Plano de saúde

Plano de saúde deve indenizar por recusa indevida de cobertura

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11 de dezembro de 2007, 10h21

O plano de saúde que recusa indevidamente uma cobertura médica pode ser punido por quebra de contrato. E mais: condenado a pagar indenização por danos morais ao segurado. O entendimento é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Em votação unânime, os ministros mandaram a Cassi (Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil) pagar indenização de R$ 20 mil por danos morais por ter recusado a uma segurada que sofria de problemas cardíacos o implante de próteses chamadas Stent Cypher.

De acordo com o processo, diante da recusa do plano em cobrir a cirurgia, a paciente pagou por conta própria os custos da operação, na época no valor de R$ 23.846,40. A segurada buscou reparação e teve pedido negado pela primeira instância. Recorreu ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que concedeu parcialmente o pedido, apenas para reconhecer a necessidade de reparação dos danos materiais e devolução do custo da operação.

A Cassi, em contestação, argumentou que a técnica Stent Cypher ainda é de aplicação experimental e, dessa forma, não estaria prevista nos limites da cobertura. Argumentou, ainda, que não havia nenhum dano moral na hipótese e sim, no máximo, descumprimento contratual.

Para a ministra Nancy Andrighi, relatora do Recurso Especial da segurada contra a Cassi, uma recusa indevida de cobertura médica para um segurado é causa de danos morais, já que agrava a situação de aflição psicológica e de angústia do paciente. Sua posição foi acompanhada pelos ministros Humberto Gomes de Barros e Ari Pargendler.

A ministra lembrou em seu voto, que os múltiplos problemas derivados do relacionamento entre segurado e seguradora quanto à cobertura de procedimentos médicos têm gerado uma série de precedentes específicos das Turmas de Direito Privado do Tribunal e evoluído no sentido de proteger e, agora, reparar o segurado por eventuais abusos. O precedente já vinha sendo sinalizado em outras decisões e começa a consolidar-se.

“Embora se reconheça que a regra geral, nessa matéria, seja a de que o mero inadimplemento contratual não gera, por si só, dano moral, verifica-se que, nas hipóteses como a que por ora se examina, a jurisprudência do STJ tem aberto uma exceção, pois na própria descrição das circunstâncias que perfazem o ilícito material é possível verificar conseqüências bastante sérias de cunho psicológico que são resultado direto do inadimplemento culposo”, afirmou a ministra.

Nancy Andrighi ressaltou, ainda, que no caso a conduta do plano de saúde assumiu contornos bastante abusivos que vão muito além do mero descumprimento contratual, uma vez que houve uma negativa inicial e, a seguir, uma autorização para um segundo procedimento idêntico alguns meses depois, sem que houvesse qualquer alteração nas bases fáticas ou contratuais.

Leia a íntegra da decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 993.876 – DF (2007/0234308-6)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: PEDRO PAULO DE SOUZA RAEDER

ADVOGADO: RODOLFO FREITAS RODRIGUES ALVES E OUTRO(S)

RECORRIDO : CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL – CASSI

ADVOGADO: ISRAEL PINHEIRO TORRES E OUTRO(S)

EMENTA

Civil e processo civil. Recurso especial. Ação de indenização por danos materiais e compensação por danos morais. Recusa do plano de saúde em arcar com custos de cirurgia e implante de ‘Stent Cypher’, ao argumento de que tal aparelho seria, ainda, experimental. Alegação negada pelas provas dos autos e pela própria conduta posterior da seguradora, que nenhuma objeção impôs a idêntico pedido, em data posterior. Danos morais configurados, de acordo com pacífica jurisprudência do STJ. Perdas e danos. Possibilidade de pedido específico já na inicial, não realizado pelo autor. Impossibilidade de delegação da questão à liquidação da sentença em tal circunstância.

– Na esteira de diversos precedentes do STJ, verifica-se que a recusa indevida à cobertura médica pleiteada pelo segurado é causa de danos morais, já que agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito daquele.

