Distribuição investigada

Juíza acusa advogados de tentar desmoralizar a Justiça

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18 de dezembro de 2007, 13h38

Os dezenove advogados que assinam o Habeas Corpus impetrado no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio e Espírito Santo) para tentar suspender alguns processos da Operação Hurricane estão sendo acusados pela juíza Valéria Caldi, da 8ª Vara Federal do Rio, de tentativa de “desmoralização do juízo da 6ª Vara e das investigações que ali tramitam”.

“Os impetrantes estão a imputar novamente a este juízo, estendendo-a a todos os juízes que aqui atuam, uma fraude!!! Uma grave fraude, diga-se de passagem, qual seja: a de amparar, com institutos jurídicos inexistentes, uma atitude que afirmam pré-concebida, de caso pensado, destinada a violar deliberadamente um critério legal de competência e, com isso, encobrir atos supostamente escusos de um Procurador da República e de um Delegado de Polícia Federal e receber processos que não estariam sabidamente em seu feixe de atribuições (a “burla da livre distribuição”)”, afirma a juíza no documento.

Substituindo a juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, titular da 6ª Vara Federal que se encontra em férias de fim de ano, Caldi foi a responsável pelo envio das informações solicitadas pelo desembargador Abel Gomes para instruir o HC 2007.02.01.0162294-1. Redigiu um documento de 148 laudas com virulentas críticas aos 19 advogados, batendo duro especialmente no ex-procurador geral da República, Aristides Junqueira, que ingressou no caso. Ela diz nas informações prestadas:

“De novo mesmo, vislumbrei apenas a constituição de advogado de renome, cujo saber e competência são, ademais, incompatíveis com as inúmeras ofensas ao vernáculo cometidas na peça a que ora respondo. Causa estranheza, aliás, que tantas cabeças pensantes tenham se reunido para confeccionar uma peça de tal quilate, que, ademais de conter graves equívocos fáticos, jurídicos e gramaticais, reedita infundadas ofensas aos magistrados que atuaram e atuam junto a este juízo.”

A juíza teve a preocupação – pouco usual neste tipo de informações – de apresentar um quadro gráfico mostrando que a inicial deste HC é semelhante a diversas outras ações já interpostas naquele juízo, ou mesmo no TRF, e que foram devidamente rejeitadas. No quadro ela mostra a repetição de frases ou termos e ainda destaca os erros de ortografia que se repetem.

A tese dos advogados – de que houve fraude na distribuição das investigações que levaram ao desencadeamento de operações policiais denominadas Planador, Cerol, Furacão e Resgate, é rebatida ponto por ponto com um longo histórico de tudo o que aconteceu na 6ª Vara Federal desde maio de 2002. Naquela data, a pedido do Ministério Público, foi instaurada uma Medida Cautelar que autorizou escuta em aparelhos telefônicos do Aeroporto Internacional Tom Jobim, utilizados por policiais federais e auditores da Receita acusados de diversos crimes.

No detalhado relato feito pela juíza há informações de uma quantidade enorme de policiais que, segundo as denuncias recebidas pela Procuradoria da República na época, estariam envolvidos em atos de corrupção, a começar pelo então superintendente da Polícia Federal no Rio, delegado Pedro Berwanger.

Alguns destes policiais – incluindo delegados em cargos de chefia que, pelas denúncias, recebiam propinas periódicas – jamais chegaram a ser investigados de fato, como foi o caso do próprio Berwanger. Muitos dos citados, como destacou a juíza Valéria Caldi nas informações, acabaram sendo pegos pelas operações policiais e aparecem como réus em diversos processos em tramitação na 6ª Vara.

Depois de demonstrar com insistência a conexão existente entre aquela Medida Cautelar de 2002 e os fatos apurados ao longo das demais investigações desencadeadas junto à 6ª Vara, Valéria destaca que no caso da Operação Furacão, as primeiras medidas coercitivas – prisões e mandados de busca e apreensão – foram determinadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso. Em seguida questiona: “Será, realmente, que os impetrantes acreditam que, diante do suposto vício de origem apontado nesta inicial, toda a prova produzida até então, inclusive as interceptações telefônicas deferidas por este juízo e pelo excelentíssimo senhor ministro Cezar Peluso, são totalmente nulas??”

