Sem classe

Site pode publicar artigo sobre sistema COC de ensino

Autor

20 de dezembro de 2007, 13h41

O Tribunal de Justiça de São Paulo derrubou decisão liminar que proibia a publicação de artigo no site EscolasemPartido.org que cita a Editora COC e do Sistema COC de Ensino. O texto, assinado pela mãe de uma aluna do colégio Pentágono/COC (unidade Morumbi, São Paulo), critica da metodologia usada nas apostilas dos alunos ( Clique aqui para ler o texto “Luta sem Classe”).

A proibição havia sido determinada pela 5ª Vara Cível de Ribeirão Preto (SP). Para o juiz, a autora do texto, que também é jornalista, teve a intenção de atingir a honra e a imagem do centro de educação, por ter sugerido que os materiais didáticos produzidos fossem impedidos de circular e que as escolas indenizassem os alunos por danos morais.

O mérito da causa, em que o COC pede indenização por danos morais, ainda será julgado pela Vara de Ribeirão Preto.

O desembargador Neves Amorim, da 2ª Câmara de Direito Privado do TJ paulista, fundamentou seu voto no princípio da liberdade de expressão. “O texto da agravante não poderia ter sido retirado de circulação, pois tal medida desrespeita a liberdade de expressão da agravante, presente em nossa Constituição, que, aliás, também resguarda o direito de resposta, exercido pelo sistema COC, e o direito à indenização, faculdade também exercida pela agravada”, anotou o desembargador.

Para Amorim, “a partir do momento em que a agravada COC, em sua atividade empresarial (alvo de severas críticas, por sinal, em sua própria apostila), publica material didático com o intuito de obter lucro, não pode se furtar de receber críticas fundamentadas”. Ele foi acompanhado pelos demais desembargadores.

Pornografia e marxismo

No texto, a jornalista Mirian Macedo, mãe da aluna, sustenta que os livros do Sistema COC de Ensino têm conteúdo pornográfico e “viés ideológico marxista explícito”, além de serem redigidos em “português precário e descuidado” e conter erros de história.

Para se defender dessas afirmações, o COC esclareceu que associar a marca “a expressões como ‘pornô’ ou sugerir que as informações contidas nas apostilas confeccionadas pelas autoras contêm informações e dados históricos falsificados é atingir diretamente a honra e a imagem objetiva da editora”.

A jornalista cita como exemplo do “viés ideológico marxista” os textos um trecho em que se lê: “na sociedade capitalista quase todos trabalham para gerar riquezas, mas apenas uma minoria (burguesia) se apropria dela (sic)”.

Quanto à conotação pornográfica, há uma lista de verbos, em uma apostila de redação, descrevendo o cotidiano de um empresário da seguinte forma: “vendeu, ganhou, lesou, burlou…, convidou, elogiou, bolinou…despiu-se, mexeu, gemeu, fungou, babou”.

Como amostra das falsificações históricas, aponta uma apostila de História, em que a Igreja é acusada de “legitimar” e ter interesse na escravidão dos negros. Outro texto, segundo a jornalista, distorcia a própria Bíblia, ao relacionar a destruição das cidades de Sodoma e Gomorra com o dilúvio e a Arca de Noé. “A destruição de Sodoma e Gomorra nada tem a ver com Noé, e sim, com o patriarca Abraão e seu sobrinho Ló”, defende a mãe.

Já com relação ao “português descuidado”, a jornalista escreveu: “A página 4 da apostila de Gramática ostenta a letra de uma música de Charlie Brown Jr, intitulada Papo Reto (Prazer É Sexo O Resto É Negócio) — assim mesmo, tudo em maiúscula, sem vírgula. Está escrito: ‘Otário, eu vou te avisar: o teu intelecto é de mosca de bar (…) Então já era, Eu vou fazer de um jeito que ela não vai esquecer’.”

Agravo de Instrumento 509.531-4/9-00

Leia conclusão da decisão

As decisões atacadas não podem prevalecer, sendo necessário o provimento do presente recurso em sua totalidade. Consagra nossa Magna Carta, em seu artigo 5º:

“é livre a manifestação do pensamento sendo vedado o anonimato” (inciso IV)

“é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (inciso V)

“é livre a expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação independentemente de censura ou licença” (inciso IX)

Os postulados constitucionais devem ser base para qualquer decisão judicial, ainda mais quando se tratar de questão, como nos presentes autos, amplamente tratada por nossa Lei Maior.

No caso em tela, o texto da sra. Mirian Macedo, ao apontar “supostos problemas” existentes no material didático da agravada COC, não teve, em momento algum, intenção de prejudicar o sistema de ensino, mas sim, alertar a população (principalmente os pais que tenham filhos em idade escolar) a respeito do conteúdo presente nas apostilas do COC. Sua manifestação tem cunho crítico, mas também altamente informativo, com demonstração de profunda pesquisa realizada pela agravante antes de publicar sua opinião.

A partir do momento em que a agravada COC, em sua atividade empresarial (alvo de severas críticas, por sinal, em sua própria apostila), publica material didático com o intuito de obter lucro, não pode se furtar de receber críticas fundamentadas (como no caso em tela). Esta é a pedra de toque da atividade empresarial, se de um lado um lucro muito grande pode ser obtido, de outro, existe sempre o risco de insucesso do negócio ou de críticas por parte dos consumidores (como ocorreu, já que a agravante é mãe de uma menina que utilizava o material do COC para seu aprendizado).

Com a devida vênia, a justificativa do magistrado singular para suas decisões (fl. 504), “concedida joi a tutela em antecipação dada a consabida existência e consistência do dito sistema de ensino através dos anos”, não se sustenta, pois caso tal entendimento fosse adotado, as apostilas do COC também deveriam ser censuradas, como foi a opinião da sra. Mirian, já que afirmam categoricamente que a Igreja teria legitimado a escravidão, e esta Instituição tem “consabida existência”‘ infinitamente maior do que o sistema COC.

Dessa forma, em sede de cognição sumária, antes da apresentação de defesa por parte dos réus e produção de qualquer prova a respeito da veracidade das alegações trazidas pelas partes, o texto da agravante não poderia ter sido retirado de circulação, pois tal medida desrespeita a liberdade de expressão da agravante, presente em nossa Constituição, que, aliás, também resguarda o direito de resposta, exercido pelo sistema COC, e o direito à indenização, faculdade também exercida pela agravada, que já invocou o Poder Judiciário, por meio da ação principal.

Ante o exposto, a opinião da sra. Mirian Macedo, que deu ensejo à presente ação judicial e a inúmeras manifestações em diversos sites, sendo alvo, inclusive, de reportagem da Revista Veja (fls. 332/333), não pode, nesta fase de cognição sumária, ser censurada.

Assim, pelo meu voto, rejeito as preliminares e dou provimento ao recurso para afastar o entendimento do magistrado singular e permitir a veiculaçào, por ora, do texto em questão, sem incidência de qualquer multa.

Neves Amorim

Desembargador Relator

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!