Ônus da prova

Para Justiça do Rio, consumidor tem de provar que pagou conta

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14 de dezembro de 2007, 19h19

A Justiça do Rio de Janeiro entendeu que o corte da luz pode ser efetuado se há dúvidas sobre o pagamento da conta e o consumidor não colabora para comprovar a quitação da fatura. O entendimento foi firmado no pedido de indenização da empresa Copa 51 Confeitaria e Produtos Naturais.

Segundo o processo, o fornecimento de energia elétrica para a empresa foi suspenso por falta de pagamento. Em primeira instância, a juíza Ledir Dias de Araújo, da 13ª Vara Cível do Rio de Janeiro, entendeu que houve culpa da consumidora porque ela não tentou demonstrar que, de fato, tinha pagado a fatura. Teria apenas se limitado a pagar de novo e, a partir daí, sua luz foi religada em 24 horas. Por isso, a juíza entendeu que não houve ilegalidade no corte nem dano moral para ser indenizado.

“Apesar do pagamento da conta que gerou o corte, a suspensão no fornecimento de energia se deu por culpa exclusiva do autor que deixou de comprovar o pagamento efetuado, uma vez que é sabido que falhas de comunicação nos sistemas existem”, afirmou a juíza. Além disso, considerou legal a multa aplicada pelo fato de a proprietária da empresa — inconformada com o corte de luz apesar de a conta estar quitada — ter religado a luz sem autorização da companhia.

A consumidora, então, recorreu para o tribunal, mas perdeu o recurso. A 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que a culpa do corte foi dela, já que não comprovou o pagamento da fatura. Mandou a concessionária de energia devolver o valor da conta pago duas vezes, mas condenou a autora a pagar os honorários de sucumbência. Há recurso pendente de julgamento no Superior Tribunal de Justiça.

A Copa 51 Confeitaria e Produtos Naturais é representada pelo advogado Félix Soibelman. Para ele, no sentido contratual, não houve violação de dever jurídico, pois a única obrigação do consumidor é pagar a conta. Outro especialista em Direito do Consumidor, o advogado Sérgio Tannure, também se surpreendeu com a decisão. “A empresa tem de saber quem paga e quem não paga. O Código de Consumidor também diz que a cobrança indevida gera a obrigação de devolver o valor cobrado em dobro”, explicou. “Me surpreendeu porque a Justiça deveria ter sido mais branda com o consumidor.”

Leia sentença da juíza e o acórdão

Processo n: 2006.001.029032-1

Sentença :

Processo n.º 2006.001.029032-1

COPA 51 CONFEITARIA E PRODUTOS NATURAIS LTDA-ME ajuizou Ação de Indenização por Danos Morais e Patrimoniais e Lucros Cessantes, cumulada com Repetição de Indébito, em face de LIGHT SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S/A., qualificadas às fls. 02, alegando, em resumo, que no dia 17.01.2006, às 16:30 horas, teve o fornecimento de energia cortado indevidamente, eis que o alegado débito já se encontrava pago desde 26.09.2005, no valor de R$489,02; que o fornecimento só foi reativado em 19/01/2006; que por não encontrar o recibo comprovando o pagamento de imediato, pagou novamente a referida conta; que o recibo depois foi encontrado; que, apesar de comprovar o pagamento, a ré não se prontificou a religar a energia de imediato, causando-lhe prejuízos e constrangimentos; que no mês de fevereiro de 2006, a ré lhe cobrou indevidamente, multa no valor de R$9,41 e taxa denominada ´religação à revelia´ no valor de R$64,48; que seu estabelecimento ficou inativo por três dias.

Requer:

a) seja a ré condenada a restituir-lhe, em dobro, as quantias pagas referentes às cobranças indevidas – fatura já paga, multa e taxa de religação à revelia -, no valor, já em dobro, total de R$1.125,82; seja a ré condenada a indenizar-lhe por danos morais, materiais e lucros cessantes no valor de R$40.000,00.

