Retrospectiva 2007

Ano de 2007 foi de estagnação no Direito Internacional

Autor

  • Francisco Rezek

    é advogado professor ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal ex-chanceler da República e ex-juiz da Corte Internacional de Justiça das Nações Unidas.

26 de dezembro de 2007, 12h47

Este texto sobre Direito Internacional faz parte da Retrospectiva 2007, série de artigos em que são analisados os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.

É provável que já no ano próximo este cenário comece a mudar, mas 2007 foi um tempo de estagnação dentro da grande crise que se abateu sobre o Direito Internacional e sobre as Nações Unidas na virada do século. Ao longo do ano que termina o quadro não se deteriorou ainda mais, decerto pela impossibilidade lógica de deteriorar-se, mas não começou tampouco esse esperado processo de redenção do Estado de Direito na cena internacional.

A ideologia e os métodos da “guerra contra o terrorismo” separam hoje os países que apostam no sucesso da política de poder e aqueles que entendem que não há salvação fora do Direito. Para estes últimos, a arbitrariedade não tem como criar situações seguras, e o medo há de ocupar constantemente, no espírito dos que investiram na violência e baratearam a vida humana, o lugar do remorso que não conseguem sentir.

Não adianta, por exemplo, despender eternamente recursos públicos na defesa, pelas armas, de uma fronteira arbitrária, a pretexto de torná-la segura. Todos os muros caem um dia, não antes de desmoralizar e infamar seus construtores. Maurice Duverger ensinou há mais de 40 anos que a única fronteira totalmente segura é aquela que os países envolvidos tenham, de modo honesto e livre, negociado e aceito em comum. Uma fronteira assim não precisa de vigilância: ela se impõe pela autoridade do direito, uma autêntica e duradoura autoridade. Isto lembra a lição de Hannah Arendt, para quem a autoridade é algo que prescinde da imposição pela força, que se impõe à obediência por um valor diferente de toda forma exterior de coerção: “…ali onde a força é empregada, a autoridade propriamente dita fracassou”.

As fronteiras, as intervenções, as ocupações territoriais e, de modo amplo, todas as situações internacionais impostas pela força serão sempre inseguras, não importa o aparato militar que se empregue para protegê-las. A opção pelo direito, além de todas as suas outras virtudes, é econômica.

Quando o Conselho de Segurança das Nações Unidas mostrava um confronto permanente entre dois extremos ideológicos que eram ao mesmo tempo dois grandes núcleos de poder real, suas forças se neutralizavam mutuamente e o resultado era certo equilíbrio não só na ação do Conselho, mas na própria concepção do direito à luz do qual os rivais coexistiam em paz.

Hoje não há mais que um núcleo de poder real, e ele não consiste exatamente num estado único, mas num grupo homogêneo de países pós-industriais que compartilham os mesmos interesses vitais e as mesmas prioridades, que identificam sem grande constrangimento a respectiva liderança, que têm consciência da força que sua união representa e ao mesmo tempo da dimensão dos problemas externos que, mesmo unidos, eles não têm qualidade para resolver, se é que têm vontade de fazê-lo.

Este é ainda um momento depressivo para a comunidade internacional e para a Organização das Nações Unidas. Mas quem hoje lançasse um olhar esperançoso à linha do horizonte veria talvez os primeiros sinais, já no decurso do ano novo, da abertura de um novo tempo, o da construção do Estado de Direito nesta sofrida aldeia global.

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