Era digital

As controvérsias do peticionamento eletrônico

Autor

  • Alexandre Atheniense

    é advogado pesidiu a Comissão de Tecnologia da Informação do Conselho Federal da OAB e é coordenador do curso de Pós Graduação em Direito de Informática da ESA OAB-SP.

26 de dezembro de 2007, 23h00

O peticionamento eletrônico é um dos serviços preconizados pela Lei do Processo Eletrônico (11.419/06) que no ano 2008 se afigura como principal benefício imediato capaz de propiciar conforto e gerar considerável economia para os advogados, embora já esteja sendo utilizado em alguns Tribunais causando algumas controvérsias quanto a admissão após o período de atendimento presencial.

Esta funcionalidade trata-se, da possibilidade de encaminhar petições pela internet, agora sem a necessidade de protocolar os originais em papel a posteriori, como eram previsto na Lei 9.800/99 também conhecida pela Lei do fax.

Esta lei foi a primeira norma na legislação pátria a admitir o uso das tecnologias da informação para comunicação de atos processuais devendo ser considerada como marco inicial da informatização processual no país.

Segundo a regra até então vigente, sempre haveria a necessidade da juntada do papel como peça processual após a transmissão eletrônica por fax, cabendo ainda ao requerente entregar os originais em juízo até cinco dias após o termino do prazo.

Posteriormente à Lei 9.800/99, foi promulgada a Lei 10.259/01 que instituiu os Juizados Especiais Federais e trouxe diversos dispositivos visando à informatização do processo naqueles órgãos. Como novidade até então, destacava-se a utilização de sistemas informáticos para a recepção de peças processuais, sem exigência da apresentação dos originais em meio físico, condicionado o envio ao acesso mediante senhas obtidas no próprio site do respectivo Tribunal.

Ainda em 2001, foi promulgada a medida provisória 2.200-2, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), conferindo presunção de validade jurídica aos documentos eletrônicos assinados digitalmente com certificados digitais emitidos por Autoridades Certificadoras credenciadas pela ICP-Brasil.

Posteriormente, a Lei 11.419/06 tornou obrigatória a assinatura digital nos atos processuais praticados por meio eletrônico, prevendo duas alternativas de assinatura eletrônica, seja baseada em certificado digital ou mediante cadastro por login e senha de usuário cadastrado no Poder Judiciário conforme disciplinado pelos respectivos órgãos (artigo1º, parágrafo 2º, inc.III, “a” e “b”).

Ao nosso ver, a manutenção no texto da lei 11419/06, da modalidade de protocolo de petições valendo-se da autenticação do requerente apenas em senhas e sem o uso da certificação digital para garantir a integridade na transmissão dos dados, irá representar a possibilidade de sérias vulnerabilidades, pois não haverão meios capazes de aferição se os dados que foram enviados por meio eletrônico tenham sido interceptados e alterados sem deixar algum indício de fraude.

Ou seja, desde que a petição que venha a trafegar online sem o uso da criptografia está sujeita a ser modificada sem deixar vestígios que alguma alteração foi efetuada.

Outra questão polêmica quanto ao peticionamento eletrônico na Lei 11.419/06 cinge-se ao credenciamento prévio dos requerentes. Esta exigência, que nunca existiu anteriormente, impõe um ônus desnecessário ao usuário do certificado digital que poderia ser identificado pelo sistema a ser adotado pelo Tribunal sendo desnecessário que esta pessoa tivesse que memorizar inúmeras senhas referentes ao número correspondente dos Tribunais que milita.

Além disso, quem deverá efetuar o cadastro de cada grupo de usuários que atua na Justiça deverá ser sempre a entidade de classe que os representa. Desta forma, os advogados deveriam ser cadastrados pela OAB, os procuradores de Ministério Público e os magistrados e jurisdicionados pelo Tribunal. A centralização do cadastramento para acesso a Justiça Eletrônica apenas no Poder Judiciário é temerária, pois, não há garantia que o acesso será mantido gratuito futuramente.

Suspeito que no momento em que o tráfego de usuários online aumente consideravelmente e demande o aporte de investimentos de estrutura, o valor deste desembolso seja repassado aos atores processuais que dependerão desta senha para ter acesso a acesso a Justiça Eletrônica. Este é um sério risco que não se afigura no atual modelo de gestão da Justiça Brasileira.

