Manobra frustrada

VarigLog não consegue romper sociedade com fundo

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29 de dezembro de 2007, 9h59

A 17ª Vara Cível de São Paulo negou os pedidos dos gestores da VarigLog, Eduardo Gallo, Marcos Haftel e Marco Audi, para que fosse declarada a dissolução da sociedade com a empresa de fundo de investimentos Matlin Patterson. A intenção de Gallo, Audi e Haftel era ficar com a empresa e com os valores pertencentes aos acionistas da Matlin.

A primeira instância rejeitou o pedido. Segundo o juiz, ficou claro que os gestores da empresa não contribuíram para formação do capital da VarigLog e agora pretendem usar a Justiça para se apropriar do que não lhes pertence. “Os autores, sem, a princípio, lastro financeiro, associaram-se à constituição da sociedade, e, agora — prevalecendo-se de argumentos desconsiderados à época correta e eticamente incompreensíveis (empréstimos que sabiam que não seriam exigidos) — querem excluir o capital estrangeiro especulativo”, o que não é possível, segundo ele.

De acordo com o processo, a Matlin Patterson investiu na VarigLog, por meio de uma outra empresa, a Volo do Brasil, constituída por Gallo, Audi e Haftel, cerca de US$ 400 milhões. Os três empresários entraram como sócios e gestores do negócio e depois foram à Justiça pedir a dissolução da sociedade com o Fundo.

A Justiça negou, ainda, o pedido para decretar segredo de Justiça no caso. De acordo com a decisão, Marco Audi, depois de ajuizada a ação, deu entrevista sobre o que pretendia fazer com a Matlin. “De certa forma, interessa à coletividade, e não ao mórbido mercado, que se desnude a quantas andam os litígios envolvendo as partes (são várias as ações judiciais), para que exerça pressão a que não ocorra episódio parecido, envolvendo a desastrosa administração de outra empresa aérea”, concluiu. Audi sempre requer segredo de justiça nos muitos processos que inicia. Em caso semelhante, ele ganhou a propriedade da Helicópteros Tucson: primeiro atraiu um sócio investidor e depois afastou-o com o apoio da justiça.

Leia a decisão

Trata-se de ação ordinária indenizatória, de obrigação de não fazer e de dissolução parcial de sociedade, com pedido de antecipação de tutela e de que o processo corra em segredo de justiça, ajuizada por LUIZ EDUARDO GALLO, MARCOS MICHEL HAFTEL, MARCO ANTÔNIO AUDI e VOLO DO BRASIL S/A em face de VOLO LOGISTICS LLC, sob o fundamento de que a VOLO DO BRASIL S/A foi constituída pelos autores e pelo fundo de investimentos MATLIN PATTERSON GLOBAL OPPORTUNITIES PARTNERS II, controlador da ré, visando, nos termos da Lei 11.101/2005, à aquisição e à recuperação da Varig Logística S/A (cargas) e as operações Varig (passageiros).

Referido fundo de investimentos teve sua gestão iniciada em 2004, com data de encerramento prevista para 2011, passível de prorrogação por mais 2 anos, limite, portanto, à venda de suas participações, inclusive na Volo do Brasil S/A. A Varig Logística S/A, em 25 de agosto de 2005, foi adquirida pela autora, Volo do Brasil S/A, cujo capital social é, na ordem de 60%, pertencente à demandada (100% de ações preferenciais e 20% de ações ordinárias).

Houve necessidade de mútuos disponibilizados por aquele fundo de investimentos, através empresas subsidiárias suas, mas que não seriam exigidos, tendo em visto o escopo de recuperação da Varig Logística S/A, assumindo, assim, os autores, com exclusividade, a gestão e administração da Volo do Brasil S/A. Em 31 de janeiro de 2006, ocorreu a aprovação do aumento de capital, após o que (cerca de 48 horas depois), os autores foram coagidos pela Volo LLC a assinar um contrato (Put and Call Option Agreement) mercê do qual, para a liberação de ativos financeiros para viabilizar a empresa, deram ao fundo Matlin Patterson Global Opportunities Partners II a opção de compras da totalidade das ações dos demandantes, a um preço pré-fixado irrisório e descabido, em detrimento do disposto no art. 181, § 4º, do Código Brasileiro de Aeronáutica, e da affectio societatis, o que resultou no ajuizamento de ação judicial anulatória.

