Soberania e política

Mesmo que Itália peça, Brasil não extraditará brasileiros

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26 de dezembro de 2007, 18h45

O Brasil não deve cumprir os mandados de prisão expedidos pela Justiça italiana contra agentes brasileiros, entre militares e policiais, acusados pelo desaparecimento, seqüestros e assassinatos de italianos opositores dos regimes militares da América do Sul na década de 70. Toda a questão gira em torno da soberania do país e da política internacional. Sem contar que todos foram perdoados pela Anistia.

“O país jamais concederia Extradição contra brasileiros. Ainda mais por crimes que aconteceram no Brasil”, afirma o advogado Francisco Rezek, que atuou durante nove anos como juiz na Corte Internacional de Justiça, em Haia, e teve duas passagens pelo Supremo Tribunal Federal. Foi também ministro das Relações Exteriores, do governo Fernando Collor.

À luz do Direito Internacional e da legislação italiana, não é absurdo o decreto de prisão de 140 latino-americanos na Operação Condor, diz. Rezek observa que a Justiça italiana foi ativista ao chamar para si a responsabilidade pelo caso. A sua competência para julgar os acusados pode se justificar com base no princípio da nacionalidade passiva: vítimas italianas e supostos autores latino-americanos.

“Em muitos países existe o ativismo Judiciário. No Brasil não há o costume de pedir extradição. Só processamos os supostos autores se, por acaso, eles passarem pelo país”, afirma. O especialista em Direito Internacional diz que poucos países permitiriam que outra nação atuasse judicialmente contra seus cidadãos em supostos crimes cometidos em seu território.

À imprensa, o ministro da Justiça Tarso Genro confirma a previsão de Rezek, com base em outros argumentos. Diz que brasileiros não podem ser extraditados por princípio constitucional. Segundo ele, a Extradição só cabe quando a pessoa for naturalizada ou em caso de crime comum. Tarso Genro assume que existem diferentes interpretações para esse princípio e o Supremo Tribunal Federal é que deve definir melhor a questão.

O ministro afirmou que o governo brasileiro ainda não recebeu nenhum pedido da Itália e que está disposto a colaborar com as autoridades italianas. Disse ainda, que os dois países mantém tratado de cooperação na área judicial mas que as leis brasileiras não prevêem a extradição de nacionais.

Contra a amnésia

“Não se negligencia impunemente com a história.” A afirmação é do presidente nacional da OAB, Cezar Britto, ao comentar a decisão do Tribunal Penal de Roma que expediu mandado de prisão contra 146 pessoas que teriam participado do comando dos regimes militares da América do Sul entre as décadas de 70 e 80 e que teriam integrado a Operação Condor. Entre os acusados, estão 13 brasileiros.

“A recusa sistemática do Estado brasileiro em pôr a limpo o que se passou no período da repressão política, nas décadas de 60 a 80, nos expõe agora ao constrangimento de uma censura externa para a qual não temos defesa moral”, disse Britto.

Britto apoiou a decisão e afirmou: “a Justiça italiana fez o que há muito nos cabia fazer: mostrou a presença de feridas não cicatrizadas em nossa memória. Para que cicatrizem, é preciso que se saiba como foram abertas”. E completou: “aos que invocam a Lei de Anistia como argumento para manter debaixo do tapete o lixo da história, respondemos que anistia não é amnésia”.

Contra a Extradição e apesar da anistia, o senador Cristóvão Buarque (PDT-DF) defende que os crimes devem ser apurados no país. À Agência Senado declarou que vai propor à Comissão de Direito Humanos uma discussão sobre o assunto. “Não acho que o Brasil deva extraditá-los, por questão de soberania. Entretanto, para que esse ato legal de soberania fique legítimo, é preciso que se abra o processo aqui dentro. Uma coisa é a legal, da soberania; outra é a impunidade.”

Ditadura chilena

Francisco Rezek conta que as recentes acusações no caso da Operação Condor lembra o processo contra o ditador chileno Augusto Pinochet, que corria na Justiça da Espanha. Ele era acusado por crimes de genocídio, terrorismo e torturas, com base em denúncias de familiares de espanhóis desaparecidos no Chile durante seu governo, de 1973 a 1990.

O juiz espanhol Baltasar Garzón sabia que a Justiça chilena não atenderia ao pedido de Extradição de Pinochet. Aproveitou que ele estava em Londres para tratamento médico, em outubro de 1998, e decretou a sua prisão com base no princípio da nacionalidade passiva. Pinochet foi preso pela Scotland Yard. Depois, em uma decisão dividida, os cinco membros da Câmara dos Lordes — Corte Suprema do Reino Unido — decidiram que o juiz espanhol não tinha competência para decretar a prisão do chileno. Pinochet voltou ao Chile, onde permaneceu até sua morte em dezembro de 2006.

Repressão

Os pedidos de prisão atingem cidadãos dos seis países, todos suspeitos de terem sido cúmplices no assassinato de 25 italianos a partir da década de 1970. Entre os 13 brasileiros acusados, alguns já morreram, como o ex-presidente da República João Figueiredo, seu irmão Euclides Figueiredo Filho e o ex-ministro do Exército Walter Pires. Também fazem parte da lista o general Octávio Medeiros, ex-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI); Edmundo Murgel, ex-secretário de Segurança do Rio; general Antônio Bandeira, ex-comandante do 3° Exército; general Henrique Domingues; coronel Luís Macksen de Castro Rodrigues.

Segundo notícia do Correio Braziliense, apenas quatro brasileiros estão vivos: João Leivas Job, ex-secretário de Segurança do Rio Grande do Sul, o ex-delegado Marco Aurélio da Silva Reis (chefe do Dops), o coronel Carlos Alberto Ponzi, que chefiou o Serviço Nacional de Informações (SNI) no Rio Grande do Sul, e Átila Rohrsetzer, ex-diretor da Divisão Central de Informações (DCI).

[Texto alterado com novas informações às 20h27]

Veja a nota do presidente da OAB

“Não se negligencia impunemente com a História.

A recusa sistemática do Estado brasileiro em pôr a limpo o que se passou no período da repressão política, nas décadas de 60 a 80, nos expõe agora ao constrangimento de uma censura externa para a qual não temos defesa moral.

A Justiça italiana fez o que há muito nos cabia fazer: mostrou a presença de feridas não cicatrizadas em nossa memória. Para que cicatrizem, é preciso que se saiba como foram abertas.

E só a verdade é capaz de fazê-lo.

A OAB tem defendido obstinadamente, ao longo do tempo, o cabal esclarecimento de todas as mazelas perpetradas pelo regime ditatorial de 1964. Aos que invocam a Lei de Anistia como argumento para manter debaixo do tapete o lixo da História, respondemos que anistia não é amnésia. Impede a responsabilização penal de determinados delitos, mas não que os conheçamos – e os censuremos.

Um país que não conhece sua história corre o risco de repeti-la – sobretudo quanto aos seus erros. Temos desprezado esse princípio elementar, e o resultado é que a América Latina reincide com freqüência na ilusão autoritária, que perpetua o atraso e torna a política campo de ação atraente aos aventureiros da pior espécie.

Que esse episódio nos sirva de lição – e de estímulo para que nos reencontremos com nossa própria História.”

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