Retrospectiva 2007

Retrospectiva 2007: Meio ambiente ganhou com especialização

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

14 de dezembro de 2007, 16h24

Este texto sobre Direito Ambiental faz parte da Retrospectiva 2007, uma série de artigos em que são analisados os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.

1. A situação do meio ambiente

No mundo inteiro, pessoas assistem às transformações ambientais. Entre céticos e assustados, os últimos vêm se tornando maioria. Enchentes, vendavais, secas prolongadas, maremotos e outros fenômenos climáticos, que se sucedem com cada vez mais freqüência e intensidade. Sobrepairando o vendaval de surpresas, o aquecimento global passa a ser assunto do conhecimento geral, por força da divulgação que vem sendo feita nos meios de comunicação. Em especial o filme Verdade Inconveniente, do ex-vice-presidente dos Estados Unidos da América, Al Gore.

Em meio a tudo isso, questões da mais alta complexidade suscitam dúvidas atrozes no espírito das pessoas e, em especial, dos operadores do Direito. Por exemplo, sabem todos que o Brasil necessita de emprego e desenvolvimento econômico. Mas qual o limite para que esse avanço se faça com a proteção ao meio ambiente, como manda o artigo 170, inciso VI, da Constituição? Nada melhor para exemplificar do que o plantio de cana-de-açúcar para a produção de álcool, substituto natural do petróleo e que causa menor poluição. As plantações, outrora no Nordeste e em São Paulo, avançam em direção ao Norte do país, sendo que Canaviais e queimadas já desafiam Amazônia, onde Usina parceira da Coca-Cola tem 59 mil hectares de cana na floresta (O Estado de São Paulo, 7.10.2007, B10). O Pantanal, situado nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, onde o ritmo de desmatamento saltou de 1% em 2000 para mais de 4% atualmente (O Estado de São Paulo, 4.1.2007, A16), pondo em risco aquele bioma rico e frágil.

O quadro atual, mesclando preocupação das pessoas com oportunidade de bons negócios, faz com que o marketing ecológico das empresas apele para medidas de proteção ao meio ambiente, com certificação. Tais iniciativas, ora verdadeiras, ora não, fazem com que a tudo se adjetive com a palavra “sustentabilidade”, hoje utilizada para os mais diversos fins. Em rota oposta, a filosofia de reciclagem e reaproveitamento de material usado ganha adeptos. Nos Estados Unidos, freegans vivem de lixo para reverter desperdício (Folha de São Paulo 4.11.2007, A25). Todavia, essa reação ainda é tímida diante da gravidade dos dejetos causados pelo consumo excessivo da população e pelos danos que isto causa aos recursos naturais.

2. O Direito e a proteção ao meio ambiente

As normas jurídicas, a doutrina e as decisões dos Tribunais, decididamente, constituem fator da máxima importância na proteção do meio ambiente. Não constituem o primeiro passo, é verdade. Em um primeiro momento, o mais importante é a educação ambiental, as políticas públicas, o zoneamento ambiental, a ética ambiental, enfim, tudo o que pode transformar comportamentos e induzir as pessoas a zelarem pelo ambiente em que vivem.

No entanto, em um segundo momento e quando as medidas preventivas não se mostram suficientes, as normas reguladoras da matéria revelam-se importantes. Não é por acaso que o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente — Pnuma, no grande congresso internacional realizado em Joanesburgo, África do Sul, em 2002 (Rio +10), realizou um encontro paralelo (18 a 20.8.2002), denominado Simpósio Global de Juízes sobre o Desenvolvimento Sustentável e o Papel do Direito.

A importância das Ciências Jurídicas vem fazendo com que, cada vez mais, as Faculdades de Direito introduzam a matéria nos currículos dos cursos de graduação (só na região metropolitana de Curitiba, 9 Faculdades adotam esta medida), cursos de especialização multipliquem-se por todo o país e agora, de maneira inovadora e oportuna, a Escola Nacional de Aperfeiçoamento e Formação de Magistrados — Enfam, do Superior Tribunal de Justiça, através da Resolução 1/2007, tenha incluído o Direito Ambiental como disciplina obrigatória em todos os concursos para a magistratura federal e estadual, a partir de janeiro de 2008. É dizer, a partir do próximo ano não haverá novo magistrado que não conheça a matéria, o que é muito bom.

