Troca de regime

STF manda juiz analisar possibilidade de progressão de regime

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25 de dezembro de 2007, 9h51

Cabe ao juiz de primeira instância avaliar, criteriosamente, caso a caso, o preenchimento dos requisitos necessários para progressão de regime para condenado por tráfico de drogas. Com este entendimento, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, afastou a Súmula 691 da corte para determinar ao juiz da primeira instância a avaliação dos requisitos necessários para a progressão de regime para condenado por tráfico. A jurisprudência da corte impede que o STF analise pedido de liminar contra decisão monocrática de tribunal superior.

O pedido de Habeas Corpus foi apresentado pelo advogado de um condenado a três anos por tráfico de drogas. De acordo com os autos, em 12 de fevereiro de 1998, o vigia Rogério Nascimento dos Santos, hoje com 32 anos, foi preso com três saquinhos de cocaína e 16 pedras de crack. Em 30 de junho de 1998, ele ganhou o direito de responder pelo crime em liberdade. Mas em 11 de dezembro de 2001, ficou determinado que ele fosse preso em regime integral fechado.

Em sua decisão, o ministro Celso de Mello ressaltou que o Supremo, em caráter extraordinário, tem admitido o afastamento da Súmula 691 nas hipóteses em que a decisão questionada divirja da jurisprudência predominante da corte ou, então, veicule situações de manifesta ilegalidade ou abuso de poder. Para o ministro, o caso legitima o afastamento da súmula.

O ministro lembrou que o Supremo já reconheceu a possibilidade de progressão de regime para condenados por crime hediondo, mas na mesma ocasião definiu que isso não afasta a competência do juiz de primeira instância para avaliar, em cada caso concreto, os demais requisitos necessários para a concessão ou não de progressão. De acordo com Celso de Mello, o Supremo nada mais fez “senão respeitar a competência do magistrado de primeiro grau para examinar os requisitos autorizadores da progressão”. O ministro afirmou que não cabe ao Supremo o poder de antecipar a concessão do benefício, pois isso representaria “inadmissível substituição” do juízo da execução.

“Em tema de progressão de regime nos crimes hediondos (ou nos delitos a estes equiparados), cabe, ao magistrado de primeira instância, proceder à análise dos demais requisitos, inclusive daqueles de ordem subjetiva, para decidir, então, sobre a possibilidade, ou não, de o condenado vir a ser beneficiado com a progressão para regime mais brando de cumprimento de pena, sendo lícito, ainda, ao juiz competente, se o julgar necessário, ordenar a realização do exame criminológico.”

Leia a decisão

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 93.348-3 SÃO PAULO

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

PACIENTE(S): ROGÉRIO NASCIMENTO DOS SANTOS

IMPETRANTE(S): CÍCERO JOSÉ DA SILVA

COATOR(A/S)(ES): RELATORA DO HABEAS CORPUS Nº 96362 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão emanada de eminente Ministra de Tribunal Superior da União, que, em sede de outra ação de “habeas corpus” ainda em curso no Superior Tribunal de Justiça (HC 96.362/SP), denegou medida liminar que lhe havia sido requerida em favor do ora paciente.

Presente tal contexto, impende verificar, desde logo, se a situação processual versada nestes autos justifica, ou não, o afastamento, sempre excepcional, da Súmula 691/STF.

É que, como se sabe, o Supremo Tribunal Federal, ainda que em caráter extraordinário, tem admitido o afastamento, “hic et nunc”, da Súmula 691/STF, em hipóteses nas quais a decisão questionada divirja da jurisprudência predominante nesta Corte ou, então, veicule situações configuradoras de abuso de poderou de manifesta ilegalidade (HC 85.185/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 86.634-MC/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 86.864-MC/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – HC 87.468/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 89.025-MC-AgR/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – HC 90.112-MC/PR, Rel. Min. CEZAR PELUSO, v.g.).

O exame dos presentes autos, no entanto, evidencia que se verifica, na espécie – considerados os precedentes desta Corte (HC 91.447-MC/RJ, Rel. Min. CARLOS BRITTO – HC 92.458-MC/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 92.477-MC/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES) -, situação legitimadora do afastamento da mencionada restrição sumular.

