Pressão do chefe

Assédio moral de advogado fere prerrogativa profissional

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28 de dezembro de 2007, 23h00

Forçar, ainda que indiretamente, advogada a renunciar ao seu cargo em empresa privada fere prerrogativa profissional. O entendimento é do juiz Suenon Ferreira de Souza Júnior, da 2ª Vara do Trabalho de Belém, que proibiu o gerente jurídico do Banco da Amazônia (Basa), Marçal Marcelino da Silva Neto, de se aproximar e de assediar moralmente a advogada Patrícia de Nazareth da Costa e Silva. Em sua decisão o juiz também entendeu que email, mesmo de natureza privada, constitui-se prova lícita.

A advogada recorreu à Justiça porque, segundo ela, já não agüentava mais a pressão do seu gerente para que renunciasse ao cargo. Contou, ainda, que era obrigada a produzir peças jurídicas em prazo vencido, que não tinha autonomia para trabalhar, que era obrigada a mudar de tese jurídica, além de ser ameaçada de demissão. Por isso, solicitou indenização de R$ 2 milhões por danos morais.

Para comprovar o assedio, Patrícia anexou emails trocados entre o gerente e outra advogada do departamento. Nas mensagens, ambos comentavam a possibilidade de renúncia da advogada e peculiaridades de sua atuação no departamento jurídico do banco.

Na decisão, o juiz destacou que o email de natureza privada anexado aos autos não deveria ser visto como prova ilícita porque a advogada apresentou o documento justamente para demonstrar o assédio moral que vinha sofrendo, bem como, o desrespeito a suas prerrogativas profissionais.

“Essas circunstâncias não revelam quebra de sigilo”, afirmou o juiz Suenon Ferreira ao citar precedente do Tribunal Superior do Trabalho em que os ministros aceitaram gravação telefônica para elucidar fatos.

Na ocasião, os ministros destacaram que “não afronta suposto direito líquido e certo da outra parte, a inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas, porque essa garantia se dá em relação a terceiros e não aos interlocutores”. Para o juiz Suenon Ferreira, embora o recurso se refira a gravação telefônica, o entendimento também alcança o processo em questão.

“É importante ressaltar, que as mensagens eletrônicas, representam uma derivação das telefônicas, e consistem na captação da comunicação feita por um dos comunicadores, no caso com conhecimento de todos, no entanto fora da disciplina jurídica da Lei 9.296/96 (interceptação telefônica), como ainda da proibição do artigo 5º, inciso XII da Constituição Federal de 88, e desse modo, com efeito, de prova lícita, podendo ser produzida sem necessidade de prévia autorização judicial”, destacou o juiz.

Ressaltou, também, que o Poder Judiciário não pode permitir que se cale a voz do advogado e que a sua atuação deve ser livre e independente. Assim, o juiz entendeu que a gravidade do caso está na imposição de renúncia da advogada e que os outros fatos relatados por ela “agasalham um fundo de verdade, na medida em que quem pode mais, pode menos, sobretudo diante do poder diretivo do empregador”.

Por fim, o juiz proibiu o gerente de se aproximar da advogada e praticar qualquer ato relatado pela autora. Como a decisão é interlocutória, com antecipação de tutela, a indenização por dano moral ainda será discutida.

Leia a decisão

PROCESSO: 01733.2007.002.08.00.5

RECLAMANTE:PATRÍCIA DE NAZARETH DA COSTA E SILVA

RECLAMADO: BANCO DA AMAZÔNIA S/A — BASA

Em 14.12.2007

Vistos e etc.

1. Argumentou a reclamantePatrícia de Nazareth da Costa e Silva em face do Banco da Amazônia S/A — Basa, como causa de pedir e de pedido, de ação visando a abstenção de comportamento, e respectiva indenização em razão de dano moral, a prática, por parte da Gerência Jurídica do reclamado, na pessoa do advogado Marçal Marcelino da Silva Neto, assédio no ambiente de trabalho, materializado nas seguintes determinações desse superior hierárquico:

a) desocupação de seu centro de trabalho em 02 (dois) dias;

b) transferência da Coordenadoria de Assuntos Institucionais – Casin para o contencioso cível;

c) determinação de vinculação a processos para defender tese contrária a sua isenção técnica;

d) elaboração de petição por orientação do Sr. Gerente, apesar da discordância da autora;

e) determinação para adoção de medidas em processos da CVM, com prazo vencido;

f) e determinação de renúncia de mandato, tendo como outorgante o advogado Deusdedith Freire Brasil, nos autos da Ação Civel Pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho contra o reclamado, onde aquele advogado se destaca como assistente litisconsorcial.

