Retrospectiva 2007

Em 2007, Judiciário teve de enfrentar desafios da tecnologia

Autor

  • Omar Kaminski

    é advogado e consultor gestor do Observatório do Marco Civil da Internet membro especialista da Câmara de Segurança e Direitos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e diretor de Internet da Comissão de Assuntos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB-PR.

20 de dezembro de 2007, 12h48

Este texto sobre a Direito e Tecnologia faz parte da Retrospectiva 2007, série de artigos em que são analisados os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.

O ano iniciou-se em ebulição, com a determinação judicial de bloqueio do site YouTube, que, entre outros, estava veiculando as cenas tórridas de uma apresentadora brasileira com o namorado captadas por um paparazzo em uma praia na Espanha. Tal determinação — inclusive reconsiderada posteriormente — gerou protestos, mas não trouxe muitos resultados práticos: o site continuou tecnicamente acessível, e o vídeo disponível em vários outros locais.

Assunto bastante discutido em 2007 foi o substitutivo aos três projetos de lei sobre crimes informáticos, que tramita no Senado e que tem como relator o senador mineiro Eduardo Azeredo (PSDB). A íntegra do substitutivo veio à tona quando prestes a ser votado na Comissão de Constituição e Justiça, ocasionando vários protestos diante do seu teor considerado temeroso ao futuro das comunicações internéticas. E nesse contexto Azeredo deseja integrar o Brasil à Convenção de Cibercrimes de Budapeste (ETS 185), do Conselho da Europa, mesmo o país não tendo sido convidado formalmente.

Ministros do Supremo Tribunal Federal tiveram as telas dos notebooks fotografadas durante sessão de julgamento, revelando vários comentários pessoais que o fotógrafo de plantão resolveu divulgar. Conversas e opiniões pessoais de serventuários da Justiça, provavelmente distraídos, foram misturadas a conteúdos oficiais e contemplados com publicação no Diário Oficial.

Tivemos ao menos um precedente importante no STF, sobre videoconferência:

“Enquanto modalidade de ato processual não prevista no ordenamento jurídico vigente, é absolutamente nulo o interrogatório penal realizado mediante videoconferência, sobretudo quando tal forma é determinada sem motivação alguma, nem citação do réu.” (Segunda Turma, HC 88.914/SP, Relator Ministro Cezar Peluso, julgado em 14.8.2007, unânime).

E vários outros no STJ sobre assuntos diversos, destacando:

“Configura crime de furto qualificado a subtração de valores de conta corrente, mediante transferência bancária fraudulenta (pela Internet), sem o consentimento do correntista. É competente o Juízo do local da consumação do delito de furto, qual seja, que se dá onde o bem é subtraído da vítima, saindo de sua esfera de disponibilidade.” (Terceira Seção, CC 72.738/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 8.8.2007, unânime);

“No caso, em que a ofensa foi praticada mediante texto veiculado na internet, o que potencializa o dano à honra do ofendido, a exigência de publicidade da retratação revela-se necessária para que esta cumpra a sua finalidade e alcance o efeito previsto na lei.” (Quinta Turma, REsp 320.958/RN, Relator Mininistro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 6.9.2007, unânime);

“A utilização dos softwares contrafaceados em computadores ligados entre si por rede permite que um número maior de pessoas os acesse, autorizando seja majorada a condenação”. (Terceira Turma, REsp 768.783/RS, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, julgado em 25.9.2007, unânime);

“Os crimes praticados pela internet podem ser comprovados por muitos meios de provas, como interceptações telefônicas, testemunhas e outros e até por documento juntado aos autos, não constituindo a prova pericial nos computadores, difícil de ser realizada, o único meio de prova, não havendo ofensa ao artigo 158 do Código de Processo Penal.” (Quinta Turma, HC 92.232/RJ, Relatora Ministra Jane Silva, Desembargadora Convocada do TJ/MG, julgado em 8.11.2007, unânime);