Passo a examinar o pedido de medida cautelar formulado nesta sede processual. E ao fazê-lo, defiro a pretendida concessão de medida cautelar.

Como se sabe, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 82.959/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, declarou, “incidenter tantum”, a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25/07/1990, afastando, em conseqüência, para efeito de progressão de regime, o obstáculo representado pela norma legal em referência.

Impende assinalar, no entanto, que esta Suprema Corte, nesse mesmo julgamento plenário, advertiu que a proclamação de inconstitucionalidade em causa – embora afastando a restrição fundada no § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90 – não afetará nem impedirá o exercício, pelo magistrado de primeira instância, da competência que lhe é inerente em sede de execução penal (LEP, art. 66, III, “b”), a significar, portanto, que caberá, ao próprio Juízo da Execução, avaliar, criteriosamente, caso a caso, o preenchimento dos demais requisitos necessários ao ingresso, ou não, do sentenciado em regime penal menos gravoso.

Na realidade, o Supremo Tribunal Federal, ao assim proceder, e tendo presente o que dispõe o art. 66, III, “b”, da Lei de Execução Penal (LEP), nada mais fez senão respeitar a competência do magistrado de primeiro grau para examinar os requisitos autorizadores da progressão, eis que não assiste, a esta Suprema Corte, mediante atuação “per saltum” – o que representaria inadmissível substituição do Juízo da Execução -, o poder de antecipar provimento jurisdicional que consubstancie, desde logo, a outorga, ao sentenciado, do benefício legal em referência.

Tal observação põe em relevo orientação jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou em torno da inadequação do processo de “habeas corpus”, quando utilizado com o objetivo de provocar, na via sumaríssima do remédio constitucional, o exame dos critérios de índole subjetiva concernentes à determinação do regime prisional inicial ou pertinentes à progressão para regime penal mais favorável (RTJ 119/668 – RTJ 125/578 – RTJ 158/866 – RT 721/550, v.g.).

Não constitui demasia assinalar, neste ponto, não obstante o advento da Lei nº 10.792/2003, que alterou o art. 112 da LEP – para dele excluir a referência ao exame criminológico -, que nada impede que os magistrados determinem a realização de mencionado exame, quando o entenderem necessário, consideradas as eventuais peculiaridades do caso, desde que o façam, contudo, em decisão adequadamente motivada, tal como tem sido expressamente reconhecido pelo E. Superior Tribunal de Justiça (HC 38.719/SP, Rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA – HC 39.364/PR, Rel. Min. LAURITA VAZ – HC 40.278/PR, Rel. Min. FELIX FISCHER – HC 42.513/PR, Rel. Min. LAURITA VAZ) e, também, dentre outros, pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (RT 832/676 – RT 837/568):

“(…). II – A nova redação do art. 112 da LEP, conferida pela Lei 10.792/03, deixou de exigir a realização dos exames periciais, anteriormente imprescindíveis, não importando, no entanto, em qualquer vedação à sua utilização, sempre que o juiz julgar necessária.

III – Não há qualquer ilegalidade nas decisões que requisitaram a produção dos laudos técnicos para a comprovação dos requisitos subjetivos necessários à concessão da progressão de regime prisional ao apenado. (…).” (HC 37.440/RS, Rel. Min. GILSON DIPP – grifei)

A Lei 10.792/2003 (que deu nova redação ao art. 112 da Lei de Execução Penal) não revogou o Código Penal; destarte, nos casos de pedido de benefício em que seja mister aferir mérito, poderá o juiz determinar a realização de exame criminológico no sentenciado, se autor de crime doloso cometido mediante violência ou grave ameaça, pela presunção de periculosidade (art. 83, par. ún., do CP).” (RT 836/535, Rel. Des. CARLOS BIASOTTI – grifei)

A razão desse entendimento apóia-se na circunstância de que, embora não mais indispensável, o exame criminológico – cuja realização está sujeita à avaliação discricionária do magistrado competente – reveste-se de utilidade inquestionável, pois propicia, “ao juiz, com base em parecer técnico, uma decisão mais consciente a respeito do benefício a ser concedido ao condenado” (RT 613/278).

