Defesa do servidor

STJ precisa revogar ou limitar efeitos da Súmula 343

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14 de dezembro de 2007, 23h00

Discute-se atualmente, na esfera da administração pública, sobre os efeitos da Súmula 343, da Jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, publicada no Diário da Justiça de 21 de setembro 2007, que exige a designação de advogado para o patrocínio da defesa de servidor que figura como acusado em procedimento administrativo disciplinar, nos seguintes termos:

“É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar”.

Dentre os precedentes que levaram à edição da Súmula 343, constam, da página eletrônica do Tribunal, referências expressas ao MS 10.837/DF, ao ROMS 10.148/PE, ao EDcl-MS 10.565 DF, ao MS 9.201/DF e ao MS 7.078, consubstanciando entendimento cristalizado nestes últimos anos, no sentido de que,

“Apesar de não haver qualquer disposição legal que determine a nomeação de defensor dativo para o acompanhamento das oitivas de testemunhas e demais diligências, no caso de o acusado não comparecer aos respectivos atos, tampouco seu advogado constituído — como existe no âmbito do processo penal —, não se pode vislumbrar a formação de uma relação jurídica válida sem a presença, ainda que meramente potencial, da defesa técnica. A constituição de advogado ou de defensor dativo é, também no âmbito do processo disciplinar, elementar à essência da garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. O princípio da ampla defesa no processo administrativo disciplinar se materializa, nesse particular, não apenas com a oportunização ao acusado de fazer-se representar por advogado legalmente constituído desde a instauração do processo, mas com a efetiva constituição de defensor durante todo o seu desenvolvimento, garantia que não foi devidamente observada pela Autoridade Impetrada, a evidenciar a existência de direito líquido e certo a ser amparado via mandamental. Precedentes”

(MS 10.837/DF, relator ministro Paulo Gallotti, relatora para o acórdão ministra Laurita Vaz, 3ª Seção, j. 28.06.2006, DJ 13.11.2006, p. 221).

Na mesma esteira é o RMS 20.148/PE, relator ministro Gilson Dipp, 5ª Turma, j. 07.03.2006, DJ 27.03.2006, p. 304, verbis:

“O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência uniforme no sentido de que os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, igualmente incidentes na esfera administrativa, têm por escopo propiciar ao servidor oportunidade de oferecer resistência aos fatos que lhe são imputados, sendo obrigatória a presença de advogado constituído ou defensor dativo. Precedentes. Não havendo a observância dos ditames previstos resta configurado o desrespeito aos princípios do devido processo legal, não havendo como subsistir a punição aplicada”.

O acórdão proferido em sede de EDcl no MS 10.565/DF, relator ministro Félix Fischer, 3ª Seção, j. 18.06.2006, DJ 28.08.2006, p. 212, é ainda mais incisivo:

“O acórdão embargado, ao entender que o inciso LV do art. 5º e 133 da Constituição tornam indispensável a defesa do servidor por causídico habilitado, afastou, implicitamente, a norma do art. 156 da Lei nº 8.112/90, que faculta ao servidor o direito de defender-se pessoalmente, não configurando omissão a falta de pronunciamento expresso sobre essa norma legal”

No mesmo diapasão é a ementa do acórdão do MS 9.201/DF, relatora ministra Laurita Vaz, 3ª Seção, j. 08.09.2004, DJ 18.10.2004, p. 186:

“Na hipótese, durante a instrução do Processo Administrativo Disciplinar, o Impetrante não contou com a presença obrigatória de advogado constituído ou defensor dativo, circunstância, que, a luz dos precedentes desta Corte de Justiça, elementar à garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, quer se trate de processo judicial ou administrativo, porque tem como sujeitos não apenas os litigantes, mas também os acusados em geral. Precedentes desta Corte”.

Enfim, o outro precedente exposto na página eletrônica do STJ, que divulga a Súmula 343, refere-se ao MS 7.078/DF, relator ministro Hamilton Carvalhido, 3ª Seção, j. 22.10.2003, DJ 09.12.2003, p. 206, assim ementado:

“A presença obrigatória de advogado constituído ou defensor dativo é elementar à essência mesma da garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, quer se trate de processo judicial ou administrativo, porque tem como sujeitos não apenas os litigantes, mas também os acusados em geral”.

