Lei Maria da Penha

Lei Maria da Penha será julgada pelo plenário do Supremo

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21 de dezembro de 2007, 19h01

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, negou o pedido de liminar para suspender todos os processos que discutem a eficácia e constitucionalidade da Lei Maria da Penha. O pedido foi feito em Ação Declaratória de Constitucionalidade proposta pela Advocacia-Geral da União.

O advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, afirmou que alguns juízes e tribunais do país têm afastado a aplicação da lei por considerá-la inconstitucional. A ação do AGU, que também levou a assinatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pediu concessão de liminar até seu julgamento final pelo Supremo.

Para fundamentar o pedido, Toffoli citou uma série de decisões que apresentam conclusões divergentes e desfavoráveis à lei. Uma delas, da 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, declarou a inconstitucionalidade da lei com o argumento de que ela ofendia o princípio da igualdade entre homens e mulheres. Em sentido contrário, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais não só reconheceu a lei como também estendeu a sua aplicação também para homens e crianças vítimas de violência domestica.

Além dessas e de outras decisões conflitantes, foram aprovados, em setembro deste ano, enunciados no 3º Encontro dos Juízes de Juizados Especiais Criminais e Turma Recursais que negam validade parcial à lei. Um caso emblemático de contestação à lei Maria da Penha foi o do juiz Edílson Rumbelsperger Rodrigues, de Sete Lagoas (MG). Ele deu diversas sentenças que consideram a lei inconstitucional e, ainda, teceu críticas ao comportamento das mulheres. O juiz se referiu à lei como um “conjunto de regras diabólicas”. No dia 20 de novembro, o Conselho Nacional de Justiça instaurou processo disciplinar contra o juiz para analisar se as expressões usadas em suas decisões caracterizam excesso de linguagem e infração disciplinar.

O ministro Marco Aurélio fundamentou sua decisão em questões processuais. De acordo com ele, o pedido da AGU extravasa o que prevê o artigo 21 da Lei 9.868/99 (sobre ADI e ADC). De acordo com a regra, o “Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade, consistente na determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo”.

Para Marco Aurélio, “o passo é demasiadamente largo, não se coadunando com os ares democráticos que nortearam o Constituinte de 1988 e que presidem a vida gregária. A paralisação dos processos e o afastamento de pronunciamentos judiciais, sem ao menos aludir-se à exclusão daqueles cobertos pela preclusão maior, mostram-se extravagantes considerada a ordem jurídico-constitucional”.

“As portas do Judiciário hão de estar abertas, sempre e sempre, aos cidadãos, pouco importando o gênero. O Judiciário, presente o princípio do juiz natural, deve atuar com absoluta espontaneidade, somente se dando a vinculação ao Direito posto, ao Direito subordinante. Fora isso, inaugurar-se-á era de treva, concentrando-se o que a Carta Federal quer difuso, com menosprezo à organicidade do próprio Direito. Eventual aplicação distorcida da Lei evocada pode ser corrigida ante o sistema recursal vigente e ainda mediante a impugnação autônoma que é a revelada por impetrações. Que atuem os órgãos investidos do ofício judicante segundo a organização judiciária em vigor, viabilizando-se o acesso em geral à jurisdição com os recursos pertinentes”, concluiu o ministro.

Marco Aurélio decidiu remeter ao Plenário do Supremo a análise do caso.

Leia a decisão

AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 19-3 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

REQUERENTE(S): PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ADVOGADO(A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

DECISÃO

AÇÃO DIRETA DE CONSTITUCIONALIDADE – LEI Nº 11.340/06 – ARTIGOS 1º, 33 E 41 – LIMINAR – INADEQUAÇÃO.


1. Ao apagar das luzes do Ano Judiciário de 2007 – 19 de dezembro, às 18h52 -, o Presidente da República ajuizou Ação Declaratória de Constitucionalidade, com pedido de liminar, presentes os artigos 1º, 33 e 41 da Lei nº 11.340/06, conhecida por “Lei Maria da Penha”. Eis os preceitos que pretende ver declarados harmônicos com a Carta Federal:

Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

[…]

Art. 33º Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.

[…]

Art. 41º Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

[…]

Após o lançamento de razões quanto à legitimidade para a propositura da ação, aponta a oscilação da jurisprudência, evocando alguns julgados no sentido da inconstitucionalidade de artigos envolvidos na espécie. Discorre sobre tópicos versados no Diploma Maior – princípio da igualdade, artigo 5º, inciso I; competência dos Estados para fixar regras de organização judiciária local, artigo 125, § 1º, combinado com o artigo 96, inciso II, alínea “b”; competência dos juizados especiais, artigo 98, inciso I -, procurando demonstrar a plena harmonia dos dispositivos legais com a Lei Básica da República.

Sob o ângulo da igualdade, ressalta como princípio constitucional a proteção do Estado à família, afirmando que o escopo da lei foi justamente coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres. Ter-se-ía tratamento preferencial objetivando corrigir desequilíbrio, não se podendo cogitar de inconstitucionalidade ante a boa procedência do discrime. Cita dados sobre o tema, mencionando, nesta ordem, autores consagrados: Alexandre de Moraes, Pontes de Miranda, Celso Antônio Bandeira de Mello e Maria Berenice Dias. Alude a pronunciamentos desta Corte relativos a concurso público, prova de esforço físico e distinções necessárias presente o gênero. Faz referência a mais preceitos de envergadura maior, porquanto constantes da Constituição Federal, quanto à proteção à mulher – licença à gestante, tratamento sob o ângulo do mercado de trabalho e prazo menor para aposentadoria por tempo de contribuição.