– Na presente hipótese, acrescente-se ainda que a conduta do plano de saúde assumiu contornos bastante abusivos que vão muito além do mero descumprimento contratual, na medida em que houve uma negativa inicial e, a seguir, uma autorização para um segundo procedimento idêntico alguns meses depois, sem que qualquer alteração nas bases fáticas ou contratuais tivesse se operado. Evidente, portanto – conforme reconheceu o acórdão – que a primeira negativa da seguradora se resumiu a um verdadeiro ato de discricionariedade, praticado em desfavor do segurado e completamente desconectado do mínimo de razoabilidade.

– O acórdão entendeu que o autor, por conveniência, deixou de precisar o valor material de um de seus pedidos relativos a perdas e danos, quando tal providência era perfeitamente possível. Nessa perspectiva, é irrelevante que, em alguns casos específicos, seja possível relegar a fixação do ‘quantum’ à liquidação de sentença, porque tal só se dá em face de dificuldades inerentes ao próprio julgamento e não como decorrência de mera escolha do autor em assim descrever o pedido.

– Não se conhece de recurso especial na parte em que este se encontra deficientemente fundamentado.


Recurso especial parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros e Ari Pargendler votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 06 de dezembro de 2007 (data do julgamento).

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Recurso especial interposto por PEDRO PAULO DE SOUZA RAEDER, com fundamento nas alíneas ‘a’ e ‘c’ do permissivo constitucional.

Ação: de indenização por danos materiais e compensação por danos morais, proposta pelo ora recorrente em desfavor de CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL – CASSI.

Segundo consta da inicial, o autor e sua esposa são associados do plano de saúde oferecido pela ré. Em 2.003, sua esposa teve problemas cardíacos e os médicos recomendaram uma operação de urgência para implante de duas próteses chamadas ‘Stent Cypher’, apontadas pelos especialistas como as mais adequadas para aquele quadro clínico.

O autor, porém, foi surpreendido pela negativa de autorização da CASSI para o procedimento, sob alegação de que tais próteses não teriam, ainda, sua relação ‘custo-efetividade’ devidamente comprovada, sendo autorizado, porém, o implante do modelo mais antigo, conhecido como ‘Stent’ convencional.

Ainda nos termos da inicial, tal restrição não se justificaria, porque a própria ANVISA já concedeu registro e autorizou a utilização do implante vedado pelo plano.

O autor, então, não teve outra opção a não ser pagar, por conta própria, os custos da operação, que atingiram, à época, o total de R$ 23.846,40. Esse dinheiro foi retirado de uma aplicação financeira, o que acarretou, também, a perda dos rendimentos esperados.

Houve, por fim, inegável dano moral, especialmente porque a conduta da ré acabou por alimentar no autor dúvidas até então inexistentes quanto à real competência da equipe médica que cuidava de sua esposa, em face do estranhamento que causou o conflito de informações sobre a eficácia do procedimento entre os especialistas e a seguradora.

Em contestação, a ré admitiu que considerou a técnica empregada como experimental e, dessa forma, não prevista nos limites da cobertura; afirmou, ainda, que nenhum dano moral se verificou na hipótese, porque teria ocorrido, no máximo, descumprimento contratual.

Em petição de fls. 144, informa o autor que, cerca de um ano após os fatos que deram ensejo a esta ação, sua esposa teve que ser submetida a nova intervenção para implantação de mais um ‘Stent Cypher’ e, desta vez, o plano de saúde não apresentou qualquer óbice à cobertura.

Sentença: julgou improcedentes os pedidos, sob o fundamento de que o contrato de seguro firmado entre as partes não previa a cobertura para o tratamento recomendado pelos médicos.

Acórdão: deu parcial provimento à apelação apenas para reconhecer a necessidade de reparação dos danos materiais quanto à devolução do custo da operação e ao pagamento de honorários adiantados quando do ajuizamento da ação; foram afastados o pedido de ressarcimento dos alegados lucros cessantes decorrentes da retirada do dinheiro de aplicação financeira, em face da ausência de provas a respeito, o pedido de danos morais e o ressarcimento dos honorários ‘ad exitum’, com a seguinte ementa:

“DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. DANOS MATERIAIS E MORAIS. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. PLANO DE SAÚDE.

1. A exclusão da cobertura securitária relativa à utilização de procedimento médico em fase experimental não exime a empresa de plano de saúde de arcar com o pagamento de procedimento novo, porém não-experimental.