No âmbito do Poder Judiciário, a especialização, ainda que continue sendo pouco utilizada, vem produzindo excelentes resultados. As antigas Varas de Cuiabá e Manaus continuam a prestar bons serviços em 2007. As três Varas Federais, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre, processam e julgam com mais agilidade e qualidade. A Câmara Ambiental do Tribunal de Justiça de São Paulo, além do rigor técnico de suas decisões, diminuiu em muito o prazo de julgamento de um recurso. Da mesma forma a 4ª. Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.


3. As questões ambientais e os Tribunais em 2007

3.1. População e meio ambiente

O aumento populacional ou, pelo menos, a sua concentração em determinadas áreas, é um dos maiores problemas para a proteção do meio ambiente. No mundo animal há limites estabelecidos. Como ensina Eugene Odum, exemplificando, uma área de floresta poderá apresentar uma média de 10 aves por hectare e 20.000 antrópodos do solo por m2, porém nunca poderá ter um número de 20.000 aves por m2 ou um número tão pequeno como10 antrópodos por hectare (Fundamentos de Ecologia, 1971, p. 3812). É verdade que, em 1994, a ONU promoveu no Cairo a “Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento”.

Todavia, destes estudos e de outros que se fizeram, não surgiram resultados práticos. Washington Novaes, em um dos poucos estudos sobre o tema, alerta que os dados e projeções atuais aconselham muita reflexão aos formuladores de políticas públicas. Principalmente na Grande São Paulo, que, em 2015, chegará a 20 milhões de habitantes (Estado de São Paulo, 18.8.2006, A2). Atualmente, não existem políticas públicas voltadas para esse problema específico nem decisões dos Tribunais, o que revela um cômodo adiamento do problema, que será suportado pelas futuras gerações.

3.2. Tributação e meio ambiente

Estímulos fiscais aos que mantêm áreas verdes ou outras formas de preservação ambiental, ainda são incipientes. Na realidade, resumem-se a algumas leis municipais que protegem áreas preservadas, ao ICMS ecológico introduzido pelo Paraná Lei Complementar 59, de 1.10.1991) e a algumas isenções do Imposto Territorial Rural. É pouco. No Espírito Santo, a Associação de Municípios pretende que se elabore lei permitindo que os municípios que não poluem recebam vantagens econômicas (A Gazeta, 8.11.2007, p. 22).

Do ponto de vista judicial, vale lembrar que na Vara Ambiental de Curitiba foi prolatada sentença de natureza ambiental de grande importância, firmando a posição de que esta é uma via a ser seguida como forma de preservação do ambiente. Determinadas empresas ingressaram em Juízo, solicitando o reconhecimento de seu direito ao crédito de PIS e Cofins na aquisição de desperdícios, resíduos ou aparas de madeira, prevista no artigo 47 da Lei 11.196/05. O Juiz Federal Nicolau Konkel Jr., em sentença de 3.4.2007, julgou procedente a ação, declarando inconstitucional o artigo 47 citado, e permitiu aos autores o aproveitamento dos créditos (Proc. 2006.70.00.016057-3/PR, Vara Ambiental, Seção Judiciária de Curitiba, disponível no site www.jfpr.gov.br).

3.3. Administração e meio ambiente

Os órgãos da administração ambiental sofrem, regra geral, problemas de estrutura. Contam com poucos funcionários, por vezes mal remunerados, deficientes instrumentos de trabalho, influências políticas e até mesmo ameaças a seus integrantes. Esta situação não se alterou em 2007, quiçá até piorou, vez que o número de infrações aumentou e, da mesma forma, a cobrança da sociedade. Muito há a fazer neste campo, inclusive para que se preserve o direito daqueles que buscam o órgão ambiental para um licenciamento ambiental ou outra medida e que, por vezes, se vêem obrigados a aguardar por anos a decisão. O direito a julgamento em prazo razoável, assegurado pela Constituição no artigo 5º, inciso LXXVIII, é simplesmente ignorado. Na área judicial, decisão proferida pelo Juiz Federal Substituto de Florianópolis (proc. 2006.72.00.008647-0, em 2.5.2007), Zenildo Boldnar, determinou a prisão de Vereador, funcionários do órgão ambiental municipal e outros envolvidos, sob a acusação de que estariam legislando de modo a prejudicar o meio ambiente (Folha de São Paulo, 4.5.2007, A4).

