Sentindo na pele

Prisão deveria ser requisito para juiz que quer atuar na área penal

Autor

  • Délio Lins e Silva Júnior

    é advogado criminalista professor Universitário e ex-conselheiro da OAB-DF. Especialista em Direito Penal Econômico mestre e doutorando em Ciências Jurídico-Criminais todos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

17 de dezembro de 2007, 23h00

Um dia na prisão deveria ser requisito para quem quer ingressar no funcionalismo e atuar na área penal. Pode parecer, é verdade, uma loucura, para muitos até uma heresia, mas será que diante do tratamento que as prerrogativas dos advogados vêm tendo, constantemente desrespeitadas, para não dizer simplesmente ignoradas, nos balcões de quase todos os Tribunais do país, não poderia ser a sugestão uma solução, ou ao menos uma tentativa, no sentido de ver a lei cumprida? Demonstrar que sim é o objetivo das poucas linhas que se seguem.

Cumpre desde logo registrar o fato de que não se trata a presente manifestação de qualquer tentativa corporativa de defender a classe dos advogados, mas o que se impõe deixar bem claro é que a advocacia é função essencial ao bom andamento da Justiça por imposição constitucional prevista no artigo 133 da nossa Carta Magna, ao asseverar que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. E não é por acaso tal disposição legal.

O advogado é o braço da população no Poder Judiciário; pelo advogado é buscada a defesa em juízo dos interesses dos cidadãos comuns; o advogado é o portador da voz do povo. Mas não é só de nobres funções que vive esse profissional hoje em dia tão desrespeitado, muitas vezes tratado até como vilão pelo simples fato de lutar pelos direitos de seus clientes. O reverso da moeda existe. O advogado tem responsabilidades em relação aos seus clientes.

Nos dois lados da moeda reside o grande perigo ao desrespeito de suas funções. Se o advogado erra é responsável perante seu cliente. Por outro lado, se o advogado não tem acesso aos autos de forma absurda e ilegal, o prejudicado maior é o seu cliente. Se ao advogado é vedado o direito de exercer plenamente suas funções, a defesa de seu cliente será a maior afetada. Se os juízes não recebem os advogados, o ponto de vista de seu cliente é que não será mostrado da forma que ele entendia necessária ao magistrado responsável pela causa.

E mais. Se o Ministério Público demora às vezes até meses para devolver um Habeas Corpus que lhe foi remetido para a devida emissão de parecer quem fica preso é o paciente. Se um juiz, desembargador ou ministro (as letras são minúsculas para que fique bem clara a igualdade com o advogado) demora mais de uma semana para despachar uma liminar de réu preso, quem tem sua liberdade cerceada é um cidadão que até prova em contrário deve ser tratado como qualquer outro inocente. Se um serventuário nega ao advogado o direito de se dar por ciente de uma decisão denegatória do direito pleiteado para que possa logo seguir para a próxima etapa, não é ele quem vai explicar para o cliente do advogado o porque da demora na publicação, e por aí apontaríamos aqui dezenas de exemplos.

Mas além da defesa dos cidadãos estar a cargo do advogado, não é demais lembrar também que a Lei 8.906/94 garante a tais profissionais, e especificamente a eles, algumas prerrogativas. O acesso pleno e irrestrito aos autos, onde quer que estejam, inclusive com direito a cópias, independentemente de instrumento procuratório, talvez seja a mais emblemática delas.

E diante de tudo isso, como explicar, por exemplo, a Resolução 507 do Conselho de Justiça Federal, datada de 31 de maio de 2006, ao prever nos parágrafos 2º e 3º, do seu artigo 5º, que “§2º – não será permitida a carga de feitos sigilosos à parte requerida, a fim de se garantir a manutenção da decretação de sigilo; §3º – a vista dos autos nos feitos declarados sigilosos dependerá sempre de autorização expressa do juiz competente e restringir-se-á apenas aos elementos processuais essenciais à ampla defesa do interessado.”, mormente quando, como no caso do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, exige-se que o advogado peticione nos autos especificando quais as cópias que pretende ver reproduzidas, sem poder ver os autos, para que um funcionário qualquer decida se é ou não aquele documento necessário para o exercício da ampla defesa?

Ou a orientação do gabinete de um dos ministros da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, vigente até poucos dias atrás, no sentido de que o advogado não possa tomar ciência da decisão que negou seu pedido liminar de soltura do paciente, devendo aguardar a publicação da decisão, sabe-se lá que dia, para que possa tomar as providências cabíveis?

São dois pequenos exemplos que por acaso aconteceram com o advogado que subscreve este singelo artigo, o qual pode até ser chamado de desabafo, no mesmo dia 19 de setembro de 2007. Imaginem, ou bem sabem os leitores, todas as arbitrariedades que vêm sendo cometidas ao redor do país, das comarcas mais longínquas de primeira instância aos Tribunais estaduais e federais. Não podemos aqui enumerá-las, mas algo tem que ser feito.

Nesse sentido, foi noticiado pela imprensa dias atrás que o Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Evandro Pertence, a quem tenho a certeza de poder chamar de amigo, propôs naquela instituição que a OAB elaborasse uma proposta de inclusão da matéria “prerrogativas dos advogados” nos concursos públicos.

Este autor vai ainda mais além, o que fica aqui a título de sugestão. Inclua-se como requisito para a efetivação da posse no cargo público, seja de um serventuário, juiz, desembargador, ministro do Superior Tribunal de Justiça ou mesmo do Supremo Tribunal Federal, a visita e permanência por um dia em um presídio ou delegacia do país, inclusive tendo contato com os presos, para que possam ouvir tudo que essas pessoas passam no dia a dia da prisão.

Só assim, tendo o devido contato com a realidade, poderá o servidor, seja ele do grau que for, ser mais humano antes de decidir por esperar minutos, horas ou um dia a mais para: dar um carimbo; encaminhar os autos para o lugar devido; expedir ofício comunicando a soltura de alguém; dar um parecer, despachar uma liminar; apreciar um pedido de liberdade provisória; julgar um Habeas Corpus, deixar o advogado da parte ter vista dos autos e tirar as cópias que bem entender necessárias para o exercício da ampla defesa técnica de seu cliente; enfim, cumprir a lei e desempenhar com empenho seu papel de servidor público.

Está feita a proposta.

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