Para arrematar, pretende também a autora que sejam garantidas as suas prerrogativas de advogada, as quais não podem desbordar em ameaça de dispensa.

2. Por todos aqueles fatos, reivindica, em caráter liminar, a antecipação de tutela, para que cessem os atos considerados de assédio moral, anteriormente relacionados, afora na hipótese de descumprimento, seja estabelecida multa cominatória ao dia de R$100.000,00. E por último, a condenação do reclamado em R$2.000.000,00 pelo ato ilícito, que originou o dano moral a trabalhadora.

3.Passo ao exame das questões.

Dos documentos apresentados pela reclamante, aquele que realmente me chamou a atenção, e que materializou a exata medida do assédio moral a que a reclamante vem sofrendo, se contra no documento de fls. 107/108, que se refere a troca de mensagens eletrônicas entre o advogado Marçal Marcelino da Silva Neto, a advogada Ana Toscano, com a reclamante, onde às fls. 108, o Chefe do Departamento Jurídico relata que continua aguardando a manifestação final da advogada Patrícia acerca do patrocínio dos interesses do advogado Deusdedith Brasil, mensagem essa encaminhada a advogada Ana Toscano, a qual por sua vez, informou a reclamante a exigência daquela Chefia, e que ainda não havia ocorrido pelo fato da reclamante estar gozando um dia de abono. Posteriormente, a reclamante referenciou à advogada Ana Toscano se se tratava da renúncia de mandato outorgado pelo advogado Deusdedith Freire Brasil na Ação Civil Pública nº 293-2006-012, o que foi confirmado pela advogada Ana Toscano com a resposta “sim”.

Como se pode ver, pelas mensagens eletrônicas às fls. 107/108, houve a determinação por parte da Chefia do Departamento Jurídico do reclamado, de forma indireta, para que a reclamante renunciasse a procuração que lhe havia sido outorgada. Tal determinação, mesmo realizada a advogada empregada, retira-lhe a independência profissional, justamente aquela protegida no caput do art. 18 da Lei nº 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia.

Aliás, registre-se que a reclamante além de advogada empregada do reclamado, também é, na mesma condição, e em época anterior, do Escritório Deusdedith Brasil Advocacia S/C (fls. 55). Esse aspecto, a principio, poderia implicar em conflito na defesa, porém não se percebe das mensagens eletrônicas, tal circunstância.

Também merece abordar o aspecto de que a demonstração pela reclamante de mensagem eletrônica de natureza privada, elevaria a principio prova ilícita, no entanto vejo que a autora apresentou o documento justamente para demonstrar o assédio moral que vem sofrendo, bem como, o desrespeito as suas prerrogativas profissionais, e essas circunstâncias não revelam quebra de sigilo, como bem entende o TST no Acórdão de nº 1564-ROMS Nº 11134/90, que embora se refira a gravação telefônica, também tem o mesmo alcance para a hipótese dos autos:

“GRAVAÇÃO TELEFÔNICA. A aceitação do processo judiciário do trabalho, de gravação de dialogo telefônico mantido pelas partes e oferecida por uma delas, como prova para elucidação de fatos controvertidos em Juízo, não afronta suposto direito líquido e certo da outra parte, a inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas, porque essa garantia se dá em relação a terceiros, e não aos interlocutores. Recurso Ordinário a que se nega provimento para ser confirmado o Acórdão regional que negou a segurança requerida.”

É importante ressaltar, que as mensagens eletrônicas, representam uma derivação das telefônicas, e consistem na captação da comunicação feita por um dos comunicadores, no caso com conhecimento de todos, no entanto fora da disciplina jurídica da Lei nº 9.296/96, como ainda da proibição do art. 5º, inciso XII da Constituição Federal/88, e desse modo, com efeito de prova lícita, podendo ser produzida sem necessidade de prévia autorização judicial.