3.4. Aquecimento global

O aquecimento global é o nome que se dá à mudança do clima, sendo, dela, apenas um dos efeitos. Todavia, é o que mais chama a atenção. Ele se resume ao aumento das emissões de dióxido de carbono, metano e outros gases que, retidos na atmosfera, originam o aquecimento do planeta. Muito embora ele sempre tenha existido, agora é mais rápido e, por isso, representa grande perigo, decorrente do descongelamento das geleiras e respectiva elevação das águas dos oceanos, maior número de acidentes climáticos, alteração na produção de alimentos e outros. O economista inglês Nicholas Stern alerta que modelos científicos sugerem que dentro de cinqüenta ou 100 anos a Amazônia pode secar e morrer (Veja, 8.11.2006, p. 11). Thomas Homer-Dixon prevê que as mudanças climáticas vão colaborar para o surgimento de desafios militares que hoje já são difíceis de resolver pelas forças convencionais, como insurgência, genocídios, guerrilhas, guerras de gangues e terrorismo global (O Estado de São Paulo, 29.4.2007, A26). Tudo indica que a espécie humana sobreviverá, porém a um preço elevado, pois as condições de vida serão péssimas. No plano jurídico, muito embora o Brasil tenha aderido à Convenção-quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, adotada em 9.5.1992, em Nova York, e que por isso tem força de lei, inexistem ações judiciais a respeito. O assunto está afeto ao Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.


3.5. Florestas

Não há o que comemorar nesta área. Uma entre tantas notícias alerta que Desmatamento cresce 600% na fronteira do Brasil com a Bolívia (O Estado de São Paulo, 21.10.2007, A38). A legislação florestal é boa, o Ministério Público tem sido atuante, os Tribunais têm acatado as demandas. Todavia, os órgãos ambientais estão despreparados para combater a exploração ilegal. Principalmente na Amazônia, que pela sua vastidão torna a tarefa quase impossível. Toras de madeira continuam sendo retiradas ilegalmente do Pará, Rondônia e outros estados e exportadas para a China e Europa, muitas vezes ilegalmente. Do ponto de vista judicial, foi proferida sentença de grande importância, todavia envolvendo o Parque Nacional do Iguaçu, no estado do Paraná. Portanto, na região sul do país. Trata-se de sentença dada no caso conhecido como “Estrada do Colono”, ou seja, uma via que alguns pretendiam que cortasse o referido parque, que é o segundo do Brasil, patrimônio natural da humanidade e última reserva de floresta tropical. A Juíza Federal Pepita Durski, em outubro de 2007, julgou procedente a ação, impedindo a abertura da estrada e assim mantendo o parque como um todo, um só ecossistema, com interligação absoluta da fauna (www.jfpr.gov.br, Vara Ambiental de Curitiba, proc. 00.0086736-5).

3.6. Poluição hídrica

A poluição dos rios e de águas subterrâneas continua acelerada, pondo em risco o abastecimento das grandes cidades. Municípios sem tratamento de esgoto lançam dejetos nos rios, resíduos químicos idem, fertilizantes usados na agricultura, até fezes de suínos constituem um problema sério em algumas regiões, como o oeste catarinense. A poluição de águas subterrâneas, atingidas por poços clandestinos, vazamentos de tanques de postos de gasolina, substâncias nocivas que se infiltram no subsolo e outras atividades, não é menos grave. Do ponto de vista judicial, ações penais raramente condenam os infratores. As ações civis referem-se apenas a águas superficiais.

É possível citar um caso em que o Judiciário foi rigoroso. A poluição do rio dos Sinos, ocorrida em junho de 2006, com lançamento de 80 toneladas de resíduos no rio e conseqüente morte de 80 toneladas de peixes, resultou no decreto de prisão preventiva do empresário L. R., em 28.11.2006, pela Justiça gaúcha, prisão esta que persiste no ano de 2007, estando o denunciado foragido (Comarca de Estância Velha, RS, proc. 20600028394). A propósito, a 4ª. Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, negou Mandado de Segurança em que pessoa envolvida pretendia a decretação de sigilo processual até o julgamento do feito (MS 70018874735, Com Estância Velha, j. 28.6.2007).

