Boa-fé

TST rejeita tese de fraude em arrematação da marca DCI

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10 de dezembro de 2007, 9h49

A desconstituição de uma arrematação feita por meio de ato judicial regular fere o direito de propriedade garantido constitucionalmente. Com este entendimento, a Seção Especializada em Dissídios Individuais I do Tribunal Superior do Trabalho negou a tese do espólio de um empregado do DCI, de que houve fraude, na Justiça Federal, no leilão da marca.

A Seção rejeitou o argumento de que a arrematação da marca DCI em hasta pública por uma terceira pessoa, que posteriormente a vendeu ao Diário Comercial, configuraria fraude à execução trabalhista, e entendeu que a Justiça do Trabalho não pode cassar decisão da Justiça Federal.

A ação foi proposta, em 1996, por um mecânico de manutenção contra várias empresas do grupo DCI, e versava sobre horas extras, salários em atraso e outras verbas. A 52ª Vara do Trabalho de São Paulo julgou os pedidos procedentes quanto ao DCI. As verbas devidas, à época da liquidação, somavam R$ 186 mil. O trabalhador morreu em julho de 2002 e seu espólio deu seguimento à ação.

O grupo passou por dificuldades econômicas e, para o pagamento de dívidas para com o Tesouro Nacional, a marca DCI foi penhorada pela 4ª Vara de Execuções Fiscais da Justiça Federal em São Paulo. Em 2003, entre a execução fiscal e o leilão, foi decretada a falência do grupo, em processo ainda em tramitação. A execução fiscal prosseguiu sem que a Justiça do Trabalho, o Juízo Falimentar e o síndico da massa falida se manifestassem a respeito. A marca foi levada à leilão, e seu arrematante a vendeu, em seguida, ao Diário Comercial.

O espólio do trabalhador, cuja reclamação já estava em fase de execução, alegou a ocorrência de sucessão, e que a execução deveria recair, portanto, sobre o Diário Comercial. Sustentou, também, que a arrematação na Justiça Federal teve o objetivo de fraudar a execução trabalhista, ao impedir que o principal bem da DCI — sua marca — fosse usado para o pagamento das verbas que lhe eram devidas. O argumento foi rejeitado pela Vara do Trabalho, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) determinou a penhora da marca.

A 3ª Turma do TST, ao julgar recurso do Diário do Comércio, modificou este entendimento, levando o espólio do ex-mecânico a recorrer à SDI-1. O débito, então, já alcançava a cifra de R$ 341 mil.

Presunção de licitude

O voto vencedor no julgamento dos Embargos em Recurso de Revista pela SDI-1 foi do ministro Milton de Moura França, vice-presidente do TST, que divergiu do relator, ministro Aloysio Corrêa da Veiga. Ele foi seguido pela maioria dos demais integrantes da Seção. “A hipótese envolve discussão que transborda não só o direito de propriedade, como também o prestígio do Judiciário e a boa-fé que deve nortear a prática de atos por todos os cidadãos”, ressaltou o ministro.

Em seu voto, Moura França afirmou ser descabido, juridicamente, que uma decisão da Justiça do Trabalho possa cassar outra da Justiça Federal: a arrematação é um ato judicial com “inquestionável presunção de licitude”, e por isso é inadmissível que o Diário Comercial, terceiro de boa-fé, que adquiriu o bem do arrematante, possa ser atingido em seu direito de propriedade.

O ministro lembrou ainda que o espólio do trabalhador não alegou a ocorrência de fraude na segunda etapa da venda, mas na própria arrematação judicial. De acordo com essa argumentação, a execução fiscal teria o objetivo de fraudar a execução trabalhista, isto é, um ato da Justiça Federal teria a intenção de impedir o pagamento de uma condenação imposta pela Justiça do Trabalho — hipótese definida como “verdadeiramente teratológica”.

A ministra Maria Cristina Peduzzi, relatora da decisão anterior, da 3ª Turma, contra a qual o espólio do mecânico recorreu, já havia destacado que ao contrário do que ocorre com a compra e venda entre particulares, na aquisição da propriedade em hasta pública não há relação direta entre quem arremata e o proprietário originário do bem.

“Reconhecer a sucessão em tal caso, sem a prova de ser a operação fraudulenta, significaria ampliar o alcance do instituto para todas as hipóteses em que uma empresa quebrasse e seus bens fossem leiloados e adquiridos por terceiros, o que não é razoável”, registrou ao julgar o processo na 3ª Turma.

O ministro Vieira de Mello Filho, que também seguiu o voto divergente, lembrou que a arrematação tem requisitos específicos, constantes dos editais que viabilizam a praça. “Não cabe ao juízo trabalhista desconstituir ato judicial levado a efeito, de forma transparente, límpida, no Juízo cível”, observou. Os ministros Vantuil Abdala, Carlos Alberto Reis de Paula e Brito Pereira manifestaram-se no mesmo sentido.

O ministro Rider Nogueira de Brito, presidente do TST e da SDI-1, destacou que o Poder Judiciário tem de ter todo o cuidado para prestigiar os atos do próprio Judiciário. “Ao permitir que se prossiga com um processo desta natureza, não dando nenhuma validade a uma arrematação em hasta pública — não aqui, mas na Justiça Federal ou em qualquer outra -, estaríamos perdidos”, afirmou.

E-RR-3.141/1996-052-02-00.3

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