Dor por tabela

Crítica de jornalista à Justiça não causa dano moral a cartola

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13 de dezembro de 2007, 17h17

As dores de ofensas ao Poder Judiciário não podem ser todas sentidas por uma única pessoa. Muito menos quando ela não integra os quadros da Justiça. Ricardo Teixeira, presidente da Confederação Brasileira de Futebol, sentindo-se lesado por supostas ofensas contra o sistema judicial feitas pelo jornalista esportivo Juca Kfouri, foi à Justiça pedir indenização por danos morais. Perdeu. Pior: foi condenado a pagar as custas do processo e os honorários do advogado de Kfouri.

A juíza Maria Cristina de Brito Lima, da 7ª Vara Cível do Rio de Janeiro, considerou que o presidente da CBF não pode “querer ser indenizado individualmente por ato que chama de grave insinuação e até acusações contra o Poder Judiciário”. Teixeira pode recorrer da decisão.

As supostas ofensas teriam sido expressas em uma coluna de Kfouri, publicada em seu blog. Para a juíza, não houve qualquer tipo de lesão ao direito de personalidade de Teixeira. Por isso, não há qualquer motivo para indenização.

Veja a decisão e, em seguida, a notícia de Juca Kfouri

Trata-se de demanda indenizatória proposta por RICARDO TERRA TEIXEIRA em face de JOSÉ CARLOS AMARAL KFOURI, sob o argumento de que este teria feito veicular em seu ´blog´ na página da UOL esporte artigo intitulado Contra a liberdade de expressão, no qual teria inserido insinuações e acusações diretas contra o Poder Judiciário. Diante deste fato, pretende seja o Réu condenado por danos morais. Com a inicial vieram os documentos de fls. 8/44. Citado o Réu, ofertou este sua contestação, alegando que o artigo não faz qualquer menção ao Autor, além de tecer considerações acerca da sua profissão de jornalista esportivo.

A contestação veio acompanhada dos documentos de fls. 94/121 e 122/124. O Autor manifestou-se sobre a contestação, sem inovar. Instadas as partes a se manifestarem em provas, as partes aduziram que não tinham interesse na audiência preliminar e que não teriam provas a produzir, requerendo, pois, o julgamento antecipado da lide, na forma do Código de Processo Civil, art. 330, I. É o relatório.

DECIDO.

O regime jurídico a reger a relação entre as partes é o do Código Civil. Os fatos narrados pelo Autor não são negados pelo Réu. Contudo, tais fatos não imputam a este qualquer conduta que possa ser considerada como lesiva ao direito de personalidade do Autor.

Ademais, os argumentos trazidos pelo Autor, em sua peça vestibular quando aduz que o Réu teria dito: ´….além de inserir graves insinuações e até acusações diretas contra o Poder Judiciário,….´ não são aptos a demonstrar qualquer lesão a direito de personalidade seu, não se podendo, portanto, admitir que venha este sponte própria sentir as dores de toda uma Nação e, pior, querer ser indenizado individualmente por ato que chama de grave insinuação e até acusações contra o Poder Judiciário.

Ex positis, não sendo provada qualquer lesão a direito de personalidade da parte autora, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO AUTORAL, condenando o Autor nas custas e nos honorários advocatícios, os quais fixo em 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, em razão do zelo profissional estampado pelo patrono do Réu. P.R.I.

Leia a notícia

Entre o direito e a justiça

“TEU DEVER é lutar pelo direito. Mas no dia em que encontrares o direito em conflito com a justiça, luta pela justiça.”

A frase é do professor de direito do Largo de São Francisco, o saudoso André Franco Montoro, combatente dos mais ardorosos pela redemocratização do Brasil e dos mais limpos e eficazes governadores de São Paulo.

É uma frase irretocável, que cai como luva para abrir o raciocínio que segue abaixo, com o correspondente pedido de desculpas ao leitor que esperava ler aqui o comentário sobre a rodada que manteve o São Paulo na liderança.

Mas não dá.

Não dá diante da condenação do editor e presidente do diário “Lance!”, Walter de Mattos Jr., em primeira instância, pelo juiz da 45ª Vara Civil do Rio Janeiro. Ele foi condenado a pagar indenização de R$ 9.000 a Ricardo Teixeira por causa de um artigo que escreveu, em 31 de julho de 2006, para o jornal “O Globo” e republicado pelo diário “Lance!”.

No artigo, com absoluto equilíbrio, lamenta-se a impunidade da cartolagem do futebol diante de tudo que foi denunciado por duas CPIs no Congresso Nacional.

O punido, embora ainda caiba recurso, foi, mais uma vez, quem exerceu o sagrado direito da crítica e não quem descumpre as leis vigentes no país.

Curiosamente, aliás, Teixeira não processou “O Globo”, que publicou originalmente o artigo, mas, apenas, Mattos e o “Lance!”.

Fosse a condenação uma exceção e já seria gravíssimo.

Infelizmente, porém, tem sido a norma, muito porque o Judiciário parece querer se vingar da imprensa que, ainda bem, vem há tempos revelando como andam mal as coisas no chamado Terceiro Poder.

E não é preciso ir ao Estado de Rondônia, onde o presidente do Tribunal de Justiça está preso por envolvimento com venda de sentenças, para fazer a constatação. São raros os Estados, na verdade, em que não há casos semelhantes, e, particularmente no Rio, a promiscuidade é tamanha que não são poucos os membros do Judiciário que viajam à custa de entidades privadas, por exemplo, como a CBF, principalmente nas Copas do Mundo, fato fartamente noticiado desde a Copa de 1990.

Nem por isso os que se deliciam em hotéis cinco estrelas se dão por impedidos de julgar casos da CBF ou de seu presidente, o grande promotor das mordomias.

Se alguém com o espaço que Mattos tem para espernear é vítima de tamanha injustiça, imagine-se o cidadão comum, que não pode se queixar nem para o bispo.

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) não podem ficar silentes diante de tais atentados à liberdade de imprensa. Porque tudo faz parte da desconstrução do Brasil que os homens de bem querem edificar.

Filho de promotor público, este colunista jamais se esquecerá do que ouviu de seu pai pouco antes deste se aposentar, desiludido com a aplicação da Justiça no país e com o sistema penitenciário.

“Meu filho, fique o mais longe que puder dos Fóruns e delegacias. Procure evitá-los até como testemunha. Porque eu sei como é feito o direito no Brasil.” A história já fez justiça a Franco Montoro e tem dado razão ao procurador de Justiça Carlos Alberto Gouvêa Kfouri, meu pai.

Sem dúvida, fará justiça também à luta que travam homens como Walter de Mattos Jr. Mas, neste caso, a que preço? Ao preço da intimidação, do sentimento de impotência e da pior das sensações que é a que sente a vítima de uma injustiça?

CORREÇÃO: A frase atribuída a Franco Montoro é, na verdade, do jurista uruguaio Eduardo Couture.

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