No tocante à organização judiciária e aos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher, busca demonstrar que não ocorreu a invasão da competência atribuída aos Estados. A União teria legislado sobre direito processual visando à disciplina uniforme de certas questões – o combate à violência doméstica ou familiar contra a mulher. A Lei envolvida no caso não contém, segundo as razões expendidas, detalhamento da organização judiciária do Estado, apenas regula matéria processual alusiva à especialização do Juízo, tudo voltado a conferir celeridade aos processos. Menciona precedente.

Por último, relativamente à competência dos juizados especiais, à não-aplicação de institutos contidos na Lei nº 9.099/95, remete ao subjetivismo da definição dos crimes de menor potencial ofensivo, a direcionar a razoabilidade quanto ao afastamento da transação e da composição civil considerada a ineficácia das medidas.


Pleiteia o deferimento de liminar para que sejam suspensos “os efeitos de quaisquer decisões que, direta ou indiretamente, neguem vigência à lei, reputando-a inconstitucional”, até o julgamento final do pedido, em relação ao qual é aguardada a declaração de constitucionalidade dos citados artigos 1º, 33 e 41.

Este processo foi a mim distribuído em 19 de dezembro de 2007, chegando ao Gabinete após as 20h. No dia imediato, deu entrada na Corte petição do autor requerendo a juntada de documentos.

2. Com a Emenda Constitucional nº 3/93, surgiu a ação declaratória de constitucionalidade, com características muito assemelhadas à ação direta de inconstitucionalidade, variando, tão-somente, o objetivo almejado. Nesta última, veicula-se pedido de reconhecimento do conflito do ato normativo abstrato com a Carta Federal, na outra, pretende-se justamente ver declarada a harmonia da lei com o Texto Maior. Em ambas, mostra-se possível chegar-se a conclusão diametralmente oposta à requerida na inicial. São ações, então, que podem ser enquadradas como de mão dupla.

Pois bem, nem a emenda introdutora da nova ação, nem as que lhe seguiram viabilizaram a concessão de liminar, ao contrário do que previsto constitucionalmente quanto à ação direta. O motivo de haver a distinção é simples, confirmando-se, mais uma vez, a adequação do princípio da causalidade, a revelar que tudo tem uma origem, uma razão. A previsão de implementar-se medida acauteladora no tocante à ação direta de inconstitucionalidade tem como base a necessidade de afastar-se de imediato a agressão da lei ao texto constitucional. A recíproca é de todo imprópria. Diploma legal prescinde do endosso do Judiciário para surtir efeitos.

Por isso, não é dado cogitar, considerada a ordem natural dos institutos e sob o ângulo estritamente constitucional, de liminar na ação declaratória de constitucionalidade. Mas a Lei nº 9.868/99 a prevê, estabelecendo o artigo 21 que o “Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade, consistente na determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo”. O parágrafo único do citado artigo dispõe sobre a publicidade da providência, impondo prazo para haver o julgamento final sob pena de, transcorridos cento e oitenta dias, a decisão perder a eficácia. O preceito lembra a avocatória e surge como de constitucionalidade duvidosa no que encerra, em última análise, o afastamento do acesso ao Judiciário na plenitude maior bem como do princípio do juiz natural.

O pleito formulado, porém, extravasa até mesmo o que previsto nesse artigo. Requer-se que, de forma precária e efêmera, sejam suspensos atos que, direta ou indiretamente, neguem vigência à citada Lei. O passo é demasiadamente largo, não se coadunando com os ares democráticos que nortearam o Constituinte de 1988 e que presidem a vida gregária. A paralisação dos processos e o afastamento de pronunciamentos judiciais, sem ao menos aludir-se à exclusão daqueles cobertos pela preclusão maior, mostram-se extravagantes considerada a ordem jurídico-constitucional. As portas do Judiciário hão de estar abertas, sempre e sempre, aos cidadãos, pouco importando o gênero. O Judiciário, presente o princípio do juiz natural, deve atuar com absoluta espontaneidade, somente se dando a vinculação ao Direito posto, ao Direito subordinante. Fora isso, inaugurar-se-á era de treva, concentrando-se o que a Carta Federal quer difuso, com menosprezo à organicidade do próprio Direito.

Repito, mais uma vez, eventual aplicação distorcida da Lei evocada pode ser corrigida ante o sistema recursal vigente e ainda mediante a impugnação autônoma que é a revelada por impetrações. Que atuem os órgãos investidos do ofício judicante segundo a organização judiciária em vigor, viabilizando-se o acesso em geral à jurisdição com os recursos pertinentes.

3. Indefiro a medida acauteladora pleiteada, devendo haver submissão deste ato ao Plenário, para referendo, quando da abertura do Ano Judiciário de 2008.

4. Por entender desnecessárias informações, determino seja colhido o parecer do Procurador-Geral da República.

5. Publiquem.

Brasília, 21 de dezembro de 2007.

Ministro MARCO AURÉLIO

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