Com a inicial, vieram os documentos de fls. 15/52. Regularmente citada, fls. 55 verso, a ré apresentou a contestação de fls. 56/69, instruída com os documentos de fls. 70/74, alegando, em resumo, que o Banco (Casa Lotérica) não repassou-lhe a comunicação do pagamento, passando a autora a figurar como inadimplente em seu sistema, não havendo qualquer responsabilidade sua, eis que não tinha conhecimento da quitação; que a autora foi notificada, tendo recebido aviso do débito e de possível corte do fornecimento de energia; que a parte autora não contestou o débito, ignorando os avisos; que no dia 09.12.2005 seus funcionário compareceram ao estabelecimento da autora e suspenderam o fornecimento de energia elétrica, diante da não informação do pagamento; que após esse corte, a autora se auto-religou, restabelecendo o seu fornecimento; que este procedimento é repudiado pela ANEEL e, assim, no dia 17.01.2006, interrompeu o fornecimento de energia elétrica em função do auto-religamento, fazendo inserir na fatura a taxa de religação à revelia; que os alegados danos não restaram provados; que não praticou nenhum ilícito, inexistindo o dever de indenizar.


Requer a improcedência dos pedidos. Réplica às fls. 77/87. Em provas, as partes se manifestaram às fls. 89 e 90. Designada Audiência de Instrução e Julgamento, na mesma ocorreu o que consta da assentada de fls. 96/99, oportunidade em foi colhido o depoimento pessoal do representante legal da parte autora, a oitiva de uma testemunha e de um informante, tendo as partes se manifestado em alegações finais. Relatei.

Decido.

Trata-se de pedido de reparação de danos materiais e morais em razão da parte autora ter sofrido prejuízos e constrangimento pela suspensão do fornecimento de energia elétrica por culpa da ré, bem como pela suposta cobrança indevida. O caso concreto versa, indubitavelmente, sobre relação de consumo e ao caso se aplica a Lei 8.078/90, pois a parte autora mantinha relação com a Ré.

O art. 3º estabelece que: Art.3º – Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvam atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação ou comercialização de produtos ou prestações de serviços. (grifei) § 2º – Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.´ (grifei)

A Lei 8.078/90 foi introduzida no Direito Positivo Brasileiro em decorrência de mandamento constitucional, contido nos arts. 5º, XXXll, 24, Vlll e 48 do ADCT. É inquestionável que parte autora, ao firmar contrato com a Ré, colocou-se em situação de consumidor.

No mérito, conforme entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência a responsabilidade é objetiva, consoante o estabelecido no art. 14 do CDC. O art. 14 do CDC dispõe: ´Art.14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos aos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua função e riscos.´

Assim sendo, a responsabilidade que se aplica ao caso é objetiva, não necessitando que a parte autora faça prova de culpa da Ré. A responsabilidade do prestador de serviços é objetiva por força de norma constitucional e do que estabelece o Código de Defesa do Consumidor; logo, provados o dano e a relação de causalidade, não há que se cogitar de culpa do causador do dano.

Entretanto, o inciso II do § 3º do artigo 14 do CDC prevê como causa excludente da responsabilidade, a culpa exclusiva do consumidor. A parte autora, em seu depoimento pessoal, fls. 97, disse que: ´… que em razão dessa mesma conta, fls. 22, houve três tentativas de corte, sendo que da primeira vez o corte foi feito e o depoente mesmo quem religou, já que a conta, na verdade, estava paga; que ao tomar conhecimento da religação por conta própria, a ré determinou a retirada do relógio, que não ocorreu porque comprovou o pagamento ao funcionário, entregando-lhe uma cópia da conta; que a terceira vez foi efetuado o corte alegado no presente processo; que não procurou pela ré porque o funcionário que recebeu a cópia disse que resolveria tudo; que na data do fato, referido no processo, compareceu à empresa ré e como tinha pressa, pegou a 2ª via e efetuou o pagamento da referida conta, sendo que ao retornar ao estabelecimento, localizou a conta antiga e retornou à sede da ré solicitando que fosse agilizado o religamento, já que o corte ocorrera com a conta paga, tendo o serviço retornado no dia seguinte, ou seja, 24 horas após.´

A testemunha de fls. 99 disse que ‘esteve com o representante da autora na Light, onde ele pretendia provar o pagamento da conta, tendo a atendente solicitado uma cópia no que o representante da autora se negou, argumentando que era obrigação dela tirar a cópia; que a situação ficou nisso, já que Marcelo se negou a tirar e fornecer uma cópia à ré…´