Como visto, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, de uns anos para cá vem se inclinando pela exigência da participação de profissional técnico do Direito em todas as fases do procedimento administrativo disciplinar, com o fito de garantir o exercício pleno das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, mediante a formação de uma relação processual equilibrada, justa, em que o direito à defesa não seja apenas potencial, mas, exercido de forma válida e eficaz.


A exigência, que até então era exposta incidentalmente pelo STJ, agora se cristaliza em uma Súmula, cujo valor jurisprudencial confere uma autoridade ampliada ao entendimento do Tribunal, a qual, em que pese não ser imbuída de caráter obrigatório, a ponto de vincular a administração, aconselha seja sopesada como uma importante inovação no mundo jurídico.

Na esfera da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, os processos administrativos disciplinares costumam ser objeto de acurada vigilância, quanto ao efetivo exercício dos direitos constitucionais ao contraditório e à ampla defesa, com os meios a eles inerentes, de sorte, que, sempre que o acusado é notificado da instauração do feito por uma Comissão Processante, é sistematicamente advertido de que pode defender-se, por si ou por intermédio de advogado, segundo o seu alvitre.

Quando o acusado, que não habilitação para fazer a própria defesa, se declara hipossuficiente, ou seja, sem condições financeiras para contratar advogado, a administração é orientada a designar defensor dativo, cuja escolha, dadas as características próprias do procedimento administrativo disciplinar, que se orienta pelo formalismo moderado, tem recaído ordinariamente sobre servidor efetivo, ocupante de cargo ou escolaridade do mesmo nível, ou de nível superior ao do acusado, mas não necessariamente advogado, porque a Lei Disciplinar não exige.

Todavia, ante a Súmula 343 do STJ, tal orientação precisa ser adequada à exigência do Tribunal, que, invariavelmente, é o destinatário da maioria dos recursos contra as decisões proferidas pela administração federal nos procedimentos disciplinares.

Frente à novidade, algumas comissões processantes já estão solicitando, ex officio, à autoridade instauradora do feito, a designação de advogado dativo, em caráter acautelatório, desde o início dos trâmites, visando a garantir a validade do processo, posto que, em geral, o acusado (que tem condições financeiras) costuma indicar defensor somente depois de ultimada a instrução, quando, em face dos termos de indiciamento, pode avaliar melhor o peso da acusação e das provas coligidas.

Estima-se, que, a repetição de atos processuais praticados sem a presença de advogado, se anulados pela Justiça, poderia ser mais dispendiosa para a administração do que a antecipada designação de defensor, por conta do erário.

De todo modo, antes de designar dativo para patrocínio da defesa do acusado, convém esclarecer se ele considera-se carecedor de assistência jurídica, porque, proceder à designação sem ser solicitada, pode implicar uma situação teratológica, em que a administração comparece simultaneamente como patrocinadora da acusação e da defesa.

Tal hipótese soa absurda, porque, não se concebe que a administração se antecipe, substituindo a vontade do principal interessado e lhe imponha ex officio um advogado de sua preferência, escolhido em seus próprios quadros.

Se tal ocorrer, a equação jurídica entre a administração e o administrado, que a Súmula 343 pretende equilibrar, para garantir o exercício eficaz dos direitos à ampla defesa e ao contraditório, quedará irremediavelmente fulminada, desnaturando o espírito da norma constitucional, que erigiu em cânone o princípio do devido processo legal, para o fim de proteger, beneficiar e facultar, não para obrigar.

Por outro lado, há sérias dúvidas, sobre os advogados a serem designados para defesas dativas em tais feitos, serem integrantes das áreas consultivas ou contenciosas, ou de outros órgãos dos serviços jurídicos da administração, bem como, sobre quais autoridades serão competentes para formalizar as designações, e sob que condições, dentre outras indagações de cunho objetivo.

Como frisado acima, a Súmula 343, do STJ, que assinala a exigência de participação de advogado em todas as fases do procedimento disciplinar, malgrado a sua importância jurisprudencial, não vincula a administração, cuja atuação, relacionada aos servidores públicos civis da União, regula-se pela Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, a qual, como assinala o próprio Superior Tribunal de Justiça, nos precedentes que levaram à edição da Súmula, não exige a presença de advogado nos procedimentos administrativos disciplinares, que são de índole formal moderada.

