Servidores públicos

Veja principais controvérsias do projeto do Fundo de Pensão

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8 de dezembro de 2007, 23h01

O presente texto expõe alguns contornos do Projeto de Lei 1.192/07, encaminhado em outubro pela presidência da República ao Congresso, que pretende instituir o Fundo de Pensão dos Servidores Públicos Federais. Espera-se, assim contribuir para o debate de uma medida com impactos diretos sobre um contingente expressivo da população, assim como sobre todo o sistema de previdenciário brasileiro. O objetivo básico do Funpresp é permitir a recomposição do equilíbrio da previdência pública, garantindo a sua solvência em longo prazo.

Espera-se que Fundo reduza a alocação de recursos públicos à Previdência, possibilitando a recomposição dos gastos em áreas essenciais à retomada do crescimento econômico e em programas sociais. Daí a relevância do Fundo de Pensão ter sido proposto no contexto do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC).

O projeto prevê o tratamento isonômico entre trabalhadores do setor público e da iniciativa privada, uma vez que todos estarão sujeitos ao teto de benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Os valores superiores a esse teto advirão do sistema complementar, não mais do Tesouro.

Dentre os aspectos mais controvertidos da proposta legislativa destacam-se: a possibilidade de o servidor que ingressou no serviço público até o início do funcionamento da Funpresp aderir ao novo regime complementar; o benefício especial a ser pago ao servidor optante; a natureza jurídica do Fundo e o controle do Tribunal de Contas da União; os planos de benefício e as alíquotas de contribuição, além da previsão de derrogação da Lei Complementar 109, de 2001.

Opção condicionada

De acordo com a proposta, a adesão ao Fundo será feita mediante expressa opção do servidor, no prazo de 180 dias subseqüentes ao início de seu funcionamento, implicando automática, irrevogável e irretratável renúncia aos direitos decorrentes de regras previdenciárias anteriores, o que põe fim a qualquer ação judicial ajuizada contra a União.

A Constituição, contudo, é clara ao assegurar ao servidor o direito à opção em aderir ao Fundo, sem o condicionar a requisitos fixados em lei ordinária. Inexiste espaço jurídico para que o legislador infra-constitucional imponha condicionalidades não previstas na Constituição ao ato de adesão do servidor, em seu prejuízo. Ao fixar o prazo e, sobretudo, ao condicionar a adesão à renuncia de direito decorrentes das regras previdenciárias passadas, o projeto de lei incorre em grave vício de inconstitucionalidade.

Também sob o prisma material, a opção condicionada à renúncia de direitos possui um conteúdo de inconstitucionalidade que compromete o projeto, pois, na forma proposta, a opção não viabiliza o exercício livre do consentimento do servidor garantido na constituição, mas, ao contrário, traz em seu bojo o objetivo oblíquo de dar quitação plena ao Estado no tocante às regras previdenciárias anteriores.

Benefício especial e insegurança jurídica

O servidor que aderir ao Funpresp fará jus a um benefício especial e a proventos de aposentadoria limitados ao valor máximo de benefício do RGPS, ambos pagos pelo Regime Próprio de Previdência Social (RPPS).

Além disso, o optante fará jus ao benefício complementar, na modalidade de contribuição definida, esse pago pela Funpresp na forma fixada no regulamento do plano. O aspecto mais relevante desse tópico diz respeito à insegurança jurídica à qual o servidor estará submetido, uma vez que tornou-se hábito legislativo a modificação constante do regime previdenciário do servidor público, bem como suas condições de aposentadoria. Se o regime constitucional de aposentadoria do servidor foi modificado três vezes (EC 20/98, EC 41/03 e EC 47/05), esperasse que com muito mais facilidade se alterem as formas e condições de adesão fixadas em mera lei ordinária. Logo, o servidor estará trocando uma possível aposentadoria integral por benefício especial que hoje é fixado de uma forma e, amanhã, pode ser alterado por mera lei ordinária, ou até mesmo medida provisória.

Natureza jurídica da Funpresp e controle do TCU

Outro ponto de grande controvérsia diz respeito ao desafio de compatibilizar o texto constitucional (natureza pública da entidade) com a natureza principiológica da previdência complementar (privada). A solução dada pelo projeto de lei parece insuficiente, pois limita-se à contratação de pessoal por concurso público, à publicidade dos balanços anuais e à realização de licitação, procedimentos, procedimentos obrigatórios a qualquer ente — de natureza jurídica pública ou privada — que seja destinatário de recurso públicos.

A submissão à legislação federal sobre licitação e contratos administrativos, antes de ligar-se à natureza pública da entidade, traz em si intrínseca correlação com os recursos públicos mantenedores da Funpresp. A exigência, por si não confere à entidade natureza pública, não passando de imposição constitucional a todo ente que seja destinatário de verbas públicas, a exemplo da Funpresp.

A exigência de contratação de pessoal por concurso público também não transmuda a natureza jurídica de uma entidade de privada para pública. Cite-se, como singelo exemplo, o Banco do Brasil: pessoa jurídica de direito privado, sociedade anônima, instituição financeira. Por envolver capital da União, seu principal acionista, o Banco do Brasil está sujeito à contratação de pessoal por intermédio de concurso público, como forma de resguardar o patrimônio público de ingerências de interesses privados e favorecimentos, não como forma de conferir-lhe natureza jurídica pública.

