Retrospectiva 2007

Judiciário precisa de mais números e menos palavras

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29 de dezembro de 2007, 23h00

Este texto sobre o Ministério Público faz parte da Retrospectiva 2007, série de artigos em que são analisados os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.

“O que quer que os brasileiros decidam fazer em relação à crise do seu Judiciário, fá-lo-ão melhor com informações de melhor qualidade. A nota positiva é que todos os três tipos de entidades pesquisadas (Judiciário, advocacia pública e MP) mostram-se interessadas em aprimorar seus sistemas de estatísticas. Até certo ponto, estamos mais confiantes quanto às motivações e às inclinações dos tribunais e dos procuradores do governo do que quanto às do Ministério Público”.

A afirmação é do Banco Mundial e consta do Relatório 37.789-BR, “Brasil: fazendo com que o Judiciário Conte”, página 18, trabalho publicado em dezembro de 2004 e que teve por escopo medir e aprimorar o desempenho do Judiciário no país.

Assumi a presidência da Associação Nacional dos Procuradores da República há oito meses e, desde o primeiro dia de meu mandato, deparei-me com debate diário e intenso no Parlamento Federal, na imprensa e na comunidade jurídica em geral, acerca dos problemas por que passa a Justiça no Brasil e que se convencionou denominar “crise do Judiciário”. É evidente que neste conceito de Judiciário devemos incluir os membros do Ministério Público e a advocacia em geral, isto é, os três atores indispensáveis à formação da relação processual.

Apesar das ponderações do Banco Mundial, de outros organismos internacionais e de entidades não-governamentais, raramente presenciei esses debates em bases objetivas, com o confronto de dados concretos. Parece que a Ciência do Direito, por sua feição dogmática, impõe ao profissional da Justiça verdadeira repulsa a qualquer interferência empírica em seu discurso e universo, o que nos leva a preencher com palavras o espaço deixado pela ausência dos indicadores.

Somos apontados como um dos setores mais opacos do Estado, isto é, com menor transparência em sua gestão, embora valham igualmente para todos os poderes da República os princípios da publicidade e da eficiência. Não se trata, por conseguinte, de estilo de gestão ou idiossincrasia, e sim de dever, prestar contas ou buscar obter os melhores indicadores no desempenho de suas atividades. Ora, quem não se preocupa em medir resultados revela que não planejou, mesmo que minimamente, suas atividades e aquele que não fixa objetivos, isto é, quem não planeja, na verdade nem sabe bem o que quer. E o que quer a Justiça?

Há um consenso em relação ao caráter deletério da morosidade processual, apontada como um dos principais fatores para a manutenção dos altos índices de impunidade do Brasil. A responsabilidade pela lentidão da Justiça é comumente imputada aos profissionais da Justiça e ao complexo sistema processual brasileiro. Advogados irritam-se porque magistrados e promotores não estão submetidos a prazos peremptórios, juízes e procuradores reclamam do excesso de instâncias e de recursos previstos em nossos códigos e das atitudes protelatórias da defesa. Em 2007 cresceu, nos círculos mais vanguardistas, a crítica ao suposto espírito demandista do cidadão brasileiro, o que estaria a justificar uma campanha pela conciliação ou por formas alternativas de solução de conflitos. São críticas que recaem, cada qual à sua forma, sobre o indivíduo e não traduzem visão de sistema.

O debate no Parlamento, neste primeiro ano da nova legislatura, esteve preso à velha tese do foro privilegiado nas ações por improbidade, à extensão do estatuto jurídico da magistratura a setores emergentes da burocracia estatal, campanha esta de indisfarçável cunho salarial, e à reforma dos códigos.

Quanto a este último tema, particularmente, a nota predominante foi a atuação competente e bem articulada do corporativismo, na luta sôfrega por mais poder. Aqui o sistema recursal, a forma de tramitação de inquéritos e processos, a produção da prova, o contraditório e a ampla defesa, apenas para exemplificar, foram reduzidos a meros objetos, sujeitos à barganha no contexto mesquinho de posturas ideológicas ora excessivamente garantistas, ora confessadamente fascistas. Houve uma época em que o Congresso Nacional tratou destas questões acima dos ódios e ressentimentos, como interesses da República e não de corporações.

Em meio a tudo isto, nosso país deu mais uma demonstração de maturidade institucional com o recebimento, pelo Supremo Tribunal Federal, da denúncia formulada pelo procurador-geral da República no processo relacionado ao “mensalão”, maturidade esta que, não obstante, convive com a impuberdade jurídica de um sistema prisional que encarcera uma menor de 15 anos na companhia de vários homens por várias semanas. Foram acontecimentos de 2007 que deixaram claro: há um Brasil que nunca foi ao Brasil!

É passada a hora de fazer um diagnóstico objetivo dos problemas da Justiça, para que cada instituição tenha claro qual é sua missão. Com menos palavras e mais números, o que implica introduzir a cultura da mensuração do trabalho e da prestação de contas em nossas atividades diárias.

A boa noticia é que o Brasil é líder regional na automação do Judiciário, isto é, dispõe dos meios necessários para iniciar esta empreitada. A má notícia é que nossos recursos tecnológicos ainda não são utilizados como forma de incrementar nossa base de dados, o que mantém imprecisas nossas estatísticas. Os conselhos externos do Judiciário e do MP têm papel crucial para romper a inércia de nossas instituições no que tange à gestão de sua atividade-fim. É missão tão nobre quanto a de serem corregedorias das corregedorias: nesta, não há dúvida, já deixaram claro, neste ano, ao que vieram.

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