Excesso de empregados

Judiciário deve controlar criação de cargos comissionados

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24 de dezembro de 2007, 23h00

É princípio constitucional a investidura dos agentes por meio de concurso público. Como exceção, definiu a Carta Máxima que as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento. (art. 37, V, CF)

Assim, a regra deve ser a contratação após aprovação em concurso público, sendo a instituição de cargos comissionados e funções de confiança exceção limitada a atribuições que efetivamente exijam relação de confiança entre o agente e o Chefe do Poder contratante.

Celso Antônio Bandeira de Mello define cargos em comissão para distingui-los dos cargos de provimento efetivo nos seguintes termos: aqueles vocacionados para serem ocupados em caráter transitório por pessoa de confiança da autoridade competente para preenchê-los, a qual também pode exonerar ad nutum, isto é, livremente quem os esteja titularizando. 1

Funções públicas, para o mesmo autor, são plexos unitários de atribuições, criados por lei, correspondentes a encargos de direção, chefia ou assessoramento, a serem exercidas por titular de cargo efetivo, da confiança da autoridade que as preenche. (art. 37, V, da Constituição) 2

As duas figuras assemelham-se na medida em que se tratam de mitigações ao princípio do concurso público decorrentes da necessidade do Chefe do Poder contratar agentes em razão de confiança.

No entanto, diferem radicalmente no que tange ao princípio da investidura por meio de concurso público. Nisto, a criação indiscriminada de cargos em comissão ofende diametralmente o preceito constitucional na medida em que coloca em segundo plano aquela que seria a regra.

Como ressaltou o ministro Ricardo Lewandowski, a criação desses cargos deve respeitar ao princípio da proporcionalidade, ou seja, o número de cargos e funções de confiança deve ser o mínimo necessário para o bom exercício da atividade administrativa, ou, noutras palavras, para o atingimento do interesse público primário, sob pena de configurar-se um ato ilegal.3

Do princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade pode ser vislumbrado em tríplice dimensão: adequação, necessidade/exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito.

O ato administrativo apenas será considerado proporcional quando adequado. Cuida-se da adequação entre o meio empregado e o fim colimado. Esta proposição somente angaria sentido ao conjugar-se a idéia de que esses atos devem buscar sempre o interesse público primário, ou seja, o interesse de toda a coletividade.

Por interpretação do artigo 37, V, CR, os cargos em comissão e as funções de confiança não podem servir para o exercício de funções meramente técnicas sob pena de burla ao princípio do concurso público. Configura-se, portanto, medida absolutamente inadequada e que fere a proporcionalidade. 4

Serve de exemplo a inadequada contratação de advogados particulares, sob a designação de assessores, para prestar serviços típicos da advocacia pública, tais como a representação da entidade pública em juízo e a substituição de procuradores em processos administrativos.5

A adequação somente estará preenchida quando indispensável a confiança entre o ocupante do cargo ou função e a autoridade nomeante. Sendo irrelevante essa relação, faltará adequação ao ato de contratação direta.

Outra dimensão do referido princípio é a necessidade/exigibilidade. Para fins desse trabalho, cinge-se à absoluta reclamação, pelo interesse público, da criação de cargo ou função para exercício da atribuição de direção, chefia ou assessoramento.

Segundo esse prisma do princípio da proporcionalidade, a criação dos referidos cargos e funções deve ser imprescindível para o bom desempenho da atividade administrativa.

Assim, a estrutura do órgão ou da entidade pública deverá exigir a criação de um cargo de comando que organize as atividades técnicas ou de uma assessoria a fim de viabilizar o bom exercício de suas atribuições.

Aliado à justificativa funcional, nos casos de cargos em comissão, deverá ser declarada a necessidade de seu provimento por pessoa estranha aos quadros públicos ou, por outro lado, a absoluta impossibilidade de seu exercício por servidor de carreira.

Esta solução deverá ainda ser menos onerosa ao interesse público, caso contrário, evidenciará a arbitrariedade que não se compadece com a natureza funcional das atribuições públicas exercidas.6

Por fim, resta analisar a questão sob o prisma da proporcionalidade em sentido estrito. Nesses termos, há de existir uma ponderação entre o ato e o fim desejado. Deverá estar comprovado, no ato de criação do cargo ou função, que o meio utilizado encontra-se em razoável proporção com o fim perseguido.7

Assim, a administração deve manter um equilíbrio entre as funções e cargos de confiança e os cargos de provimento efetivo.

