Corrida de obstáculos

No TJ-SP, Vallim Bellocchi assume maior desafio de sua carreira

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10 de dezembro de 2007, 11h23

Ele é carioca, esportista, faixa preta em judô e desembargador. É viúvo, tem dois filhos e uma neta de nove anos. Do alto dos seus 67 anos e da quarta posição da lista de antiguidade do Judiciário paulista, o cidadão Roberto Antonio Vallim Bellocchi foi eleito presidente do maior tribunal do país. Alçou o cobiçado posto com 190 dos 271 votos válidos, numa eleição marcada por ataques, xingamentos e uma ação judicial que foi parar no STF. Reunidos, esses ingredientes foram uma novidade no formal, litúrgico, elegante e discreto ambiente da magistratura paulista.

Ser presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo era um sonho acalentado por Vallim Bellocchi, que entrou para a magistratura com apenas 25 anos, idade base para investidura no cargo. Adolescente de família católica, estudante de colégios salesianos de Campinas e da capital paulista, formado advogado pela PUC de São Paulo, Vallim Bellocchi não abraçou nenhuma religião. Se diz apenas “cristão”.

Filho do contabilista Rômulo Bellocchi e da professora Rally Almeida Vallim Bellcchi, desde pequeno o filho homem do casal Bellocchi se apaixonou por esportes. A influência surgiu dentro da família: o pai praticava natação e a mãe era apaixonada por remo. Vallim se envolveu com o judô. A família Vallim é oriunda do Vale do Paraíba e os Bellocchi vieram da Itália, durante a primeira Guerra Mundial.

No início dos anos 60, para ajudar nos custos da universidade fez um curso rápido de jornalismo, no sindicato da categoria, e dividiu a vida entre os bancos da escola, estágios em escritórios de advocacia e o trabalho de “foca” no jornal A Gazeta Esportiva, onde trazia notícias que iriam abastecer a coluna de judô daquele diário paulista. Também trabalhou no jornal O Faixa Preta, da Federação Paulista de Judô.

O futuro presidente quer marcar sua gestão pelo que chama de administração participativa da comunidade judiciária. “Vamos trabalhar com diálogo. Essa será uma administração aberta à contribuição de desembargadores, juízes e servidores”, diz Bellocchi.

Entre o discurso e a prática, o próximo presidente terá pouco tempo para mostrar a que veio. O Judiciário paulista reclama, com urgência, uma administração moderna, condizente com os tempos de hoje onde acontece uma quase universalização da justiça, com grande demanda da sociedade. E nesse ambiente, um grande juiz pode ser um péssimo gestor.

Vallim Bellocchi tem como primeira tarefa derrubar a barreira da desconfiança. Mostrar que não se enquadra naquela figura antiga de juiz formal, fechado, discreto, silencioso e distante. Deixar um pouco de lado a toga e mostrar que mais que um magistrado é um administrador público, ciente da enorme tarefa de ditar um rumo moderno ao maior tribunal estadual de justiça.

Fomos encontrar o homem que vai dirigir o destino da justiça paulista no biênio 2008/2009 quase isolado em uma ampla sala do último andar do velho prédio onde funciona a sede do Poder Judiciário, no centro da capital de São Paulo. Sem assessores ou sequer uma secretária, apenas se fazia acompanhar de um escrevente que atendia telefonemas e anunciava as visitas.

O presidente eleito procurou demonstrar confiança no futuro da instituição. Disse que o resultado já era esperado pelo apoio do “forte grupo” que confiou em suas propostas. Vallim Bellocchi não deu importância ao argumento de que foi beneficiado pela regra de antiguidade, que norteou o pleito deste ano, e retirou da disputa outros quatro candidatos que não se adequavam à norma.

“Pretendo, na medida do possível, dar seqüência aos projetos iniciados e implantados nas gestões passadas, respeitando, obviamente, o orçamento de que dispõe o tribunal”, disse o presidente eleito, antecipando a intenção de dialogar.

A seguir, trechos da entrevista à revista Consultor Jurídico:

ConJur — Como o senhor pretende encaminhar a paz no Tribunal depois da guerra eleitoral?

Vallim Bellocchi — Eu sou defensor de maior participação dos desembargadores. Eu quero os magistrados participando ativamente da vida do tribunal. Não serei refém de ninguém, pois não tenho compromisso com grupos e sim com a participação de colegas e com modernidade do Judiciário. Foi por isso que fui eleito com a votação que tive, com um forte apoio interno.

ConJur — Mas a campanha deixou seqüelas. O presidente Celso Limongi, por diversas vezes, disse que o critério eleitoral favorecia da “gerontocracia”, numa referência à democracia que beneficia apenas os mais antigos, incluindo o senhor?