“Inexiste excepcionalidade a autorizar a revisão de entendimento já há muito cristalizado nesta Corte Superior, quanto à ausência de caráter oficial das informações prestadas por sites eletrônicos.” (Quarta Turma, AgRg no Ag 857.660/MG, Relator Ministro Quaglia Barbosa, julgado em 27.11.2007, unânime);

 

Os spams tradicionais sofreram sensível queda, talvez sinalizando que os filtros estão trazendo resultados ou que as empresas estão mais conscientes da ineficiência de fórmulas mágicas para angariar clientela na internet. Mas o ano registrou um aumento substancial na incidência de programas espiões que roubam senhas bancárias e outros dados sigilosos, geralmente disseminados por meio de links enganosos contidos em spams.

Tropa de Elite foi o primeiro “vazamento” significativo de um filme brasileiro na internet antes da estréia oficial. Isso não impediu que se tornasse um “blockbuster” — talvez até tenha colaborado, voluntariamente ou não, o que levou a cogitações de ter sido um feliz golpe de marketing com a ajuda da pirataria.

Bravo mundo novo de bandas como Radiohead, que lançou temporariamente seu álbum In Rainbows na internet perguntando quanto seus ouvintes querem pagar por ele, e se querem pagar por ele.

As comunidades sociais ganharam novas opções além do Orkut, e houve também a descoberta de mundos virtuais como o Second Life, incentivando o êxodo do mundo real. O Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP, consultado, entendeu que os advogados não devem prestar serviços nesses ambientes que mais se assemelham a um jogo.

A Escola Superior de Advocacia da OAB-SP lançou seu primeiro curso de especialização em Direito da Informática, um verdadeiro marco para esta nova área.

O processo eletrônico, antes uma promessa amparada pela Lei 11.419/06, dá sinais de que veio para ficar. Já estão disponíveis os novos cartões de identidade profissional dos advogados dotados de microchips, transformando-os em tokens com certificado digital (ao que consta dois: da ICP-Brasil e da ICP-OAB) apto a assinar digitalmente documentos e petições.

O Conselho Nacional de Justiça anunciou a adoção do domínio “jus.br”, que substituirá o “gov.br” em se tratando do Judiciário.

Os arquivos em formato digital aos poucos vão substituindo o papel.

Foram eleitos (e em vários casos reeleitos) os 11 conselheiros representantes da sociedade civil no Comitê Gestor da Internet no Brasil para o triênio 2007-2010, mas a participação das entidades interessadas ainda deixou a desejar. O Rio de Janeiro sediou o segundo Fórum de Governança da Internet (IGF 2007), talvez o evento mundial mais importante neste segmento e que ganha cada vez maior envergadura.

Quanto às novidades tecnológicas em geral, este está sendo chamado de Natal dos computadores portáteis (notebooks), e o ano dos smartphones, celulares multifunção com acesso à Rede. Começam a ser vendidos oficialmente os sucessores do DVD, ainda divididos em dois padrões incompatíveis entre si: Blu-ray e HD-DVD. O iPhone da Apple encontrou usuários também no Brasil, que adquiriram versões “destravadas”. As redes sem fio tornam-se cada vez mais populares. O sistema operacional Vista da Microsoft, que completou um ano, está naufragando. Os aplicativos do Google são cada vez mais populares. A adoção do software livre continua em ascensão.

A TV Digital estreou com muitas promessas, mas ainda desprovida de qualquer função de interatividade. Muitas discussões ainda estão por vir, como por exemplo a necessidade ou não da adoção de mecanismos de restrição tecnológica (DRM), que limitam ou impedem a cópia de programas.

E sob a ótica da inclusão digital e universalização do acesso, a ocorrência da licitação do programa Um Computador por Aluno (UCA), computadores portáteis educacionais em fase de testes nas escolas.

Definitivamente a internet cada dia mais faz parte de nossas vidas e que nenhuma mídia — seja TV, cinema ou música — rumo à convergência poderá ignorar ou menosprezar as novas tendências e comportamentos.

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    é advogado, diretor de Internet do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI) e membro suplente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

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