2. Tratando-se de relação de consumo, a responsabilidade é objetiva.

3. Comprovados os danos emergentes, advindos das despesas com o implante de prótese e com a contratação de advogado, impõe-se seu pagamento.

4. O simples sentimento de intranqüilidade, inquietação experimentados pelo autor não geram o dano moral porque não agridem seus direitos de personalidade.

5. Deu-se parcial provimento ao recurso do autor” (fls. 316).

Embargos de declaração: rejeitados.

Recurso especial: o segurado alega ter ocorrido violação:

a) ao art. 186 do CC/02, além de divergência jurisprudencial, porque ocorreu dano moral na hipótese; e

b) aos arts. 389 e 402 do CC/02, porque o TJ/DF deveria ter condenado a seguradora a reparar, também, os lucros cessantes decorrentes da perda de rendimento da aplicação financeira na qual se encontravam os recursos utilizados para pagamento da operação, assim como o valor ‘ad exitum’ que foi contratado com seu advogado, para além da parcela fixa já contemplada pelo acórdão.


Contra-razões a fls. 279/293.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cinge-se a controvérsia à análise da ocorrência de danos morais pela recusa injustificada da seguradora em arcar com os custos de procedimento médico, assim como à configuração da ocorrência de lucros cessantes quanto aos danos materiais já reconhecidos pelo TJ/DF.

I – Dos danos morais na relação entre segurado e plano de saúde.

Os múltiplos problemas derivados do relacionamento entre segurado e seguradora quanto à cobertura de procedimentos médicos têm gerado a edição de uma série de precedentes específicos das Turmas de Direito Privado sobre o tema, fenômeno esse verificado também em face de outros assuntos – como a inscrição do nome do devedor em cadastros de inadimplentes – que parecem ganhar vida e contornos próprios dentro dos vastos temas da responsabilidade civil e dos danos morais.

A análise dos precedentes sobre a específica questão aqui versada indica que o tema se desenvolveu a partir do Resp nº 439.410/SP, da 3ª Turma, Rel. Min. Menezes Direito e julgado em 10.12.2002. Neste precedente, ficou consignado que o plano é obrigado a suportar os custos dos tratamentos que decorrem, como conseqüência natural, da patologia médica que aquele se encarregou de cobrir; na hipótese, entendeu-se que, se a fisioterapia motora era necessária para a recuperação de cirurgia sofrida pelo segurado e não havia dúvidas de que a cirurgia, em si, estava assegurada, pouco importa que o contrato não tenha previsto especificamente o procedimento de reabilitação.

Porém, àquela época, o pedido de danos morais foi afastado, porque se vislumbrou mero descumprimento contratual, adotando-se o entendimento genérico segundo o qual o desgosto gerado pelo inadimplemento contratual não é autonomamente compensável, como aliás entendeu o acórdão que é objeto do presente recurso especial.

Porém, tal posição seria revista em 17.02.2004, também em acórdão relatado pelo i. Min. Menezes Direito, quando o STJ passou a dar contornos próprios à situação aqui versada, descolando-a da regra geral acima citada. A partir desse precedente, passou-se a adotar tese segundo a qual o dano moral pela indevida recusa em fornecer o serviço de seguro esperado pelo consumidor, em momento de extrema angústia como a que se analisa nos presentes autos, decorre diretamente desse próprio fato. A ementa do precedente é bastante elucidativa:

“Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Seguro saúde. Recusa em custear o tratamento de segurado regularmente contratado. Suspeita de câncer. Dano moral.

1. A recusa em arcar com os encargos do tratamento da agravada, com suspeita de câncer, já definida nas instâncias ordinárias como indenizável por danos morais, constitui fato relevante, principalmente por ocorrer no momento em que a segurada necessitava do devido respaldo econômico e de tranqüilidade para realização de cirurgia e posterior recuperação. A conduta do agravante obrigou a recorrida a procurar outra seguradora, o que atrasou seu tratamento em aproximadamente 06 (seis) meses. Somente o fato de recusar indevidamente a cobertura pleiteada, em momento tão difícil para a segurada, já justifica o valor arbitrado, presentes a aflição e o sofrimento psicológico.