Isso porque a Constituição da República impôs como regra à investidura em cargos públicos, a aprovação prévia em concurso público, tomando por exceção o preenchimento por livre nomeação (art. 37, II).

Alexandre de Moraes faz percuciente comentário sobre a liberdade do administrador em contratar sem concurso:

Essa exceção constitucional exige que a lei determine expressamente quais as funções de confiança e os cargos de confiança que poderão ser providos por pessoas estranhas ao funcionalismo público e sem a necessidade do concurso público, pois a exigência constitucional de prévio concurso público não pode ser ludibriada pela criação arbitrária de funções de confiança e cargos em comissão para o exercício de funções que não pressuponham o vínculo de confiança que explica o regime de livre nomeação e exoneração.8

Portanto, a quebra desse equilíbrio viola o princípio da proporcionalidade, maculando o ato administrativo de ilegalidade.

Ante o exposto, a criação de cargos ou funções públicas desvinculadas daquelas hipóteses constitucionalmente definidas configuram evidente burla ao princípio constitucional do concurso público

Do controle pelo Poder Judiciário

Muito embora seja vedado aos Tribunais retirar dos administradores sua discricionariedade para escolher entre opções lícitas, não é menos verdade que essa discricionariedade possui limites, sendo possível a verificação dos motivos e da finalidade dos atos administrativos.

Ainda que não esteja explicitamente arrolado dentre os princípios do artigo 37, caput, CR, o princípio da proporcionalidade é facilmente percebível dentre as regras constitucionais e no ordenamento jurídico vigente e, por essa razão, pode (e deve) ser avaliado pelo Poder Judiciário.

O professor Celso A. Bandeira de Mello, com a clareza que lhe é peculiar, traz a seguinte lição:

Atos desproporcionais são ilegais e, por isso, fulmináveis pelo Poder Judiciário, que, sendo provocado, deverá invalidá-los quando impossível anular unicamente a demasia, o excesso detectado.9

Logo, havendo abuso pela administração pública evidenciado pelo número excessivo de cargos e funções de confiança em comparação com os cargos de provimento efetivo ou pela criação daqueles para exercício de atividades técnicas — que refogem às atribuições fixadas pela Constituição Federal — ou ainda quando a existência desses cargos mostrar-se mais onerosa ao interesse público, impõe-se a intervenção, por meio do controle judicial, a fim de que cesse a ilegalidade.

Felizmente tem sido esse o posicionamento adotado por nossas Cortes, especialmente pelo Supremo Tribunal Federal, conforme resume a seguinte ementa:

“Cabe ao Poder Judiciário verificar a regularidade dos atos normativos e de administração do Poder Público em relação às causas, aos motivos e à finalidade que os ensejam. Pelo princípio da proporcionalidade, há que ser guardada correlação entre o número de cargos efetivos e em comissão, de maneira que exista estrutura para atuação do Poder Legislativo local.” (RE 365.368-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 22-5-07, DJ de 29-6-07)

Verifica-se que o excesso de cargos em comissão e funções de confiança ou sua criação desconexa com as necessidades da administração pública viola o princípio da proporcionalidade.

Assim, comprovado o abuso deverá o Poder Judiciário, no pleno exercício de sua função republicana, declarar inconstitucional a lei que instituir tais cargos ou funções ou mesmo invalidar os atos de nomeação quando esta já ocorreu.

Notas de rodapé

1 – Curso de Direito Administrativo, 17ª ed., 2004, p. 277.

2 – Ob. cit., p. 234.

3 – RE-AgR 3.65368 / SC — SANTA CATARINA; AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO; Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI; Julgamento: 22/05/2007; Órgão Julgador: Primeira Turma

4 – V. ADI 3.706/MS, rel. Min. Gilmar Mendes, 15.8.2007

5 – V. Acórdão Pleno 60/70, TCE/PR, Processo 238.250/06; Interessado: Município de Paraíso do Norte.

6 – Oliveira. José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito administrativo brasileiro, Coleção Temas de Direito Administrativo, nº 16, 2006, p. 301

7 – Suzana de Toledo Barros, O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade, in Oliveira. José Roberto Pimenta, ob. cit., p. 305.

8 – (p. 157, 1ª ed.)

9 – Ob. cit., p. 101.

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