Desempenho da corte

STF consignou omissões constitucionais do Congresso

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16 de dezembro de 2007, 23h00

A cada dia têm se tornado freqüentes os exemplos de efetivo desempenho das atribuições constitucionais advindos do Supremo Tribunal Federal, em especial se confrontados com as constantes omissões imputadas ao Congresso Nacional.

Em 1987, ou seja, um ano antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, o Brasil possuía 4.182 municípios, segundo dados do IBGE. Em 2007, ano em que o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.682, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, esse número alcançou a ordem de 5.564 municípios. Ao julgar o aludido precedente, o Supremo Tribunal Federal, além de promover uma significativa inovação em sua jurisprudência, escancarou um processo de identificação das graves omissões institucionais do Congresso Nacional.

No dia 9 de maio deste ano, a Suprema Corte reconheceu a mora legislativa do Congresso Nacional em editar lei complementar definidora do período de criação de municípios, nos termos do que preconizava o artigo 18, § 4º, da CF, com a redação da Emenda Constitucional 15/96.

Com o intuito de impedir o fenômeno da multiplicação desordenada de municípios, propiciador da proliferação clientelista e incompreensível de vereadores — outrora também limitada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 3.345 e 3.365, relator Ministro Celso de Mello — , o Tribunal concedeu o prazo de 18 meses a fim de que o Congresso Nacional iniciasse o processo legislativo para conferir eficácia plena ao artigo 18, § 4.º, da Constituição Federal.

Após anos de debate em torno da imprescindível realização de uma reforma política no país, sem qualquer indicativo de que o Congresso Nacional tomaria as rédeas do processo decisório, eis que exsurge, no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, uma consulta a respeito da fidelidade partidária. Ao concretizar o mandamento constitucional da indeclinabilidade, o referido órgão jurisdicional ainda viabilizou que o STF emitisse seu ultimato: o mandato pertence ao partido político desde 27 de março de 2007.

Afundado em crises e escândalos rotineiros, ao Congresso Nacional restou assimilar o recado. Em outras palavras, o Supremo Tribunal consignou que as omissões constitucionais de um dos Poderes da República, sobretudo aquele de quem se espera a iniciativa legislativa decorrente da representatividade, não se podem erigir em óbices à consolidação e aprimoramento do Estado Democrático de Direito.

A última prova de que quando um Poder se encurta, o outro se alonga, adveio do julgamento realizado no último dia 25 de outubro. Após julgar os Mandados de Injunção 670, Relator ministro Gilmar Mendes, e 712, relator ministro Eros Grau, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, que, ante a inércia legislativa do Congresso Nacional em relação à regulamentação do exercício do direito de greve dos servidores públicos, a Lei 7.783/89, pertinente ao setor privado, se aplica, no que couber, ao setor público. Com esse posicionamento, o Tribunal superou, de certo modo, a jurisprudência sedimentada a partir do MI 107, relator ministro Moreira Alves.

À evidência, trata-se de três casos emblemáticos de uma relação tormentosa entre Poderes — atribuída, principalmente, à passividade de um deles — em que os freios às omissões se sobrepõem aos contrapesos, na melhor acepção de Montesquieu. Inconteste, por sinal, que a atual composição do Supremo Tribunal Federal tem transmitido com clareza e primor seu posicionamento.

Em seus Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio, Maquiavel lembrava que “não observar uma lei é dar mau exemplo, sobretudo quando quem a desrespeita é seu autor (…)” (quadragésimo quinto capítulo). Mas, e quando quem deveria ser presumivelmente o autor das leis, por força de mandato popular, sequer exerce tal atribuição? Como poderia um dos Poderes compartilhar da constante e injustificável omissão de outro?

A despeito desses aspectos, o Supremo Tribunal Federal permanece em sua condição de “legislador negativo” — e essencial para o Estado Democrático de Direito que assim o seja — , todavia o alcance semântico da expressão tornou-se significativamente menor do que a função por ela assumida na atual ordem constitucional.

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