Ela mostra como os advogados pretendem, em última análise, que o Tribunal Regional Federal anule decisões que foram tomadas pelo Supremo Tribunal Federal: “Será, realmente, que os impetrantes pretendem que este Tribunal Regional Federal, por via oblíqua e endossando uma tese esdrúxula, declare nulas decisões de busca e apreensão e prisões temporárias proferidas por um ministro do Supremo Tribunal Federal??? Porque, realmente, esta é a conseqüência que, caso estas absurdas teses sejam acolhidas, será defendida em seguida: havendo nulidade absoluta por incompetência do juízo, nulas serão todas as decisões proferidas, bem assim as provas colhidas e aquelas que dela se originaram por derivação!!!!”

A juíza classifica como mentiroso o procurador da República José Augusto Simões Vagos por ele ter dito, durante o interrogatório do agente federal José Ribamar Pereira, em 2002, que ele mantinha com a juíza Ana Paula, uma relação de “pede e defere”. Ela até explica que tal afirmativa deve ser entendida como uma tentativa de convencer o policial a se transformar em réu delator. Cita, inclusive, que este foi o entendimento do desembargador Sérgio Feltrin do TRF, ao rejeitar Habeas Corpus que tentava anular a tramitação de um destes processos por causa da frase.

Nem por isto, a juíza deixou de ser dura com Vagos. “Certo é que o referido Procurador jamais poderia ter feito tais afirmações, pois, consoante esclarecido pela doutora Ana Paula Vieira de Carvalho, a relação de “pede-defere” por ele afirmada nunca existiu. Tratava-se, portanto, de uma mentira”, diz Valéria no documento.

Novamente é lembrado que Vagos não atuou no caso, pois se considerou impedido no momento em que ele mesmo identificou a presença do seu cunhado – um despachante – como um dos envolvidos nas fraudes de passaporte. Nem tampouco a juíza Ana Paula atuou no processo naquela época que estava sendo presidido pelo juiz auxiliar Alfredo Jara Moura. Como prova da isenção do juiz e dos próprios procuradores responsáveis pela investigação, relembra-se que a casa do cunhado do procurador foi objeto de busca e apreensão e ele acabou denunciado criminalmente.

Valéria tratou com firmeza os 19 advogados que assinam o HC entre eles alguns nomes famosos na advocacia criminal do Rio, como Nélio Machado, Ubiratan Guedes, o escritório de Felipe Amodeo, além, é claro, do recém ingressado na causa, Aristides Junqueira. Para a juíza, na falta de argumentos jurídicos, os advogados apelam para a tentativa de desmoralização da sua colega Ana Paula e de outros magistrados que atuaram no caso.

“Algumas defesas, data venia, a pretexto de sustentar uma tese jurídica, vêm aparentemente reiterando ofensas à honra de magistrados federais, como se pretendessem com isso algo mais do que discutir, honestamente, os fatos e o direito em determinados processos”.

O documento também ataca a afirmação de que a juíza da 6ª Vara tenta atrair os processos de maior repercussão. “É uma acusação direta, que culmina com a seguinte afirmação: “as pretensas conexões sustentadas pela Magistrada praticamente tornou (sic) o juízo da 6ª numa vara especializada em Crimes de Corrupção ou em “Vara Especializada em Crimes de Repercussão” ocorridos na Superintendência de Polícia Federal, bem como em relação a supostos envolvidos na máfia do (sic) caça-níqueis, em verdadeira afronta ao regimento interno do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. ””

Para rebater esta acusação, Valéria apresenta outro quadro relacionando os diversos casos policiais que repercutiram na mídia e que tramitam em outras varas criminais federais do Rio. Por fim, ela utiliza o fato de imagens do interrogatório do policial Ribamar, gravadas em vídeo em 2002, terem sido colocadas no site de compartilhamento de vídeos Youtube para demonstrar sua tese de que há uma tentativa de desmoralizar o juízo da 6ª Vara. Ela teve o trabalho de capturar as imagens – apresentadas com a legendas “Fraudes na Justiça Federal: partes 1, 2 e 3” – reproduzindo algumas no documento para que o desembargador Gomes tomasse conhecimento. E afirma em seguida:

“Trago tais fatos ao conhecimento de V. Exa. exclusivamente para demonstrar que, apesar da lisura e da transparência com que este juízo tem se pautado na condução dos seus processos, e de a alegação da suposta “fraude” na distribuição ainda não ter sido sequer apreciada por V. Exa., já está sendo veiculada na internet como comprovada a hipótese de fraude na distribuição de feitos a este juízo, representando esta medida mais um vil e covarde ataque à instituição da Justiça Federa”.

Clique aqui para ler as informações da juíza.

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