Desta forma, pelos depoimentos prestados, entendo que, apesar do pagamento da conta que gerou o corte, a suspensão no fornecimento de energia se deu por culpa exclusiva do autor que deixou de comprovar o pagamento efetuado, uma vez que é sabido que falhas de comunicação nos sistemas existem e, ainda, diante dos avisos de corte que vinha recebendo, fls. 21/22, deveria o mesmo ter se dirigido a uma agência da ré, comprovando o pagamento. Logo, entendo que é cabível apenas a devolução da quantia que já havia sido paga e a multa que foi cobrada indevidamente. E, quanto a cobrança de ´taxa de religação à revelia´, entendo que a mesma é devida, uma vez que o próprio autor, em seu depoimento, disse ter feito a auto-religação, o que é vedado. A suspensão do fornecimento de energia elétrica se deu forma legal, eis que a ré agiu no exercício regular de um direito


Logo, não há o que se falar em constrangimentos, eis que a ida dos funcionários da ré ao estabelecimento da autora para proceder ao corte do fornecimento de energia elétrica, foi devida diante do dúvida quanto ao débito existente e diante da inércia da autora em providenciar a regularização do mesmo, deixando de comprovar à parte ré o pagamento da conta de agosto de 2005. Desta forma, não há como imputar responsabilidade à parte ré, eis que o corte do fornecimento o se deu por negligência da parte autora.

A alegação de que a parte ré demorou para religar a energia elétrica, não merece acolhida, uma vez que a testemunha de fls. 99, disse que o autor se recusou a tirar cópia do comprovante do pagamento da conta. Quanto ao alegado dano moral, considerando que este decorre do sofrimento humano, da dor, da mágoa, da tristeza imposta injustamente a outrem, alcançando os direitos da personalidade agasalhados pela Constituição Federal nos incisos V e X do art. 5º, entendo que este não é devido, eis que o corte no fornecimento da energia elétrica se deu por culpa exclusiva da autora.

Por todo o exposto, JULGO EM PARTE O PEDIDO, apenas, para condenar a parte ré a devolver ao autor à quantia de R$489,02 (quatrocentos e oitenta e nove reais e dois centavos) que foi paga em 18.01.2006, fls. 20, bem como a multa cobrada indevidamente no valor de R$9,41 (nove reais e quarenta e um centavos), caso o autor tenha efetivado o pagamento desta, devendo as quantias serem corrigidas monetariamente a partir da data de cada desembolso e acrescida de juros legais de 1% ao mês a partir da citação, até a data do efetivo pagamento. Considerando que a parte ré restou sucumbente em parte mínima, condeno a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios que fixo em 10% sobre o valor dado à causa.

Transitado em julgado, sem requerimento das partes, dê-se baixa e, a seguir, arquivem-se. P.R.I.

Rio de Janeiro, 24 de outubro de 2006.

Ledir Dias de Araújo Juíza de Direito”

Apelação Cível 200700102390

Acórdão

Ementa:

Fornecimento de energia elétrica a consumidor, pessoa jurídica. Suspensão do fornecimento fundado em presumida mora. Consumidor que fora avisado quanto ao não pagamento de certa fatura e assim, sujeitava-se à suspensão. Consumidor que não tomou efetivas providências para comprovar que estava em dia com as obrigações. Inexistência de ato ilícito, bem examinada na sentença. Culpa do consumidor. Inexistência de dano moral na espécie, quer por inexistir ato ilícito quer por se tratar se pessoa jurídica. Sentença que se prestigia.

Recurso improvido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível entre as partes acima mencionadas.

ACORDAM os Desembargadores componentes da E. 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em negar provimento ao recurso

Decisão unânime.

1. Adota-se o relatório já lançado nos autos

2. E assim decidem adotando como razões de decidir os fundamentos da d. sentença que sua essência se apresenta irretocável.

3. Adotam-se ainda como razões de decidir na forma regimental os fundamentos das contra-razões de fls. 122/125 que também passam a integrar o presente.”

4. Em sendo assim nega-se provimento ao recurso”

27 de junho de 2007

Des. José Carlos Varanda

relator

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