3.7. Poluição do trânsito

Os veículos automotores, sabidamente, constituem um dos mais graves problemas na busca de um meio ambiente sadio. Na cidade de São Paulo, estudo mostra que fiscais da CET têm pressão alta e ritmo cardíaco com baixa capacidade de resposta ao stress (O Estado de são Paulo, 16.09.2007, C4). A partir de 2008, contudo, boa iniciativa será tomada para o controle da emissão de gases poluentes e ruído excessivo, ou seja, um programa de inspeção veicular. Segundo noticia a imprensa, equipamento vai flagrar veículos poluidores a partir de amanhã e estimular ajuste antes da inspeção oficial, em maio (O Estado de São Paulo, 4.11.2007, C7). Esta é uma iniciativa a ser comemorada, pois a poluição resultante do trânsito, muito embora prevista no CTN, jamais foi objeto de planejamento de controle ou de sanção, havendo, até agora, apenas iniciativas isoladas. Por isso mesmo, são praticamente inexistentes precedentes judiciais.

3.8. Proteção penal do meio ambiente

O atual quadro de degradação do meio ambiente não permite que se dispense a proteção penal. Nesta linha, a Comissão das Comunidades Européias editou proposta de “Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho”, em 9.2.2007, recomendando aos Estados membros medidas necessárias para qualificar como crimes os casos de dolo ou culpa grave. No Brasil, deve ser ressaltado o trabalho que vem sendo realizado pela Polícia Federal, após a criação de suas Delegacias especializadas.

Na esfera judicial vale lembrar que o Tribunal de Justiça de São Paulo, em 15.3.2007, pela primeira vez manteve a condenação de pessoa jurídica, alinhando-se aos Tribunais que admitem tal tipo de sanção (Ap. Crim. 00403124.3/5-0000-000, 6ª Câm. do 3º Grupo da Seção Criminal). O Fórum Nacional dos Juizados — Fonaje editou o Enunciado 97, dispondo que é possível decretar a perda de veículos utilizados na prática de crime ambiental, como efeito secundário da sentença. Esta é uma iniciativa oportuna, pois atinge o transporte ilegal de madeiras no patrimônio dos infratores. Finalmente, na área dos Juizados Especiais, inúmeras transações e suspensões do processo, com base na Lei 9.099/95, vêm sendo feitas com proveito à recuperação do meio ambiente, já que entre as condições sempre estão medidas restauradoras ou compensatórias. Todavia, ainda não se definiu o tratamento a ser dado nos casos de menor dimensão.

O Supremo Tribunal Federal, em decisão liminar em recurso contra Turma Recursal de Lages, SC, decidiu ser insignificante o corte de duas araucárias e suspendeu o andamento da ação penal (Rec. Ordinário em HC 88.880, 5.6.2007). O critério para reconhecer a insignificância foi o da quantidade (duas árvores), o que só poderia ser reconhecido com a análise do papel de tais espécimes no eco-sistema em que vivem. Em outras palavras, o número pequeno não significa, por si só, insignificância.

3.9. Estudos nos cursos de mestrado e doutorado

A Academia vem dando a sua contribuição para o tratamento correto do meio ambiente. Na área do Direito, dissertações de mestrado e teses de doutorado enfrentam temas novos, com grande propriedade, apontando caminhos para a elaboração de leis ou para decisões judiciais. A título de exemplo, entre centenas de trabalhos Brasil afora, veja-se o que está programado para esse fim de ano: a) dia 4.12, na Uniflu, Campos, RJ, Denise Fensterseifer Coimbra defenderá dissertação perante banca de mestrado, sobre o tema “Uma análise do ICMS ecológico”; b) dia 13.12, na PUC/PR, Ana Cristina Casara defenderá dissertação abordando “Mudanças Climáticas Globais”; c) dia 14.12 Patrícia Nunes Lima Bianchi defenderá tese de doutorado na UFSC, sob o tema “A (In) Eficiência do Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado no Brasil”; e no dia 20.12, na Faculdade de Saúde Pública da USP, Ana Luiza Silva Spínola Krings exporá projeto de pesquisa em doutorado, perante banca de pré-qualificação, sobre o tema “A inserção das áreas contaminadas no planejamento urbano municipal: desafios e tendências”. Fácil é ver que todos os temas abordam questões atuais da máxima relevância.

4. Conclusão

O estado do meio ambiente no mundo vem se tornando, com razão, causa de preocupação da população em geral. Tentativas são feitas para minorar o problema, porém, ainda, de forma desordenada e sob uma ótica que faz prevalecer o desenvolvimento econômico sobre a preservação ambiental. Tudo indica que tal estado de coisas persistirá até que algum desastre de grandes proporções leve a humanidade e alterar seus hábitos e forma de vier. Não é diferente a situação no Brasil, muito embora, na área específica do Direito, os avanços sejam significativos.

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