Descanso punitivo

Projeto acaba com aposentadoria como pena disciplinar contra juiz

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26 de dezembro de 2007, 12h50

Juizes poderão ter a aposentadoria extinta em caso de quebra de decoro. A medida faz parte da Proposta de Emenda à Constituição 178/07, do deputado Raul Jungmann (PPS-PE). A PEC já está tramitando na Câmara dos Deputados.

“A aposentadoria compulsória, como pena disciplinar, somente persiste como anacronismo e escárnio. Longe de significar a efetiva punição do magistrado corrupto, sua concessão afronta à sociedade e à moralidade administrativa”, afirma Jungmann na justificativa da PEC.

O deputado ressalta que a proposta não prejudica o exercício do direito de defesa do juiz acusado. “A possibilidade de decretação da perda de cargo, assegurada a ampla defesa, em nada reduz as garantias assinaladas pela Constituição, pois qualquer lesão a direito subjetivo do acusado poderá ser levada a exame jurisdicional.”

A Agência Câmara informa que a proposta será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça. Se aprovada, deve ser votada por uma comissão especial, antes de seguir para a votação do Plenário, em dois turnos. Para sua aprovação, são necessários os votos de três quintos dos deputados.

O presidenteda seccional fluminense da OAB, Wadih Damous, comemorou o projeto. “A pena para juiz comprovadamente corrupto deve ser a perda definitiva do cargo desonrado, assegurada a ampla defesa do magistrado acusado. Remunerar

o juiz que tenha praticado ilícito tão grave — caso da aposentadoria compulsória — significa, na verdade, premiar a conduta tipificada como ímproba e traduz injustificável privilégio concedido à magistratura. Com tais ressalvas, a PEC 178/07 merece a pormulgação do Congresso Nacional.”

Leia a proposta

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO

(do Sr. Raul Jungmann e Outros)

Dá nova redação aos artigos 93, 95 e 103-B, da Constituição Federal, para vedar a concessão de aposentadoria como medida disciplinar e estabelecer a perda de cargo de magistrado nos casos de quebra de decoro.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3° do art. 60 da Constituição Feder al, promulgam a seguinte Emenda à Constituição:

Artigo 1º. O artigo 93 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 93.

VI – a aposentadoria dos magistrados, que em nenhuma hipótese terá caráter disciplinar, bem como a pensão de seus dependentes, observarão o disposto no art. 40;

VIII – o ato de remoção e disponibilidade do magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa; “NR”

Art. 2° O art. 95 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 95 § 1º Aos juizes é vedado, sob pena de perda do cargo:

VI – atentar contra a dignidade, a honra e o decoro de suas funções. (NR)”

Art. 3° O inciso III do § 4º do art. 103-B da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 103-B.

III receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a perda do cargo e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; (NR)”.

Justificativa

A sociedade brasileira tem testemunhado, estarrecida, a impunidade de magistrados que, acusados da prática de atos de corrupção ou de improbidade e cuja culpa foi comprovada após a devida apuração administrativa, foram pretensamente punidos com a concessão da pena disciplinar de aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.

Provoca escândalo e perplexidade o fato de que aquele que usurpou de suas competências, desonrou o Poder Judiciário, e promoveu o descrédito da Justiça, seja agraciado com a concessão, à guisa de punição, de um benefício pecuniário, suportado por toda a sociedade.

A Constituição de 1988 adotou a regra da responsabilização penal, civil e administrativa dos agentes públicos por atos praticados no exercício de suas funções. E o fez assegurando, paralelamente, um estatuto de direitos e garantias dos servidores públicos, concedendo-lhes, entre outras, a estabilidade no cargo (artigo 41, §1º, CF); a irredutibilidade dos vencimentos (art. 7º, IV, CF); e regime previdenciário próprio (art. 40, CF).

No caso dos magistrados, as garantias para o exercício de suas competências se avultam. Para assegurar-lhes a independência e imparcialidade necessárias são-lhes conferidos direitos e prerrogativas especiais: a garantia de inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público; a irredutibilidade de subsídio e, destacadamente, a vitaliciedade, que se adquire após dois anos de exercício efetivo, em se tratando de juízes de primeira instância (artigo 95, I, CF) e de imediato, em se tratando de magistrados que compõem os Tribunais Superiores ou os Tribunais estaduais e federais. Todavia, a toda evidência, as garantias constitucionais não podem amparar aqueles que atuam em desconformidade com o direito.


Como agentes políticos, os magistrados são dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, fazendo jus a prerrogativas próprias e legislação específica (RE 228.977). A conformação de um Estatuto da Magistratura deve constar de lei complementar cuja iniciativa privativa é atribuída pela Constituição ao Supremo Tribunal Federal (artigo 93, caput, CF).

Atualmente, vige a LC 35/1979, conhecida como Lei Orgânica da Magistratura Nacional — LOMAN, editada sob a égide da ordem constitucional anterior, mas recepcionada pela Constituição de 1988.