2. Agravo regimental desprovido” (AgRg no Ag nº 520.390/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Menezes Direito, DJ de 05.04.2004 – sem grifos no original).

Neste caso, a compensação foi mantida em R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).

Curiosamente no mesmo dia, a 4ª Turma, em processo relatado pelo i. Min. César Asfor Rocha, manteve acórdão proferido pelo TJ/RR que condenou plano de saúde a pagar R$ 11.000,00 (onze mil reais) por danos morais causados a conveniado que teve atendimento médico negado em consultório conveniado porque havia aviso errôneo de inadimplência do consumidor no sistema da empresa.

Logo após, a mesma Turma reduziu compensação destinada a parentes de pessoa que, de forma semelhante à presente hipótese, teve atendimento negado por errônea interpretação do alcance das restrições contratuais aplicáveis. Nesse precedente, embora reconhecida a necessidade de compensação, reduziu-se esta para vinte salários mínimos, equivalentes hoje a R$ 7.600,00 (sete mil e seiscentos reais), em face do evidente exagero das instâncias de origem, que a havia fixado em quatro mil salários, ou seja, um milhão, quinhentos e vinte mil reais em valores presentes.

No Resp nº 601.287/RS, mais uma vez assegurou-se compensação por dano moral, no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), a parente de segurada que teve atendimento negado de forma abusiva, porque “não é possível deixar de considerá-lo [o dano moral] quando em situação de abalo nos cuidados com a mãe internada [o autor] sofre constrangimento para encerrar a internação, no curso de patologia severa” (Rel. Min. Menezes Direito, j. em 07.12.2004, DJ de 11.04.2005).


Bastante explícitas, ainda, as ementas do Resp nº 259.263/SP, segundo a qual “Recusado atendimento pela seguradora de saúde em decorrência de cláusulas abusivas, quando o segurado encontrava-se em situação de urgência e extrema necessidade de cuidados médicos, é nítida a caracterização do dano moral” (3ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, j. em 02.08.2005, DJ de 20.02.2006), fixando-se o valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), e do Resp nº 618.290/DF (“A negativa de cobertura de internação de emergência gera a obrigação de indenizar o dano moral daí resultante, considerando a severa repercussão na esfera íntima do paciente, já frágil pela patologia aguda que o acometeu” – 3ª Turma, Rel. Min. Menezes Direito, j. em 25.10.2005, DJ de 20.02.2006), no qual a compensação foi fixada em R$ 10.000,00 (dez mil reais), tendo sido ressalvado, neste último, que a declaração de nulidade de cláusula contratual, ainda que proferida apenas no acórdão, torna a recusa de atendimento nela baseada ilícita para todos os fins, inclusive para permitir a condenação por dano moral.

Quando fui relatora do Resp nº 657.717/RJ, resumi a questão ali versada da seguinte forma, ao fixar a compensação em R$ 20.000,00 (vinte mil reais):

“(…) o Tribunal a quo manteve o entendimento de que a cláusula que impunha carência para internação de emergência era abusiva e, conseqüentemente, a recusa de autorização para a internação era indevida, mas, contraditoriamente, entendeu que isso não era causa de danos morais (…)

Conquanto geralmente nos contratos o mero inadimplemento não seja causa para ocorrência de danos morais, tratando-se particularmente de contrato de seguro-saúde sempre haverá a possibilidade de conseqüências danosas para o segurado, pois este, após a contratação, costuma procurar o serviço já em evidente situação desfavorável de saúde, tanto a física como a psicológica.

Por isso, a recusa indevida à cobertura pleiteada pelo segurado é causa de danos morais, já que agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, pois este, ao pedir a autorização à seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada” (3ª Turma, j. em 23.11.2005, DJ de 12.12.2005).

Esse precedente se assemelha bastante à situação examinada no presente processo. Com efeito, o acórdão recorrido consignou que:

“Em pesquisa efetuada via internet, no endereço eletrônico disponível da apelada, CASSI, verifica-se que seu regulamento, com amparo na Lei nº 9.656/1998, não abona os procedimentos médicos que ainda estejam em caráter experimental (…).

Ocorre que a prova constante nos autos demonstra que a utilização dos Stents revestidos com rapamicina (Stent Cypher) não constitui um procedimento experimental.

