Retrospectiva 2007

Má administração e descaso político emperram Justiça paulista

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15 de dezembro de 2007, 23h01

Este texto sobre a Judiciário paulista faz parte da Retrospectiva 2007, uma série de artigos em que são analisados os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.

No ano que se encerra, os magistrados paulistas, como sempre, trabalharam muito e muito, dando conta de milhares de processos, mas não o suficiente para fazer frente à demanda avassaladora que assola a Justiça de São Paulo. Ficam a seu cargo nada menos do que 49% do movimento forense nacional. Dos poucos mais de 40 milhões de processos em andamento, 17 milhões estão no Judiciário Bandeirante.

A direção atual se esforçou ao máximo e muito fez, mas persistem os problemas crônicos a obstarem uma prestação jurisdicional célere e de qualidade. As causas advêm da defasagem gestacional e do descaso político que se acumulam há décadas.

Outrora, o juiz era juiz e não tinha perfil de administrador, fator agravado pela austeridade exacerbada de que se cercavam os membros da Magistratura. Nada podia. Não era adequado para o juiz falar à imprensa, reclamar, reivindicar e mesmo insurgir-se contra as imposições do poderoso Executivo. Isso tudo contribuiu, em muito, para que o Judiciário se tornasse anacrônico e defasado, diante dos avanços tecnológicos e administrativos da era atual e do acentuado crescimento demográfico e econômico.

Hoje tudo mudou e se exige do magistrado administrador gestão moderna e eficaz, sob pena de a situação, já grave, tornar-se ainda pior. Desde que, preservada a dignidade do cargo, nada impede o juiz administrador de reivindicar, dar contas ao público, defender-se e reclamar sim contra os abusos cometidos pelos demais Poderes contra o irmão menos favorecido. E, nessa linha, as reclamações são muitas.

O Judiciário ficou completamente engessado. Do orçamento, o Executivo, como de costume, cortou-lhe na carne, de modo a resultar recursos manifestamente insuficientes para fazer frente ao mínimo necessário. Com isso, os avanços na reestruturação ficam prejudicados.

Só para citar alguns problemas, o Tribunal ainda não está informatizado adequadamente, os juízes não contam com assessoria técnica gabaritada e os gabinetes dos desembargadores são os mais desprovidos de pessoal do país. Além disso, o servidor, mola propulsora da instituição, está completamente desmotivado, desestimulado, porque não tem a mínima perspectiva de avanço funcional. O projeto que diz com o plano de cargos e carreiras está parado na Assembléia Legislativa, assim como o projeto do subsídio dos magistrados, propiciando, mais e mais, a perda de gente gabaritada para outras magistraturas e carreiras jurídicas.

Não só, o Executivo passou a dispor da folha de pagamento do Judiciário, negociando-a com o banco estatal por valor ou vantagem que permitiria a satisfação de boa parte dos atrasados devidos há anos a servidores e magistrados. Também passou a se valer dos depósitos judiciais por força de legislação hoje questionada no STF. Dessa forma, a Justiça de São Paulo ficou, ademais, sem elementos para negociar, no sentido positivo, parceria bancária capaz de fazer frente a suas necessidades, considerada sua impressionante envergadura, envergadura essa capaz de comparação, em termos administrativos, com algumas unidades da federação.

A União, por sua vez, persiste explorando os Judiciários dos estados e, obviamente, o de São Paulo. São inúmeros feitos da competência da Justiça Federal obstaculizando a prestação jurisdicional ordinária, sem que o governo federal forneça pessoal e estrutura.

Não bastasse, o Conselho Nacional de Justiça persiste atuando no varejo e reluta em assumir com afinco, como deveria, seu papel fundamental, que é o de encontrar caminhos e propiciar a reestruturação do Judiciário, com vistas a prestação jurisdicional à altura dos salgados impostos pagos pelo cidadão.

Para completar, não obstante os almejados avanços constitucionais e políticos obtidos, como a eleição de metade dos integrantes do Órgão Especial, a Corte Máxima, ainda neste ano, resolve ressuscitar dispositivo retrógrado gerado no seio da ditadura militar, para tutelar a administração interna dos tribunais de segundo grau e reduzir-lhes o universo de elegíveis, em prejuízo de ampla discussão programática ao avanço do Poder.

Por aí já se vê que, pesados os prós e contras, estes, lamentavelmente, prevaleceram no ano que se finda.

Destarte, o desafio que o novo presidente do Tribunal de Justiça Bandeirante terá adiante é incomensurável e reclamará energia, habilidade política e administrativa, além de muita coragem para ganhar espaço rumo à independência de que necessita o Judiciário, independência essa ainda letra morta na Carta da República.

Não há lugar para desânimo, todavia. Façamos todos o mea-culpa, mediante reanálise dos aspectos negativos, arregaçando as mangas e trabalhando em prol de um Judiciário melhor e mais humano.

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