Incomoda a hipótese de a administração patrocinar, simultaneamente, a acusação e a defesa, esta última, impondo ao administrado um advogado de sua escolha, especialmente quando a designação se proceder ex officio, independentemente de pedido do acusado, podendo resultar, daí, que, ao invés de se ensejar a igualdade, ou equilíbrio processual, que pretende o STJ com a Súmula 343, o administrado fique em situação desfavorável, pois o defensor-servidor, mesmo ocupando cargo efetivo, com estabilidade no serviço público, por temor reverencial pode não se imbuir da indispensável isenção, ou autonomia para conduzir a defesa.


Por outro lado, preocupa o desdobramento da aplicação da Sumula 343, quanto à designação obrigatória de advogado para atuar em todos os processos disciplinares desde os trâmites inaugurais, dada a enorme quantidade de feitos que tramitam na administração, que, sabidamente, dispõe de número insuficiente de profissionais do Direito para atender à crescente demanda dos serviços advocatícios da União.

Assim, o atendimento ex officio, generalizado, do preceito sumulado poderia implicar um colapso no sistema da Advocacia Federal de Estado, não sendo despropositado aduzir, que, o mesmo, poderia ocorrer na esfera das Unidades Federativas, cujas procuraturas também carecem de melhor estrutura humana.

Ainda que houvesse advogados em número suficiente para tal mister, há, ainda, que ser superada a restrição, basicamente incontornável, segundo a qual, o advogado público só pode atuar quando atingido o bem público.

Outra solução alvitrada seria designar dativo dentre os Defensores Públicos, que são especializados na defesa dos hipossuficientes, mas, isto não seria praticável, porque são em número ainda mais reduzido do que nas demais carreiras jurídicas.

De seu lado, a designação de mero portador de diploma de bacharel em Direito, escolhido dentre os servidores ocupantes de outros cargos, que não os jurídicos, além de configurar desvio de função, seria temerário, podendo causar mais prejuízos do que benefícios aos administrados, em relação aos quais a defesa tem que ser tão eficaz quanto possível, como fundamento para a validade do processo.

Nada obstante, até que sobrevenham normas explícitas sobre como conduzir tal assunto é aconselhável que a administração continue aferindo, em cada procedimento disciplinar, se a defesa foi exercida com eficácia.

Quando a defesa se mostrar deficiente, aconselha-se a anulação, parcial ou total do procedimento, e a designação de dativo para o patrocínio da defesa do acusado, como, aliás, é da tradição do serviço público, com razoável índice de aproveitamento de tal iniciativa, mesmo considerando, que, o defensor, nem sempre possa ser escolhido dentre Bacharéis em Direito, já que, a exigência legal é de que seja ocupante de cargo, ou de que ostente escolaridade, do mesmo nível, ou superior ao do acusado.

Enfim, não há como olvidar, que, para o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, agora em face da Súmula 343, a atuação supletiva da administração, na designação de defensor nesse tipo de procedimento, não é suficiente, pois, para o Tribunal, a atuação do advogado deve contemplar todas as fases, desde a instauração do feito.

Doravante, há, portanto, risco potencial de anulação em série dos processos em que não haja atuação de advogado defensivo nos moldes preconizados pelo STJ, com os servidores punidos disciplinarmente passando a ter mais uma forte razão para recorrer aos tribunais, em quaisquer casos, com chances ampliadas de sucesso.

Posto isso, frente à notória repercussão da matéria na esfera da administração pública, é conveniente que se pronuncie a respeito as autoridades da Advocatura de Estado, tanto a federal como as estaduais e municipais, quiçá, promovendo, junto ao egrégio Superior Tribunal de Justiça, a revogação da Súmula 343, ou, quando menos, a limitação do seu alcance aos casos, em que, por deficiência técnica da defesa, os procedimentos disciplinares devam ser refeitos.

Como visto, o tema é interessante e de notória repercussão na administração pública, em todos os níveis, fazendo pressupor que muitas discussões serão travadas até que uma solução razoável venha a surgir.

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