Os artigos juntados aos autos (fls. 59/69) informam que o uso da referida prótese coronariana constitui procedimento novo, mas não experimental, fato corroborado pelo parecer médico oriundo do Conselho Regional de Medicina (fls. 133/134) e, mormente, pela autorização de registro do produto efetuada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (fls. 56/58).

Ainda, a informação veiculada pelo autor, Pedro Paulo de Souza Raeder, do posterior abono da prótese Stent Cypher em novo procedimento cirúrgico a que se submeteu sua esposa (fls. 145/146), transcorridos menos de um ano entre as cirurgias, ratificam o procedimento desleal da apelada” (fls. 221).

Resta configurada, assim, a injusta recusa ao adimplemento contratual pelo acórdão recorrido, sendo de se ressaltar que, na hipótese, nem mesmo é necessária a declaração de nulidade da cláusula; a situação se resume à completa irrazoabilidade da subsunção dos fatos à norma contratual, conforme esta foi realizada pela seguradora.

E, embora tenha indeferido o pedido de danos morais, o acórdão também consignou, na seqüência, ter sido decorrência do inadimplemento “um sentimento de dúvida, de intranqüilidade e inquietação” (fls. 225), fazendo referência ao trecho da inicial onde o autor se referiu à angústia que passou a experimentar em face da contradição de informações entre a equipe médica, que antes contava com sua confiança plena, e a seguradora, que indicou o tratamento recomendado como sendo ‘experimental’.

Em resumo, portanto, embora se reconheça que a regra geral, nessa matéria, seja a de que o mero inadimplemento contratual não gera, por si só, dano moral, verifica-se que, nas hipóteses como a que por ora se examina, a jurisprudência do STJ tem aberto uma exceção, pois na própria descrição das circunstâncias que perfazem o ilícito material é possível verificar conseqüências bastante sérias de cunho psicológico que são resultado direto do inadimplemento culposo. O i. Min. Jorge Scartezzini proferiu voto bastante claro nesse sentido ao julgar o Resp nº 880.035/PR, consignando na própria ementa que “já tem decidido esta Corte, em casos como este ‘não é preciso que se demonstre a existência do dano extrapatrimonial. Acha-se ele in re ipsa, ou seja, decorre dos próprios fatos que deram origem à propositura da ação’” (4ª Turma, j. em 21.22.2006, DJ de 18.12.2006), em processo no qual fixou-se compensação de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).


Seguindo na análise dos precedentes, há, porém, que se fazer menção ao fato de que existe posição um pouco mais restrita, como indica o Resp nº 714.947/RS, cuja ementa afirma que “O reconhecimento, pelas instâncias ordinárias, de circunstâncias que excedem o mero descumprimento contratual torna devida a reparação moral” (4ª Turma, Rel. Min. César Asfor Rocha, j. em 28.03.2006, DJ de 29.05.2006).

Nesse precedente, a seguradora havia incentivado o consumidor, já doente de câncer e após ter sofrido várias cirurgias, a migrar para plano mais caro, e então se recusou a continuar arcando com o tratamento, sob alegação de que este não tinha cumprido o período de carência do novo contrato; a compensação foi fixada em cinqüenta salários mínimos. Haveria, nesse caso, como causa necessária para a ocorrência dos danos morais, uma situação que superava o corriqueiro inadimplemento baseado em dúvida sobre os termos do contrato.

Seja qual for a configuração que se pretenda dar ao direito em tese, contudo, verifica-se que, na presente hipótese, os contornos fáticos descritos pelo acórdão podem ser facilmente encaixados também nessa segunda linha mais restrita. Como visto, aqui a atitude da seguradora igualmente assumiu contornos bastante abusivos, na medida em que houve uma negativa inicial e, a seguir, uma autorização para um segundo procedimento, sem que qualquer alteração nas bases fáticas ou contratuais tivesse se operado, o que deixa evidente – conforme reconheceu o acórdão – que a própria seguradora não seria capaz de sustentar a viabilidade da primeira decisão, resumindo-se esta a um verdadeiro ato de discricionariedade, praticado em desfavor do segurado e completamente desconectado do mínimo de razoabilidade. Em outras palavras, a própria conduta da seguradora indica que, no presente caso, não havia base contratual nem mesmo para que se desse início a uma discussão séria a respeito da eventual possibilidade de afastamento da cobertura pleiteada.

