Retrospectiva 2007

Relações de consumo ainda carecem de regulamentação

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24 de dezembro de 2007, 23h01

Este texto sobre Direito do Consumidor faz parte da Retrospectiva 2007, série de artigos em que são analisados os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.

Este ano de 2007 certamente será lembrado pelos grandes “acidentes” de consumo: o apagão aéreo, o leite batizado e os brinquedos perigosos. E eles devem mesmo ser motivos de reflexão. Porém, este não é o único fator importante no momento brasileiro onde se insere o ano de 2007.

O aumento do número de consumidores, por força do desenvolvimento do país e da inclusão social patrocinada pelo Estado, é um dado importante, já que traz uma nova massa de pessoas carentes de proteção e um novo universo de fornecedores com deveres que sequer conhecem.

Como consumidora, não se enquadra apenas a classe média, como costumeiramente nosso subconsciente nos obriga a pensar. Também o cidadão pobre que passou a comprar produtos em “vendinhas” perdidas no interior do país é um consumidor pleno de direitos. E seu fornecedor de obrigações.

Nesse contexto, onde pessoas que não têm sequer acesso a educação, como imaginar a proteção nas relações de consumo? Chama a atenção o caso do leite, onde a fiscalização ocorre (?) distante dos grandes centros. Ali não estão os Procons ou outros agentes importantes de formação de opinião.

Além disso, o mercado destinado à classe média também aumentou significativamente desde a edição do Código de Defesa do Consumidor (CDC). O Brasil abriu suas portas para o mundo. Dá para imaginar quantas pessoas tinha computadores e celulares em 1990, ano da edição do Código? E quantas viajavam de avião? Ou compravam brinquedos importados?

Os grandes incidentes de 2007, alguns dolosos, chamam a atenção para a necessidade de um novo arranjo nos relacionamentos entre fornecedores, consumidores e fiscalização. Não se admite fornecedores relapsos e consumidores oportunistas. Não se concebe órgãos de fiscalização com viés político partidário e eleitoreiro.

Nem promotores que não enxergam o mercado de consumo brasileiro, como proveniente de uma política capitalista da livre iniciativa regulada por normas protecionistas aos mais fracos. Se perde muito tempo discutindo, por exemplo, se é possível cobrar R$ 2 separado numa fatura, para emissão de boleto, sem olhar que, de um modo ou outro, este valor precisará estar no preço do fornecedor. A decisão recente da Anatel referente aos pontos adicionais de TV a cabo é um equívoco! Não ajuda ao consumidor que só tem um ponto.

O Brasil está entrando na era do crédito. A evolução da sua concessão, somada a estabilidade da inflação e a redução gradativa dos juros reais, é tema relevante neste final da primeira década do século 21.

É árduo o trabalho conferido a um Estado carente de recursos: cuidar dos novos consumidores carentes; de fornecedores nascidos de uma estranha cultura amoral que vem dominando o Brasil e ainda rever seus conceitos em fase da evolução do contraditório sistema capitalista brasileiro.

A reorganização do Sistema Nacional de Proteção ao Consumidor precisa ser enfrentada de vez. A questão de competências constitucionais certamente a dificulta, mas não se pode manter o status quo atual com uma quantidade imensa de pessoas que podem atuar na proteção do consumidor, com conclusões pessoais para cada norma legal (lembrar que o Código de Proteção ao Consumidor é norma aberta) que resultam em ações com os pedidos mais diversos. A vulgarização da ação civil pública é uma prova viva disso. Até o fechamento compulsório do Aeroporto de Congonhas foi pedido, sem qualquer análise de fundo!

Mas voltemos ao crédito, porque esta questão é uma das mais relevantes e alavancadoras do mercado de consumo e do desenvolvimento de um país. Junto com ela vem o temido risco do superendividamento. Não há legislação no Brasil sobre esse assunto. Assim, sob o argumento de se fazer justiça, cada um decide como quer, com decisões incompletas e equivocadas. Do outro lado está o temor de se deixar para o Congresso qualquer regulamentação, onde o interesse político há muito suplantou o do justo. Veja-se o projeto de regulamentação do cadastro positivo, tema altamente relevante e importante para a boa gestão do crédito (e que está proibido por decisão judicial), fornecendo instrumento importante para a redução dos juros, empacado no Congresso e sendo ali deturpado e inviabilizado, se mantidas as alterações efetuadas no projeto original.

Mas tantos temas contraditórios trazem uma perspectiva de esperança. A maioria dos consumeristas está preocupada com os riscos do mercado. Sabem que falta alguma regulamentação. Tem conhecimento das conseqüências de soluções remendadas.

A conclusão é que 2007 foi o ano em que aflorou com mais clareza as disparidades nacionais nas questões de consumo e o despreparo do Estado ao tratar dessas políticas, limitado por questões legais que nunca são resolvidas. Este pode ser o sinal para novos caminhos.

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