Indústria da indenização

Dinheiro não deve ser única forma de reparar dano moral

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19 de dezembro de 2007, 23h00

A chamada “indústria do dano moral” tem tirado o sono da comunidade jurídica. A preocupação é justificada. A escalada progressiva do número de pedidos de indenização tem exposto a incapacidade de vazão à enxurrada de demandas, pondo em risco a certeza de tutela a direitos já consolidados. Contudo devemos, primeiramente, isolar a raiz do problema para discuti-lo.

Em diversas teses, faz-se referência à crescente proposição de causas frívolas como núcleo da crise no instituto. Sem dúvida, há importância, mas não é o elemento principal gerador do problema. Para Schreiber 1, “há, por certo, casos pontuais de reconhecimento de danos, por assim dizer, imaginários, ou de atribuição de indenizações exageradamente elevadas, mas nem estas duas hipóteses se combinam com freqüência, nem o percentual destes julgados em relação à grande massa das condenações pode ser considerado alarmante”.

Entendo o termo indústria como algo em série, continuamente produzido. Um ou outro caso de indenização, surgidos desordenadamente, não justificam a analogia. A frivolidade litigiosa preocupa, mas não oferta risco, por si só, à manutenção do instituto. É equivocado imputar à população e aos seus anseios por reparação a culpa pelo desenvolvimento da bolha indenizatória.

A solução não pode surgir da implantação de barricadas entre o ofendido e a Justiça2, mas sim da reforma da natureza extremamente patrimonialista da responsabilidade civil. A pecúnia como remédio universal estimula sentimentos mercenários, criando o entendimento de que a todos é autorizada a lesão a outrem, desde que esteja disposto a pagar o preço correspondente.

Como exemplo, há um número exorbitante de ações indenizatórias contra as companhias telefônicas em razão de inclusão indevida em serviço de proteção ao crédito. Para esses casos, há o abominável tabelamento de valores a serem pagos aos ofendidos. A indenização, que deveria ser uma medida extrema, passa a funcionar como reles taxa operacional. É o preço a ser pago pela atividade mal desenvolvida, em desrespeito ao consumidor, demonstrando ser vantajosa a posterior reparação em detrimento da precaução. O ciclo vicioso da lesão e ulterior compensação ineficaz merece o estigma de produção em escala industrial.

Destarte, parece ser impossível a solução da polêmica dentro dos limites pecuniários impostos pelo temor do enriquecimento indevido. Também é indiscutível a dificuldade em torno da quantificação e a incapacidade do valor monetário como meio de pacificação de conflitos extrapatrimoniais. Discute-se, então, a despatrimonialização da reparação do dano moral, como já ocorre no instrumento da retratação pública prevista na Lei de Imprensa. No âmbito da responsabilidade civil, essa medida serviria como freio para ofensores não desestimulados pela condenação de caráter exclusivamente financeiro.

No caso concreto das operadoras de telefonia, o prejuízo pode ir muito além dos valores ínfimos pagos aos lesados. Em retratação pública, a companhia assumiria a baixa qualidade dos seus serviços, pondo em perigo a fortuna investida em publicidade, deixando-a sem saída: respeite o consumidor ou abandone o mercado. Dessa forma, não acredito que a ofensa constante à sociedade persistisse.

Entretanto, algumas cortes alegam a impossibilidade de aplicar tal reparação não patrimonial por inexistência de autorização legal, exceto nos casos amparados pela Lei de Imprensa (5.250/67). Todavia, alguns tribunais têm rompido essa barreira, como fez o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ao impor o dever de retratação pública para solucionar litígio referente à injusta revista da bolsa de certa cliente na saída de um estabelecimento comercial3.

Tendo em vista a proteção ao instituto da responsabilidade civil e seus preceitos, é absolutamente necessária a reforma na forma de reparação por dano moral. Deve o legislador atentar para as angústias sofridas pela população e o desprestígio que isso vem causando à Justiça. A indenização unicamente monetária tem como conseqüência ações mercenárias, sentenças sem valor social e insatisfação aos anseios da vítima.

Notas de rodapé

1-SCHREIBER, Anderson (2007). Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil. Editora Atlas.

2- Como ressalta Kennedy Lafaiete Fernandes Diógenes em seu artigo sobre os planos de saúde, “Refém da Saúde”, a ida do consumidor à Justiça é indispensável na contenção de abusos. Disponível em http://www.conjur.com.br/static/text/61733,1.

3- TJ-RJ, Apelação Cível 2004.001.08323.

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