Com a aceitação do dialogo entre a reclamante e os demais prepostos do reclamado, para efeito de demonstração do assédio moral, agregam-se em proteção das prerrogativas do profissional da advocacia, o fato de que a sua atividade embora no âmbito privado, possui feições de serviço público, constituindo com a Magistratura e membros do Ministério Público, elemento indispensável à administração da Justiça, como bem ensina o art. 68 do Estatuto da Advocacia. Tanto isso é verdade que o STF já decidiu que a presença do advogado no processo, constitui fato inequívoco de observância e respeito as liberdades públicas e aos direitos constitucionalmente assegurado as pessoas.

Em outras linhas, o advogado representa elemento imprescindível à concretização das garantias instituídas pela ordem jurídica (STF 1ª Turma – Petição nº 1127-9/SP- Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU de 1º.04.1996, pag. 9.817).

E mais ainda, a regra do art. 14 do CPC, impõe aos profissionais do direito, como obrigação processual, e não faculdade, o comportamento ético, e a imposição por via transversa, de renúncia, fere de morte a prerrogativa profissional. Tanto que mais uma vez o STF, nessas circunstâncias, se pronunciou através do MS-23.476-DF- Rel. Min. Celso de Mello, DJU, de 03.02.02, ao redacionar que “o Poder Judiciário não pode permitir que se cale a voz do advogado, cuja atuação, livre e independente, há de ser permanentemente assegurada pelos juízes e pelos Tribunais, sob pena de subversão das franquias democráticas e de aniquilação dos direitos do cidadão.”

4. Portanto, tendo por ponto culminante, a imposição de renúncia de mandato, vejo que presente a prova inequívoca essencial ao deferimento da liminar, como antecipação de tutela, e pelo principio da verossimilhança, também vejo que os demais fatos relatados pela autora, agasalham um fundo de verdade, na medida em que quem pode mais, pode menos, sobretudo diante do poder diretivo do empregador, daí porque determino ao reclamado:

a) que se abstenha de assediar moralmente a reclamante para renunciar mandato que lhe foi outorgado por Deusdedith Freire Brasil e/ou qualquer outro cliente;

b) que se abstenha de assediar moralmente a reclamante para produzir peças jurídicas contra a ética e a lei;

c) que se abstenha de assediar moralmente a reclamante para proceder contra os interesses normativos e regimentais da instituição financeira que representa;

d) que se abstenha de assediar moralmente a reclamante para proceder de maneira a beneficiar determinado empregado, sem estender o mesmo benefício aos demais na mesma situação, com quebra ao principio da igualdade;

e) que se abstenha de assediar moralmente a reclamante, em patrocínio de processos, a lhe exigir mudança de tese jurídica, apesar dessa já haver anteriormente se manifestado contra conduta que lhe impõe o reclamado pela Gerência Jurídica;

f) que se abstenha de assediar moralmente a reclamante, determinando que produza peças jurídicas, com prazo vencido, para a Gerência Jurídica, como exemplo, aquele decorrente do Termo de Compromisso do CVM e nos processos 107-2007-009-08 e MS 066-2007-000-08;

g) que se abstenha de assediar moralmente a reclamante de demissão, se acaso não forem atendidas as pretensões da Gerência Jurídica, ainda que em prejuízo do Banco;

h) que se abstenha de assediar moralmente a reclamante malferido as suas prerrogativas profissionais de advogada, tais como isenção, independência e autonomia técnica;

i) que se abstenha de assediar MORALMENTE, com ações de humilhar, de perseguir, de constranger, e de atropelar as prerrogativas profissionais da reclamante.

5. Expeça-se mandado da tutela antecipada deferida liminarmente, arbitrando-se a multa diária de R$100.000,00 para a hipótese de haver desobediência para qualquer das determinações anteriores, com o valor revertido em favor da reclamante.

6. Dê-se ciência às partes.

7. Cumpra-se, encaminhando-se o Mandado com brevidade à Central de Mandados.

8. Após, aguarde-se a audiência de instrução e julgamento.

SUENON FERREIRA DE SOUSA JÚNIOR

Juiz Federal do Trabalho Titular da

MMª 2ª V

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