse alguma vez tal livro! Seria esse, outro tipo gritante de desproporcionalidade: sustentar a impossibilidade de manter o nome do réu no rol dos culpados, mas permitir que ele permaneça preso até que sobrevenha julgamento definitivo, o qual bem pode declará-lo inocente!

Nada haveria de razoável nessa desequilibrada ponderação normativa que de igual modo subverteria a escala de valores emergentes da Constituição”. No caso dos autos, a prisão decretada não se fundamenta em eventual necessidade de acautelar o juízo, mas apenas na condenação ainda precária do paciente. Ou seja, trata-se da inadmissível “execução provisória” de sentença penal, porque não sobreveio ainda trânsito em julgado do acórdão, impugnado por via de recurso especial pendente de apreciação. Posto que careça tal recurso de efeito suspensivo, força é convir que a garantia constitucional não tolera execução de sentença condenatória, em qualquer de suas eficácias, antes do trânsito em julgado. Em casos semelhantes, temos decidido por afastar a incidência da súmula 691 (HC nº 88413, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJ de 09.06.2006; HC nº 88.642-MC, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJ de 04.05.2006; HC 88.276-MC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 17.04.2006).

4. Do exposto, defiro o pedido de liminar, determinando a expedição de contramandado de prisão em favor do paciente, para que, solto, aguarde o julgamento definitivo deste habeas corpus ou o trânsito em julgado de eventual condenação. Comunique-se, com urgência, por ofício e fac-símile, o inteiro teor desta decisão ao Ministro Relator do HC nº 68.656, do Superior Tribunal de Justiça, ao Juízo da 2a Vara Criminal do Foro da comarca da Maringá/PR e ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, determinando, ainda, que este preste informações acerca do processamento do recurso especial interposto pelo paciente.” (STF, HC 90112 MC/PR, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 07.12.2006)

Ante o exposto, defiro a liminar para assegurar ao paciente que aguarde, em liberdade, o julgamento definitivo deste writ pela Turma Julgadora ou o trânsito em julgado de eventual condenação, determinando a expedição de contra-mandado de prisão.

Comunique-se com urgência à autoridade apontando como autoridade coatora.

Após, ao Ministério Público Federal para parecer.

Publique-se.

Brasília, 15 de dezembro de 2006.

Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Relatora

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