Vallim Bellocchi — Não nego que ainda há um clima que deve ser superado. Sua excelência [se referindo ao presidente Celso Limongi], a quem tem um respeito muito grande, também faz parte da gerontocracia. Mas todo clima é sazonal e isso passa. Um fortíssimo grupo me apoiou. Eu vou estender a mão a quem discordou a mim. Antes da guerra vamos negociar a paz. O que não podemos ter são tribunais divididos, afetando o conceito de República e paralisando o Judiciário. A vida é formada de vitórias e derrotas. É preciso saber perder. Saber perder é uma arte e saber ganhar é um encargo. Não podemos relembrar por toda vida as divergência políticas eleitorais.


ConJur — E sobre a Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), o senhor acha que ela envelheceu?

Vallim Bellocchi — O debate e a divergência é uma necessidade, principalmente num Tribunal como o de são Paulo com 360 desembargadores. O STF interpretou a Constituição. A emenda 45 ao criar o critério misto de composição do Órgão Especial inovou e colocou o assunto da Loman em pauta. Isso vai levar a uma modulação de entendimento nesse critério do universo de candidatos que podem disputar os cargos de direção. Tanto que me escrevi para concorrer ao cargo de presidente antes da decisão do STF. O artigo 102 tem que ser reavaliado pelo Supremo. A iniciativa é do STF e depois vai passar pelo Congresso Nacional. Não vamos discutir a questão que vai levar a desavença entre grupos, mas num clima de inteligência e de diálogo. Temos que levar pelo lado bom senso, sem partidarismo, o que é próprio de qualquer pessoa, principalmente de magistrados. Essa ampliação é necessária. Isso passa pelo STF, sem violência verbal.

ConJur — Então, vivemos novos tempos?

Vallim Bellocchi — Tempos de abertura. O Tribunal cresceu, os hábitos mudaram. A participação da magistratura é inevitável. Hoje a tarefa do presidente é compartilhar com juizes e desembargadores as necessidades. Não tenham dúvidas de que temos magistrados com boas idéias e precisamos de canais abertos com toda a sociedade.

ConJur — O presidente Celso Limongi chegou propondo uma revolução. Tomou diversas iniciativas, mas vai sair deixando o Tribunal praticamente na mesma situação. Dá para fazer uma revolução em dois anos?

Vallim Bellocchi — É impossível. O tempo é muito curto para os problemas da grandeza do Tribunal de São Paulo. Mas podemos abrir caminhos como fez o presidente Limongi. Pretendo dar continuidade a muitas iniciativas das gestões passadas. Mas a minha administração vai se voltar para dentro do Tribunal. O presidente Limongi exerceu uma opção de direção. Se deu certo ou não, não é matéria para crítica. Não farei crítica velada. Eu vou partir para outro tipo de opção. Vou aproveitar o que há de bom. Não há salvadores da pátria. Quem assume um cargo tem que olhar o que há de bom e dar continuidade a essas práticas.

ConJur — Ser bom juiz é condição para ser bom administrador?

Vallim Bellocchi — Não. Excepcionalmente temos colegas que se destacam porque tiveram uma formação especializada. Mas via de regra esse conceito de gestão administrativa não passa pela judicatura. Tenho certeza de que pela vivência que tenho dentro do Tribunal de Justiça e como juiz de primeira instância estou pronto para administrar essa Corte. Não aquela experiência adequada, mas uma vivência específica. Eu já venho me preparando a algum tempo, desde as campanhas de que participei.

ConJur — Mas o que a gente vê no Tribunal é o império da formalidade em detrimento da gestão?

Vallim Bellocchi — Há excesso de recursos e formalidades. O Tribunal de Justiça cresceu rapidamente sem a estrutura correspondente. Mesmo com 360 desembargadores, problemas orçamentários impedem a melhoria das condições de trabalho. Falta informática, logística, servidores. Enfrentamos uma situação que não foi prevista há anos. O Tribunal esperou muito tempo. A geração mais nova de magistrados chegaria e não houve a previsão necessária para o crescimento. A lentidão não agrada ninguém e não será num passe de mágica que se solucionará. Mas se isto é um problema, a solução é tomar medidas que tornem mais ágil a tramitação do processo.

ConJur — A principal crítica feita contra sua candidatura foi a de não ter experiência administrativa?

Vallim Bellocchi — Estou aqui no tribunal há quase 25 anos. Tenho 42 anos de magistratura. A experiência administrativa que se requer de um presidente é mais de vida, de prática, cercado de uma boa e talentosa equipe. Não é como numa empresa privada, numa multinacional. Aqui se requer uma administração pontual que perpassa o Tribunal. Requer que o administrador público seja capaz de superar hábitos antigos que foram superados pelo tempo. Por exemplo, como se pode admitir que ainda hoje se costure processo. Isso caiu em desuso, na malha do tempo, mas ainda convive entre nós. É preciso um administrador prático, aberto ao diálogo, que queria a participação de seus pares, eficiente, sem contornos. E para isso eu me sinto habilitado.

