Semana de conciliação

Estado cria dificuldade para vender facilidade

Autor

23 de dezembro de 2007, 23h00

O Estado é o maior freguês do Poder Judiciário. Enfeixa, em suas mãos, quase a metade das demandas que tramita pelos muitos tribunais do Brasil. Ora é autor, ora é réu, ora é terceiro interessado, enfim.

Na maioria das vezes ele é devedor, deve aos cidadãos em ações de repetição de indébito, declaratórias de inexigibilidade de tributos com devolução de valores pagos ou depositados, indenizações as mais variadas, verbas de desapropriações.

Não são, enfim, poucos os milhões de reais devidos pelo Estado, pendurados em milhares de ações esparramadas pelos fóruns de nossa terra. Depois de esgotar todos os recursos indo até o Supremo Tribunal Federal na maioria das vezes, e depois da definitividade da sentença que lhe manda pagar, será expedido o chamado ofício requisitório que se converterá em precatório.

Tudo é demorado nas ações movidas contra o poder público. Ele tem prerrogativas que o cidadão comum não tem, como por exemplo prazos em dobro e em quádruplo para se manifestar nos processos. Assim, se um cidadão tem quinze dias para contestar, o poder público tem sessenta, e isto vale também para as autarquias.

O precatório, por sua vez, irá entrar numa fila, e será pago na ordem cronológica de entrada. O poder público ainda poderá valer-se de favor constitucional que lhe permite pagar em prestações anuais. Se o poder público tivesse que pagar no prazo de um ano um quarto de seu débito, iria à bancarrota, dizem.

Passa a ser interesse do Estado, assim, que o Poder Judiciário continue mal provido, funcionando insuficientemente, andando a passos de tartaruga, e por tal razão não lhe dispensa necessárias verbas. Tal circunstância é de antigo conhecimento de todos; tendo agido, ou se omitido, de forma a ter uma Justiça lenta e quase inoperante, criando, assim, todo tipo de dificuldade aos seus credores, passa, agora, a iludi-los com falsa facilitação através da Central de Conciliação de Precatórios (Ceprec).

Noticia-se que “a Ceprec manteve a meta de 100% de acordos, no terceiro dia da Semana Nacional de Conciliação. No total, foram homologados R$ 17.254.183,95.” Seria cômico se não fosse trágico: o Estado fatura em cima das dificuldades que ele próprio criou, alimentou ou nada fez para impedir.

Cria para o cidadão todo tipo de dificuldade, para depois oferecer acordo, geralmente o acordo que muito lhe convém. Conta, para a consecução de seu intento, com uma máquina judiciária quase retrógrada, desatualizada, lerda e mal servida em termos de necessidades próprias a suas atividades. Ele mesmo, Estado, quer assim, não destinando verbas suficientes à Justiça.

Destarte, para vergonha de todos nós, o mesmo Poder Judiciário que contém em seus escaninhos processos que demandam décadas para ser resolvidos, trazendo ao cidadão cruel desigualdade que acaba por culminar em intransponíveis dificuldades, permite que o Estado, confesso mau pagador que é, iluda-nos usando da Semana Nacional de Conciliação, “vendendo” as facilidades para as dificuldades que ele próprio criou.

O povo, por sua vez, descrente da Justiça lerda e mal prestada, vale-se da falsa tábua de salvação que lhe é disponibilizada, e, num ímpeto que é misto de insatisfação e incredulidade, acaba fazendo o famoso acordo, recebendo valores inferiores ao seu crédito. Essas notícias de “solução de conflitos” por conciliação, longe de ser tomadas como alvissareiras, deveriam destacar, e isto sim, o opróbrio a que se vê submetido o cidadão, impotente e tíbio.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!