A LOMAN estabelece seis penas disciplinares, graduadas segundo a gravidade da ofensa à ordem jurídica e à dignidade do cargo: advertência; censura; remoção compulsória; disponibilidade com vencimentos proporcionais por tempo de serviço; aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais por tempo de serviço; e demissão (art. 42, LC 35/1979).

Por serem aplicáveis às infrações mais graves, destacam-se as penas de disponibilidade, aposentadoria compulsória e demissão. A disponibilidade, que à semelhança da remoção pode ter caráter disciplinar ou não, mantém o juiz vinculado ao Tribunal a que pertence, afastando-o, porém, da atividade judicante, à qual poderá retornar a qualquer momento, a critério discricionário do Tribunal. Caso seja aplicada com caráter punitivo, o magistrado em disponibilidade perceberá vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, enquanto perdurar tal condição. Nesse caso, o tempo de disponibilidade não será computado para efeito de aposentadoria e o magistrado punido somente poderá pleitear seu reaproveitamento após dois anos do afastamento (art. 56, §§ 1º e 3º, LC 35/1979). Se motivada por razões de natureza não disciplinar, os proventos serão integrais.

Já a controversa aposentadoria compulsória, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, está prevista no inciso V do artigo 42, c/c art. 56, da LOMAN, como pena aplicável ao magistrado: a) manifestadamente negligente no cumprimento dos deveres do cargo; b) cuja conduta revelar-se incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções; c) que demonstrar escassa ou insuficiente capacidade de trabalho; ou, ainda, d) cujo proceder funcional seja incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário.

Nesses casos, o magistrado com tempo suficiente para aposentar-se é afastado compulsória e definitivamente, recebendo proventos proporcionais ao tempo de serviço.

Ambas as sanções — disponibilidade e aposentadoria compulsórias — são passíveis de imposição administrativa, por decisão da maioria absoluta dos membros do tribunal ou do Órgão Especial. Registre-se aqui o avanço promovido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que reduziu o quorum da decisão de dois terços dos membros para maioria absoluta, assegurada a ampla defesa.

Igualmente, tais sanções também podem ser impostas pelo recém criado Conselho Nacional de Justiça, órgão de natureza administrativa (ADI 3367), a quem compete exercer o controle administrativo, financeiro e disciplinar (art. 93, VIII, CF, com redação dada pela EC º 45/2004), excetuada, no entanto, a aplicação da pena de perda do cargo.

A perda do cargo, por expressa determinação constitucional, está circunscrita a duas hipóteses: durante o período de aquisição do vitaliciamento, a perda do cargo dependerá de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado (art. 95, I, CF; art. 47, LC nº 35/1979).

A disciplina constitucional coincide com o disposto no texto do art. 26 da LOMAN, que estabelece a perda do cargo por ação penal por crime comum ou de responsabilidade; ou em procedimento administrativo, nos casos de:

a) exercício, ainda que em disponibilidade, de qualquer outra função, salvo um cargo de magistério; b) recebimento, a qualquer título ou pretexto, de percentagens ou custas em processos sujeitos a seu despacho ou julgamento; e c) exercício de atividade-político partidária.

Buscando superar as insuficiências da lei complementar, a EC 45/2004 criou duas novas vedações incidentes sobre os magistrados. Dessa forma, o parágrafo único do artigo 95 da CF proíbe aos juízes: I – exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; II – receber, custas ou participação em processo; III — dedicar-se à atividade político-partidária; bem como, IV – receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; e V exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.

Do exposto, conclui-se que, no âmbito administrativo, a punição mais grave a que se pode submeter o juiz que, por exemplo, descumpriu com seus deveres, praticou tráfico de influência, vendeu sentenças ou participou ativamente de organização criminosa, é a aposentadoria compulsória, eis que o magistrado vitalício somente perderá o cargo por decisão judicial transitada em julgado.


Tal situação afronta a moralidade administrativa e desampara a sociedade. A alteração normativa aqui proposta visa impedir a possibilidade de concessão de aposentadoria como pena disciplinar e, reflexamente, inclui entre as causas suficientes para ensejar a perda do cargo, a conduta incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções, hoje já prevista no rol das hipóteses que motivam a aplicação da pena de aposentadoria compulsória.

Além disso, permite a imposição da pena de perda do cargo em sede de processos administrativos, aproximando-se assim, do regramento a que se submetem os demais servidores públicos (art. 22, Lei 8112/1990), e permitindo sua decretação também em processo administrativo disciplinar perante o Conselho Nacional da Magistratura.

A saudada EC 45/2004 frustrou a esperança de que se afastasse o privilégio da pena de aposentadoria compulsória, acolhendo-o, expressamente, na redação do art. 103-B, da Constituição, o qual incluiu, entre as atribuições do Conselho Nacional de Justiça, avocar, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais e aplicar outras sanções administrativas.