Assim definida a existência de dano moral compensável, nos termos da jurisprudência do STJ, passa-se a fixar, de pronto, seu valor, aplicando o direito à espécie nos termos do art. 257 do RISTJ.

Durante a listagem dos precedentes sobre a matéria, já se tratou de indicar, também, os respectivos valores fixados, sendo de se concluir que estes ficam entre sete e cinqüenta mil reais, variação essa perfeitamente aceitável e até necessária, em face da impossibilidade de se proceder ao que seria uma espécie de ‘tabelamento’ dos danos morais (nesse sentido, o Resp nº 663.196/PR, de minha relatoria).

Atendendo-se às circunstâncias do caso, já bem delineadas, fixo o valor compensatório em R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

II – Dos lucros cessantes. Suposta violação aos arts. 389 e 402 do CC/02.

O acórdão, expressamente, reconheceu que o autor só teve como pagar pelo procedimento médico porque retirou fundos que estavam alocados em aplicação financeira, perdendo com isso os rendimentos que adviriam desta, verbis:

“No tocante aos danos oriundos de atividades bancárias, verifica-se que houve, de fato, a retirada do dinheiro (fl. 51) nos dias exatos do vencimento das parcelas da dívida hospitalar (fl. 49) cuja responsabilidade pelo pagamento era da ré, CASSI.

Consta, também, declaração do Banco do Brasil informando que os saques comprovados à fl. 51 foram efetuados de um ‘fundo de aplicação BB DI Private’ (fl. 52)” (fls. 223).

Contudo, entendeu o acórdão que a perda dos rendimentos não poderia ser indenizada, porque o autor não indicou qual seria o percentual dos rendimentos esperados no período da aplicação.

Segundo o recorrente, tal decisão violaria o art. 402 do CC/02, porque bastaria fixar a obrigação de indenizar, deixando para a fase de liquidação o valor exato da dívida.

Tal tese é efetivamente viável e já foi admitida por alguns precedentes do STJ; porém, sua aplicação é limitada a determinados casos especiais. Com efeito, há julgados do STJ no sentido de afirmar que “A prova dos lucros cessantes deve ser realizada no processo de conhecimento. A apuração do montante correspondente à remuneração percebida pela vítima à época em que trabalhava pode ser relegada à fase de liquidação” (Resp nº 327.210/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 01.02.2005), mas, conforme definido pelo i. Min. Ari Pargendler no julgamento do AgRg no Ag nº 667.131/ES, 3ª Turma, DJ de 18.06.2007, apenas quando provado o fato gerador dos lucros cessantes, mas inviável a sua determinação durante o processo de conhecimento, é que “a apuração do montante devido pode ser remetida à fase de liquidação de sentença, na forma do artigo 608 do Código de Processo Civil”.

Em tal precedente, tratava-se de hipótese na qual se fez necessária perícia para identificar as conseqüências da rescisão de um contrato de transporte, em prejuízo da autora que teve paralisada sua atividade com a demora no conserto de um caminhão pela concessionária. Naquele outro julgado, da 4ª Turma, houve necessidade de perícia para definir o grau de perda de capacidade laborativa da vítima do ilícito.


Ao contrário, na presente hipótese, como o próprio recorrente acaba por indicar, a exata definição da quantia devida a título de lucros cessantes poderia, facilmente, ser apontada já na inicial. Com efeito, todos os dados necessários já estavam disponíveis ao autor, pois este já conhecia: i) o tipo de aplicação – apontado na inicial como sendo da espécie ‘renda fixa’ (fls. 13); ii) conseqüentemente, a data de resgate sem perda de rentabilidade esperada; iii) a rentabilidade desse período; e iv) o valor aplicado de início e que terminou sendo sacado antecipadamente.

Com esses elementos disponíveis, era plenamente possível ao autor indicar, com precisão, o valor dos lucros cessantes que alega ter sofrido. Vale ressaltar que, com a inicial, foi juntada declaração firmada pela Gerente da agência do Banco do Brasil onde realizado o investimento, mas apenas com o objetivo de fazer prova quanto à existência da operação, sendo que nada impedia a obtenção, pela mesma via, dos dados acima listados relativamente aos detalhes da operação financeira, caso alguma dúvida houvesse a respeito.