ConJur — O Tribunal de Justiça tem solução?

Vallim Bellocchi — Claro, mas isso não acontece da noite para o dia. Requer um trabalho contínuo, de algumas gerações. A prestação do serviço judiciário deve ser encarada com certa prudência. Ela significa, para mim, uma boa distribuição do processo e uma boa prolação de sentença, isso acontecendo num tempo razoável. O que temos hoje são algumas barreiras que são resultados da falta de infra estrutura, de efetiva assessoria ao magistrado e ao desembargador, e da falta de treinamento de pessoal. Penso que nossos problemas residem aí. Eu pretendo ampliar a informatização do Judiciário, mas antes preciso de um diagnóstico dessa área. Entendo que muita formalidade atrapalha, a formalidade deve ser mínima.


ConJur — Como enfrentar a formalidade?

Vallim Bellocchi — É difícil. Em primeiro lugar temos uma legislação detalhista. É uma legislação que não é prática. Enquanto não houver mudanças na lei, podemos incentivar situações criativas. Temos juízes que têm adotado soluções práticas. Por exemplo, há magistrados que usam uma mecânica própria para o melhor desenvolvimento do processo, sem prejudicar o direito de defesa e o princípio do devido processo legal. Ele torna o processo mais ágil, elimina audiências, elimina provas inúteis. O contraditório tem que ser útil, não pode ser tão amplo que leve à perda de tempo.

ConJur — Mas como fazer para que a inovação deixe de ter um caráter pessoal de cada juiz e passe a ser uma política institucional?

Vallim Bellocchi — Uma proposta assim tem que levar em conta que temos 17 milhões de processos em primeira instância. É um universo enorme. Temos 400 mil processos em segunda instância, aguardando distribuição. A emenda Constitucional 45 [Emenda da Reforma do Judiciário] não resolveu nada, com o devido respeito. Os processos mudaram de lugar. Os desembargadores trabalham com mais de 1,2 mil processos. Ele é uma pessoa, tem apenas dois assistentes e um escrevente. As condições de trabalhos básicas não mudaram muito. Só melhoraram as condições físicas, como os gabinetes.

ConJur — O que falta para melhorar?

Vallim Bellocchi — Comunicação. A magistratura padece da falta de comunicação. Precisamos melhorar nosso sistema de informática. É preciso comunicação entre os gabinetes dos desembargadores. As câmaras precisam tomar conhecimento do que julgam, para não ficarem repetindo e apreciando matérias que já têm entendimento uniforme. Esse quadro é ainda pior na primeira instância. Ali o juiz está ainda mais solitário.

ConJur — Como o senhor pretende enfrentar a questão orçamentária? A falta de verba para melhorar a informática, a infraestrutura e a qualificação dos servidores?

Vallim Bellocchi — Vejo que só há um caminho: o do diálogo. Precisamos conversar com o Executivo, o Legislativo e a sociedade. O Executivo é o ordenador de despesas. É preciso muita prudência e conversa. Nós temos prestígio como desembargadores e esse é nosso trunfo. Eu pretendo uma presidência participativa, que todos sejam chamados a expor idéias para confeccionar o orçamento. A garantia orçamentária é um dogma constitucional. Eu confio num entendimento. Se vai cortar o orçamento do Tribunal é preciso justificar, dizer porque. O Orçamento deve ser tão transparente que o corte pelo corte não se justifique.

ConJur — Agora há uma frente parlamentar…

Vallim Bellocchi — Sou a favor do diálogo. Confio na participação dos desembargadores e num bom relacionamento da Assembléia Legislativa. Esse é um trabalho permanente que deve envolver outros setores do Executivo, como a Secretaria da Fazenda e os órgão que cuidam da administração.

ConJur — O senhor está falando muito em gestão participativa. Como isso vai se dar?

Vallim Bellocchi — A presidência estará aberta a sugestão da magistratura. Além disso, pretendo a participação dos presidentes das seções de Direito Público, Privado, Criminal e do decano nas reuniões do Conselho Superior da Magistratura. Com isso, vamos aprimorar a integração dos órgãos de cúpula e de direção, sem prejuízo, evidentemente, da integração mais veloz entre os membros do Tribunal de Justiça.

ConJur — O senhor falou do modelo de informática?

Vallim Bellocchi — É preciso uma velocidade muito maior. Esse tribunal é muito grande. Mas pelo que sei há necessidade de velocidade para que aconteçam respostas rápidas, resultando em mais benefícios. Precisamos criar a política judiciária do enunciado, das súmulas. Essa é uma primeira idéia, um panorama de assuntos que não precisam mais de discussão processual, porque já foram esgotados. Debater os mesmos assuntos quando já há solução é um vício, que vem das ordenações portuguesas. Há coisas que não devem mais ser discutidas e isso não é abreviar o julgamento é ser prático. Essa é uma das formalidades a ser eliminada. A reiteração desnecessária.

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