Todavia, cabe aqui resgatar o registro de que a perda do cargo mediante decisão administrativa estava prevista no texto da proposta de emenda constitucional PEC 96/1992, aprovada pelo Plenário da Câmara dos Deputados. Contudo, o texto foi suprimido quando da tramitação legislativa no Senado Federal. Agora, serenados os ânimos que em intenso debate lograram aprovar o tão aguardado texto da Emenda promulgada após mais de uma década de tramitação legislativa, a nova Legislatura eleita para compor a Câmara dos Deputados e expressar a vontade popular e democrática, deve ter a oportunidade de retomar a discussão acerca da combatida aposentadoria com caráter disciplinar.

É inegável que a Reforma do Judiciário, impulsionada pela EC nº 45/2004, promoveu muitos avanços no sentido de democratização e controle do Poder Judiciário. O Conselho Nacional de Justiça tem tido atuação digna de apoio e aplausos no sentido da apuração de denúncias contra magistrados. O relatório finalde gestão referente aos primeiros dois anos de atuação do Conselho Nacional de Justiça (2005-2007) informa que se encontram em curso nos tribunais mais de 1500 ações disciplinares destinadas a apurar denúncias contra magistrados, servidores da Justiça e titulares de cartórios.

Em todo Brasil, foram abertas mais de 5000 inquéritos disciplinares nos anos de 2005 e 2006, e punidos 140 integrantes do Judiciário. No mesmo período, o próprio Conselho instaurou 2000 processos administrativos disciplinares. Todavia, ainda que tais números traduzam um expressivo aumento de 60% no numero de processos instaurados, em comparação ao biênio anterior, a sociedade brasileira, entristecida e inconformada, confronta-se com a jocosa e branda punição — a mais grave, alega-se! — a que se submete o magistrado acusado da prática de ilícitos penais da maior reprovabilidade.

Em conseqüência, o desgaste institucional se agudiza e se prolonga na espera de uma eventual condenação criminal, e o esforço hercúleo daqueles que zelam pela integridade do Poder Judiciário, combatendo o corporativismo e a tradição de impunidade, perde-se diante da falta de um instrumento efetivo e célere de punição, à semelhança do regime dos demais servidores públicos, para os quais a pena de perda do cargo pode ser imposta administrativamente.

Ora, a punição aplicada nesses casos não deve apenas representar o afastamento definitivo do magistrado corrupto, como decorre da aposentadoria compulsória. O afastamento não é o bastante: a punição necessita consistir na manifestação expressa do órgão judicial no sentido do absoluto repúdio a tais condutas criminosas perpetradas por seus integrantes, os quais recebem a esperança da população em seu mister de distribuição da justiça, e dos quais se exige atuar como garantes das instituições democráticas e do direito.

A conduta de maus magistrados provoca a erosão da credibilidade do Poder Judiciário e das instituições. É, portanto, salutar e imprescindível que o Tribunal possa, precisamente nesta condição de órgão administrativo e correicional, manifestar seu profundo repúdio à conduta desonrosa e ilícita, e exclua de seus quadros, por ato próprio, o magistrado improbo.

Se a conduta imprópria e, por vezes, ilícita, é de tal gravidade que justifica o afastamento definitivo do magistrado, deve-se inferir que este não reúne condições para exercício do mister que lhe foi conferido e para o qual foram-lhe concedidas, pela Constituição e em legislação especial, as prerrogativas exorbitantes do regime jurídico único dos demais servidores públicos. Aferido em processo administrativo, onde lhe foi assegurada ampla defesa, a culpabilidade e a reprovabilidade de sua conduta, a conseqüência lógica deve ser sua expulsão dos quadros da corporação judiciária.

A possibilidade de decretação da pena de perda do cargo em sede de processo administrativo disciplinar, assegurada a ampla defesa, em nada reduz as garantias assinaladas pela Constituição para o exercício da prestação jurisdicional de forma plena, livre e independente, eis que qualquer lesão a direito subjetivo do acusado, poderá ser levada a exame jurisdicional (art. 5º, XXXV, CF). Porém, a partir da alteração que aqui se propugna, os órgãos encarregados da apuração e punição das infrações disciplinares, inclusive o Conselho Nacional de Justiça, poderão excluir de seus quadros o magistrado que abusou de suas prerrogativas e garantias. Tal autorização fortalece o Poder Judiciário e seus órgãos correicionais, não apenas intra muros, mas também perante a população.

A aposentadoria compulsória como pena disciplinar somente persiste como anacronismo e escárnio. Longe de significar a efetiva punição do magistrado corrupto ou improbo, sua concessão afronta à sociedade e à moralidade administrativa. Por essas razões, apresentamos a presente Proposta de Emenda à Constituição, que visa propiciar à presente Legislatura a oportunidade de reexame lúcido e inadiável desse tema, dando continuidade aos avanços já iniciados com a aprovação da EC 45/2004.

Sala das Sessões, em de de 2007.

Dep. Raul Jungmann

PPS/PE

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