A lei alterou as regras e horários para o protocolo de petições, prolongando até o término das 24 horas do dia em que se findar o cumprimento do prazo processual o prazo que antes estava limitado ao término do expediente forense presencial. Ressalte-se, que for criado o horário de expediente forense online.

Outra inovação pauta-se na exigência de que no ato do envio do protocolo das petições a transação eletrônica será comprovada mediante a obrigatoriedade do fornecimento de um recibo simultâneo a realização (artigo 3º e artigo 10º), contendo as mesmas informações exigidas no processo tradicional, ou seja, os dados sobre o nome do juízo, a natureza do feito, o número de seu registro, os nomes das partes e a data e hora da sua realização.

Porém esta facilidade vem gerando divergências de interpretações nos Tribunais, como podemos observar no recente acórdão do TRT da 2ª Região que, em sede de Embargos Declaratórios, decidiu considerando intempestivo o protocolo após o expediente presencial.

Depreende-se da decisão: “a petição de embargos de declaração foi enviada a Corte pelo Sistema de Peticionamento Eletrônico (Internet) em 10/09/2007, último dia do prazo para a sua interposição, às 23h22, portanto, após o encerramento do expediente regulamentar (artigo 276 do Regimento Interno do TRT da 2ª Região então em vigor), pelo que afiguram-se intempestivos os embargos declaratórios”. Nota-se que tal acórdão é totalmente discrepante do que versa a Lei 11.419/2006, mas é fundamentado no Regimento Interno do Tribunal, que conseqüentemente ofende preceito da hierarquia das leis.

Em contrapartida, a 8a. Turma do TRT da 3a. Região deu provimento a agravo de petição declarando tempestivos embargos à execução protocolizados pela internet por meio do sistema e-doc às 23h 12 minutos do último dia do prazo legal. No voto da relatora infere-se que:

“Havendo legislação ordinária a tratar especificamente da matéria, não prevalece a Instrução Normativa 28, do TST, nem a antiga Instrução Normativa 3/2006, deste TRT, anteriormente editadas para regularizar o sistema integrado de protocolização e fluxo de documentos eletrônicos da Justiça do Trabalho” — pontua. A relatora citou ainda os artigos 8° e 10º, § 1°, que dispõem sobre a informatização dos processos judiciais: “Quando o ato processual tiver que ser praticado em determinado prazo, por meio de petição eletrônica, serão considerados tempestivos os efetivados até as 24 horas do último dia”.

Como se vê os Tribunais ainda vacilam quanto a adoção da nova lei diante da prévia regulamentação existente. Vários órgãos do Poder Judiciário vem disciplinando o procedimento do peticionamento eletrônico, dentre os quais o TST com a Instrução Normativa 30/2007, o STJ com a Resolução 2 e 9 de 2007 e o STF com a recente Resolução 350, de 29 de novembro deste ano.

Uma dúvida sobre o peticionamento eletrônico que prescinde ser regulamentada foi suscitada no recém distribuído Procedimento de Controle Administrativo suscitado pelo Conselho Federal da OAB contra regulamento do TRT do Pará que tornou obrigatório o peticionamento eletrônico. Caberá ao CNJ decidir se o sistema eletrônico deverá ser exclusivo, em detrimento de todos os demais meios de tradicionais da prática do ato de protocolo, ou se permanecerão as alternativas cumulativamente.

Entendemos que o pressuposto básico para a implantação dos procedimentos processuais por meio eletrônico deverá ser obrigatoriamente proporcionar conforto aos jurisdicionados sem entrar em choque com situações precárias de estrutura de acesso a internet que ainda são comuns em certos locais do Brasil. Por este motivo é recomendável cautela no momento de transição para que seja adotado, ainda que temporariamente os dois meios de prática processual, presencial e eletrônico, cabendo ao requerente a escolha daquele que melhor lhe convier.

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    é advogado em Belo Horizonte, presidente da Comissão de Tecnologia da Informação do Conselho Federal da OAB e coordenador do curso de Pós Graduação em Direito de Informática da ESA OAB-SP.

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