Os autores ainda afirmaram que a ré lhes impôs a alteração da data do vencimento dos mútuos, conduta que estão a questionar em ação judicial distinta, e que motivou a suspensão em processo de execução. Por fim, os autores asseveram que a ré: está a espalhar notícias levianas a respeito dos autores, v.g., desvio de dinheiro, em detrimento da Volo do Brasil S/A e da Varig Logística S/A; cedeu irregularmente (tanto que objeto de outra ação judicial em que a pretensão da dela, demandada, não prosperou, extinguindo-se o processo sem julgamento do mérito) a terceiros o direito sobre o put and call option agreement; tentou vender indevida e ilicitamente a VRG Linhas Aéreas S/A, único e principal ativo financeiro da Varig Logística S/A, conforme memorando de 18 de agosto de 2006; executou e tentou arrestar bens e retomar aviões da VARIGLOG, agindo em nome próprio e de suas subsidiárias. A petição inicial veio acompanhada de documentos (fls. 02/1102).

É o relatório. DECIDO.

A despeito do limite de cognição próprio do exame da petição inicial e da tutela antecipada, não há como deixar de assinalar alguns pontos que servirão de vetores para compreensão da presente decisão judicial. O primeiro deles se refere ao fato de que o objeto, em última instância, da relação contratual entre as partes escapa do conceito de interesse privado, respeitando, sim, a interesse público, no caso, o aéreo. Mas, ainda que assim não se entendesse, a relação jurídica entre as partes está limitada ou deve ser gerida de acordo com o que se chama de função social do contrato, nos termos do art. 421 do CC, não só no aspecto intrínseco, impondo aos contratantes o respeito à probidade negocial e à equivalência de prestações, como, especialmente, no aspecto extrínseco, mirando a repercussão do processo contratual (obrigação vista como processo) na sociedade, v.g., em relação a empregados ou terceiros afetados pelo negócio entre as partes.

Nesse sentido, a exclusão da ré da Volo do Brasil S/A, na forma de antecipação da tutela, é medida que não se coaduna com a função social do contrato. Isso porque, a leitura da petição inicial, sugere que Luiz Eduardo Gallo, Marcos Michel Haftel e Marco Antônio Audi não tinham lastro econômico para constituírem com a Matlin Patterson Global Opportunities Partners II ou com a demandada a Volo do Brasil S/A. Isso tanto e mais fica patente ao se considerar o aumento de capital, sucedido, em menos de 48 horas, pelo put and call option agreement, firmado a título de liberação de recursos, e as datas de vencimentos de mútuos.

Os autores dizem que foram coagidos a firmarem referido contrato e as datas para pagamento dos mútuos, fazendo disso a pedra de toque para a concessão da tutela antecipada. Mas coação reclama cognição exauriente, carecendo, portanto, a tutela antecipada de prova inequívoca e verossimilhança para concessão. Mais que isso, a exclusão liminar da ré da sociedade é medida desarrazoada e desproporcional, visto que a administração e gerência da Volo Brasil S/A está a cargo de Luiz Eduardo Gallo, Michel Haftel e Marco Antônio Audi, e não da Volo Logistics LCC.

No contexto, a situação parece ser a seguinte: os autores, sem, a princípio, lastro financeiro, associaram-se à constituição da sociedade, e, agora — prevalecendo-se de argumentos desconsiderados à época correta e eticamente incompreensíveis (empréstimos que sabiam que não seriam exigidos) — querem excluir o capital estrangeiro especulativo, cuja retirada está prevista para daqui alguns anos, e ficar com todo dinheiro aportado. A outra medida de urgência reclama a inibição da ré ou afiliadas — portanto, pessoas jurídicas que não são parte no processo — de adotar quaisquer atos gravosos a autora. A generalidade dela é de tal ordem, que serviria como salvo-conduto a que os autores simplesmente não cumprissem nada – espelhando para o mundo um país sem qualquer segurança jurídica — nem pagassem encargos trabalhistas, tributários e previdenciários.

Há outra questão, referente ao segredo de justiça, que se indefere. Um dos autores, Marco Antônio Audi, após o ajuizamento da presente ação, concedeu entrevista ao jornal Folha de São Paulo dando a publicidade que pretende judicialmente inibir. De certa forma, interessa à coletividade, e não ao mórbido mercado, que se desnude a quantas andam os litígios envolvendo as partes (são várias as ações judiciais), para que exerça pressão a que não ocorra episódio parecido, envolvendo a desastrosa administração de outra empresa aérea. Com o devido preparo, cite-se. Intimem-se.

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