No tocante à publicidade, beira a curiosidade imaginar que a obrigação de se publicar anualmente demonstrativos contábeis, atuariais e financeiros possa conferir à Funpresp a natureza jurídica pública exigida pela Constituição, uma vez que é requisito recorrente de qualquer pessoa jurídica que envolva interesse de grandes coletividades, como as sociedades anônimas.

Nesse contexto, é importante atentar para outro projeto de lei em tramitação, Projeto de Lei Complementar 92/2007, que cria fundação estatal. A aprovação desse projeto será fundamental, pois irá pavimentar o caminho para a instituição do Funpresp, explicitando melhor os contornos dessa nova pessoa jurídica. Será um blend entre os princípios públicos mínimos aplicáveis às instituições públicas — no sentido de preservar o interesse público subjacente em um fundo de pensão no qual o Patrocinador é a União, o Estado (ou seja, todos nós) — e a agilidade e mobilidade própria dos entes privados — imprescindível para o desempenho eficiente das atividades inerentes à previdência complementar.

O projeto de lei também prevê que o controle e a fiscalização da Funpresp seja exercido pelo órgão regulador e fiscalizador das entidades fechadas de previdência complementar, o que não afasta o controle do Tribunal de Contas da União, visto que não é a natureza jurídica da entidade (pública ou privada) que define a atração ou não do controle do Tribunal de Contas da União, mas, sim, o fato de a pessoa jurídica ser destinatária de dinheiros, bens ou valores públicos, como é o caso da Funpresp.

Planos de benefício e alíquotas de contribuição

De acordo com a Constituição Federal, a Funpresp somente poderá oferecer aos seus participantes planos de benefício na modalidade de contribuição definida. Tal restrição não encontra fundamento nos princípios da razoabilidade e da isonomia, na medida em que os servidores contribuirão nos mesmos moldes e condições dos trabalhadores da iniciativa privada. Essa restrição contradiz a própria essência da previdência complementar (privada), por definição facultativa e opcional. Somem-se a esse aspecto normativo-constitucional, questões de ordem técnica, que contradizem a suposta tendência mundial de adoção de planos de contribuição definida. Portanto, sob os aspectos principiológicos e técnicos, mostra-se questionável a imposição do plano de benefício de contribuição definida aos servidores públicos federias, o que, ao fim e ao cabo, constitui tratamento anti-isonômico com relação aos trabalhadores da iniciativa privada. Contudo, nesse particular, o projeto de lei adequa-se ao que dispõe o texto Constitucional.

A alíquota de contribuição merece destaque. Segundo o projeto, o servidor definirá a sua alíquota, cabendo ao participante aporte igual, limitado ao percentual de 7,5% (sete e meio por cento) sobre a base de contribuição (valor da remuneração que exceder ao limite do RGPS). Fixou-se um limite máximo para os aportes dos patrocinadores, uma vez que caberá ao participante a definição da alíquota de contribuição. Dessa forma, o participante poderá definir contribuição inferior ao percentual máximo de contribuição do patrocinador (7,5% — sete e meio por cento). Contudo, isso não é recomendado, pois pode representar perda de ganho ao optante que estará abrindo mão de parte da contribuição obrigatória do patrocinador, sem contar com os dividendos decorrentes dos investimentos de sua reserva individualizada.

Impossibilidade de derrogação da Lei Complementar 108/2001

A tentativa do PL 1.992/2007 em derrogar a LC 109/01 não encontra fundamento no ordenamento jurídico pátrio, haja vista tratarem-se de diplomas legais de diferentes níveis hierárquicos. O STF já se dedicou ao exame das possíveis relações hierárquicas entre lei complementar e ordinária, concluindo que os problemas de incompatibilidade não se solucionam no nível hierárquico, mas, sim, sob o prisma do quorum qualificado constitucionalmente exigido para a aprovação de lei complementar.

O Supremo assentou o entendimento de que são complementares apenas as normas que veiculam matéria reservada pela Constituição à lei complementar. As demais normas são materialmente ordinárias, ainda que tenham sido aprovadas por quorum qualificado, reservado à lei complementar. Logo, se uma norma é formalmente complementar, mas materialmente ordinária, ela pode ser alterada ou derrogada por lei ordinária.

Em síntese, o quorum em si não tem o condão de transmutar a natureza jurídica da norma de ordinária para complementar, natureza jurídica que será definida pela matéria veiculada no diploma legal. No tocante à lei Complementar 109/01, verifica-se que ela é lei complementar em ambas as dimensões, formal e material.

Logo, apenas outra lei complementar poderá afastar a aplicação da Lei Complementar 109/2001. Assim, as disposições do PL 1.992/2007, convertidas em lei, que contrariem a LC 109/2001 são automaticamente inaplicáveis.

Conclusão

Todo esse debate vem no bojo de uma nova visão sobre o papel do Estado e o seu esgotamento, haja vista a impossibilidade de sua atuação eficiente em diversas áreas vocacionadas para um perfil mais ágil e dinâmico de atuação. Na verdade, trata-se de uma re-visão das relações entre o público e o privado, a partir da qual o Estado atuaria apenas subsidiariamente, deixando à iniciativa privada o protagonismo na condução e desenvolvimento de determinadas atividades. A previdência complementar do servidor público, ancorada no sólido sistema de previdência complementar brasileiro, insere-se em todo um contexto de relativo esgotamento estatal, especificamente no que condiz com a necessidade da introdução de um pilar privado na previdência do servidor, em uma aproximação e convergência dos regimes geral e próprio. Agora precisamos aguardar o final da tramitação do projeto e a materialização do Fundo de Pensão dos Servidores Públicos, proposta que remonta à EC 20/98.

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