Consultor Jurídico

Criticar decisão judicial não ofende a honra do juiz

23 de dezembro de 2007, 23h01

Por Fernando Porfírio

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Criticar decisão judicial pode ser considerado ofensa à honra? A questão ainda não é pacífica no Tribunal de Justiça de São Paulo. O jornal O Estado de S. Paulo amargou condenação, em primeiro grau, porque uma juíza da capital se sentiu ofendida por conta do artigo “Um cachorro quente de R$ 30 mil”. O texto foi assinado pela advogada Patrícia Leal Ferraz e publicado no caderno Viagem – suplemento de turismo do Estadão. No tribunal, a tese ganhou um aliado. Novo recurso será julgado.

A maioria da turma julgadora entende que apontar supostas falhas na decisão não ofende a honra do juiz. Para a tese vencedora, ao fazer isso, a articulista ressaltou não só que errar é humano, mas que o processo deve primar pela imparcialidade total do juiz, sendo vedado decidir de acordo com conhecimentos privados dos fatos.

O artigo, motivo da indignação, criticou sentença judicial assinada pela juíza que condenou a operadora de turismo Sun & Sea a indenizar um casal por conta da ingestão de um cachorro quente, que lhe teria feito mal. O artigo foi ilustrado com o desenho de uma pessoa carregando uma bandeja com cachorro quente e o símbolo do cifrão.

O casal saiu de São Paulo, em fevereiro de 2001, para um cruzeiro marítimo até Buenos Aires, a bordo do luxuoso navio Splendour of the Seas. No segundo dia de viagem, o marido comeu o cachorro quente e passou a sofrer diarréia, febre e dor de cabeça. Foi atendido no serviço médico do navio, mas como não melhorou, resolveu interromper o cruzeiro em Florianópolis (SC).

O casal recorreu à Justiça e pediu indenização por danos morais de 500 salários mínimos e, por danos materiais, a restituição dos valores gastos com a viagem e o tratamento.

Em primeira instância, a juiza deu razão ao casal e condenou a operadora de turismo a pagar indenização por dano moral de 100 salários mínimos e a reembolsar as despesas médicas, no valor de US$ 631,02, o cruzeiro marítimo, no total de R$ 6,5 mil e as passagens do casal de Florianópolis a São Paulo, em R$ 526,40.

A advogada que assinou o artigo no jornal como representante da Associação Brasileira de Operadores de Turismo criticou a decisão. Uma frase, em especial, provocou a indignação da juíza autora da sentença; “É necessário que os magistrados e operadores do Direito entendam melhor quais as reais obrigações de uma operadora de turismo antes de proferir sentenças desastrosas como essa”.

Apesar de o artigo não citar o nome da juíza, nem falar do número do processo, ou da vara onde correu o litígio, a juíza autora entrou na Justiça contra a advogada e o jornal. A juíza entendeu que o artigo sugere que ela não tinha conhecimentos das obrigações estabelecidas pelas partes em litígio e ainda por cima definiu seu trabalho como “desastroso”. De acordo com a defesa da juíza, o intuito do artigo foi constranger.

Em primeira instância o Estadão e a advogada foram condenados, cada um, a pagar indenização por danos morais à juíza no valor correspondente a 100 salários mínimos. O jornal ainda ficou obrigado a publicar a integra da sentença depois do trânsito em julgado.

Houve recurso ao Tribunal de Justiça. O caso parou na 9ª Câmara de Direito Privado, onde a decisão não foi unânime. Por maioria de votos, a turma julgadora modificou a sentença de primeiro grau com parecer favorável aos recursos do jornal e da advogada. Agora, novo recurso foi encaminhado à mesma câmara para novo julgamento que só acontecerá no ano que vem.

O relator original, que ficou vencido, entendeu que o artigo extrapolou o campo da crítica para se enveredar pelo desrespeito à juíza. “O princípio da liberdade de imprensa deve ser exercitado com consciência e responsabilidade, preservando-se a dignidade alheia, evitando-se prejuízo à honra e à imagem da pessoa humana”, argumentou o relator, Sérgio Gomes, que aceitou reformar a sentença, apenas no valor da indenização por dano moral que para ele deveria ficar em 50 salários mínimos para cada apelante.

A juíza sustenta que o artigo extrapolou o patamar da crítica e ofendeu sua honra. O relator entendeu que a advogada em muitos momentos questionou a capacidade profissional da juíza. O desembargador ainda achou exagerado o título e a charge usada como ilustração – um juiz carregando uma bandeja com sanduíche e o símbolo de cifrão. Para o deembargador, o conjunto “claramente ironizavam a atuação da autora, a qual, em decisão judicial, condenou certa operadora de turismo”.

O desembargador não aceitou o argumento da defesa de que a crítica foi dirigida à sentença e não à pessoa da juíza, porque, segundo ele, na medida que qualifica a sentença de desastrosa está denegrindo a capacidade profissional da juíza.

O revisor, Piva Rodrigues, mudou a linha do julgamento. Para ele, o artigo em litígio observou os limites da crítica impessoal e o desenho não ofendeu a honra. Segundo ele, a advogada agiu com prudência ao omitir no artigo o nome da juíza. Ainda de acordo com o raciocínio do revisor, foi a própria magistrada que tomou a iniciativa de divulgar entre amigos e colegas do Fórum João Mendes que era ela própria a autora da sentença.

“Houve objetivo de divulgar entre os leitores serenos do artigo em questão a existência a favor do consumidor da possibilidade de inversão do ônus da prova. É bem verdade que a articulista discorda de sua aplicação no caso concreto, mas, aqui o terreno é da crítica, jamais do ataque pessoal”, afirmou Piva Rodrigues.

Embargos Infringentes 373.641.4/6-01