Impende registrar, por oportuno, que o entendimento exposto nesta decisão encontra apoio em julgamentos emanados do Supremo Tribunal Federal (HC 85.677/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES – HC 87.036/RS, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – HC 87.283/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 88.396/MT, Rel. Min. EROS GRAU – RHC 86.951/RJ, Rel. Min. ELLEN GRACIE – RHC 88.145/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), nos quais se reconheceu que, em tema de progressão de regime nos crimes hediondos (ou nos delitos a estes equiparados), cabe, ao magistrado de primeira instância, proceder à análise dos demais requisitos, inclusive daqueles de ordem subjetiva, para decidir, então, sobre a possibilidade, ou não, de o condenado vir a ser beneficiado com a progressão para regime mais brando de cumprimento de pena, sendo lícito, ainda, ao juiz competente, se o julgar necessário, ordenar a realização do exame criminológico:

“CRIME HEDIONDO OU DELITO A ESTE EQUIPARADO – IMPOSIÇÃO DE REGIME INTEGRALMENTE FECHADO – INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI Nº 8.072/90 – PROGRESSÃO DE REGIME – ADMISSIBILIDADE – EXIGÊNCIA, CONTUDO, DE PRÉVIO CONTROLE DOS DEMAIS REQUISITOS, OBJETIVOS E SUBJETIVOS, A SER EXERCIDO PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO (LEP, ART. 66, III, ‘B’), EXCLUÍDA, DESSE MODO, EM REGRA, NA LINHA DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE (RTJ 119/668 – RTJ 125/578 – RTJ 158/866 – RT 721/550), A POSSIBILIDADE DE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EXAMINANDO PRESSUPOSTOS DE ÍNDOLE SUBJETIVA NA VIA SUMARÍSSIMA DO ‘HABEAS CORPUS’, DETERMINAR O INGRESSO IMEDIATO DO SENTENCIADO EM REGIME PENAL MENOS GRAVOSO – RECONHECIMENTO, AINDA, DA POSSIBILIDADE DE O JUIZ DA EXECUÇÃO ORDENAR, MEDIANTE DECISÃO FUNDAMENTADA, A REALIZAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO – IMPORTÂNCIA DO MENCIONADO EXAME NA AFERIÇÃO DA PERSONALIDADE E DO GRAU DE PERICULOSIDADE DO SENTENCIADO (RT 613/278) – EDIÇÃO DA LEI Nº 10.792/2003, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 112 DA LEP – DIPLOMA LEGISLATIVO QUE, EMBORA OMITINDO QUALQUER REFERÊNCIA AO EXAME CRIMINOLÓGICO, NÃO LHE VEDA A REALIZAÇÃO, SEMPRE QUE JULGADA NECESSÁRIA PELO MAGISTRADO COMPETENTE – CONSEQÜENTE LEGITIMIDADE JURÍDICA DA ADOÇÃO, PELO PODER JUDICIÁRIO, DO EXAME CRIMINOLÓGICO (RT 832/676 – RT 836/535 – RT 837/568) – PRECEDENTES – ‘HABEAS CORPUS’ DEFERIDO, EM PARTE.”

(HC 88.052/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma).

Sendo assim, em face das razões expostas, defiro o pedido de medida cautelar, para, afastando, unicamente, o obstáculo representado pelo § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, determinar, ao Juízo da Execução, que proceda à avaliação dos demais requisitos – objetivos e subjetivos – necessários ao ingresso do sentenciado em regime penal menos gravoso, podendo, inclusive, ordenar, se o entender indispensável, o exame criminológico do ora paciente, desde que o faça em decisão fundamentada.

Comunique-se, com o encaminhamento de cópia desta decisão ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e ao MM. Juiz das Execuções Penais da comarca de São Paulo/SP.

2. Ouça-se, após, a douta Procuradoria-Geral da República.

Publique-se.

Brasília, 19 de dezembro de 2007.

Ministro CELSO DE MELLO

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