Assim colocada a questão, nota-se que a posição do acórdão, na verdade, não se inclina à discussão sobre a possibilidade ou não de definição do lucro cessante em liquidação de sentença, mas sim à impossibilidade de que, por mera conveniência do autor, seja realizado pedido genérico, quando o pedido expresso era possível, até com certa facilidade.

O acórdão recorrido, quando bem compreendido, está a sugerir posicionamento jurisprudencial no sentido de que a diferença entre pedido certo e pedido genérico deve decorrer, apenas, da própria natureza destes. Os pedidos genéricos são a exceção, como bem indica o art. 286 do CPC, e decorrem apenas, no que diz respeito mais de perto com a presente hipótese, ‘quando não for possível determinar, de modo definitivo, as conseqüências do ato ou fato ilícito’ (inciso II), situação que, conforme visto, não ocorre no caso.

Há que se reconhecer, portanto, a deficiência de fundamentação do recurso especial quanto ao ponto, pois as alegações de violação aos arts. 389 e 402 do CC/02 não são aptas a desconstituir acórdão que tem sua real fundamentação em interpretação dada ao art. 286 do CPC.

III – Dos honorários advocatícios. Suposta violação aos arts. 389 e 402 do CC/02.

O acórdão reconheceu que era dever da recorrida arcar com os honorários advocatícios contratados entre o ora recorrente e seu procurador, estabelecendo a condenação ao ressarcimento de R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais), conforme teria sido acertado entre as partes no contrato de fls. 53/55.

Em embargos de declaração, o ora recorrente provocou o TJ/DF a se manifestar a respeito de ponto que entendeu omisso, pois, desse mesmo contrato, constava também cláusula de honorários ‘ad exitum’, no equivalente a 5% do valor da condenação; assim, haveria necessidade de manifestação expressa também a respeito da condenação ou não em ressarcir esse valor.

O TJ/DF, ao julgar os embargos, consignou quanto ao ponto que “A verba honorária ad exitum contratada não foi incluída na condenação pois se refere a um percentual (5%) sobre o valor alcançado pelo autor/apelante”(fls. 236).

No Especial, o recorrente busca apoio nos mesmos arts. 389 e 402 do CC/02, já referidos no item anterior, como fundamento para pedido de inclusão, na condenação ao ressarcimento das despesas com honorários, também daquilo que foi fixado como cláusula ‘ad exitum’.

O mesmo problema apontado no ponto anterior, porém, afeta a pretensão. Em resumo, o que pretendeu afirmar o acórdão é que, escolhendo as partes fixar uma parcela da remuneração do advogado pelo sistema ‘ad exitum’, de forma a deixar tal remuneração condicionada ao sucesso da demanda, não se trata mais de perdas e danos em face dos atos ilícitos cometidos pela ré. As perdas e danos, conforme estipulado no item anterior, precisam ter sua existência demonstrada já na inicial, e, no entender do acórdão, perde esta característica qualquer verba cujo desembolso se mantém em uma perspectiva condicional ao próprio sucesso da demanda.

Assim, o acórdão reconheceu a necessidade de indenização quanto ao valor fixo estipulado no contrato, mas não quanto à parcela ‘ad exitum’, que tem natureza eventual, pois incerta a necessidade de repasse, ao advogado, de parcela do ganho financeiro obtido com a ação, conquanto incerto o próprio sucesso desta.

As razões de recurso especial, contudo, limitam-se a nomear a alegada violação aos arts. 389 e 402 do CC/02, sem desenvolver ataque eficiente à específica interpretação dada pelo acórdão sobre os limites do reconhecimento de danos emergentes na hipótese, em face da distinção existente entre honorários adiantados em valor fixo e honorários devidos pelo êxito.

Forte em tais razões, CONHEÇO parcialmente do recurso especial e, nessa parte, a ele DOU PROVIMENTO para condenar a ré ao pagamento do valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de compensação pelos danos morais sofridos, com incidência de correção monetária a partir desta data e juros de mora desde o evento danoso (Resp nº 660.459/RS).

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