Demora do Executivo

Justiça permite que inglês fique no país até Executivo dar o visto

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8 de dezembro de 2007, 23h01

O Judiciário não pode substituir o Poder Executivo em suas decisões administrativas, sob pena de violação do princípio da separação dos Poderes, mas pode agir diante da mora do administrador. Foi diante das possíveis conseqüências da mora do Executivo que a juíza federal substituta da 17ª Vara do Distrito Federal, Cristiane Pederzolli Rentzsch, atendeu parcialmente pedido de antecipação de tutela de casal homossexual — um brasileiro e um inglês — para que o estrangeiro possa ir, vir e permanecer em território nacional, até decisão definitiva, enquanto não tem liberado seu visto pela administração.

Há 16 anos juntos, o casal pleiteia um visto permanente do inglês no Conselho Nacional de Imigração (CNI). Eles apresentaram o pedido em setembro deste ano e argumentam que, mesmo já ultrapassados os prazos legais para solução do pleito administrativo, o CNI continua a fazer “exigências incabíveis” no sentido de que seja comprovada a união estável, além de outros documentos já apresentados.

Para a juíza, eles comprovaram que preenchem as condições exigidas pela autoridade administrativa para concessão do visto permanente. Ela considerou que a demora em uma decisão oferece risco de dano irreparável ao casal, que pode sofrer as conseqüências legais de uma situação irregular de um estrangeiro no Brasil, como a imposição de multas e deportação, além do desgaste emocional. “Embora não caiba ao Judiciário deferir a concessão do visto permanente, ainda mais em um juízo perfunctório, os autores apresentam documentos suficientes ao atendimento do requisito verossimilhança das alegações que apontam pelo preenchimento das condições para obtenção da permanência definitiva no país”, afirma.

A juíza Cristiane vai além e afirma que o visto temporário ou permanente pode ser concedido aos dependentes legais, no caso cônjuge, de cidadão brasileiro de acordo com a Resolução Normativa 36/99, do CNI. Em seu entendimento, estão incluídos aí os relacionamentos homossexuais. “A jurisprudência pátria reconhece que, embora o artigo 226, parágrafo 3º, da Constituição Federal, refira-se à união estável apenas como o relacionamento estabelecido entre homem e mulher, ele representa uma norma geral de inclusão, e como tal, deve proteger toda relação estável calcada na afetividade, no que se inclui a união de pessoas do mesmo sexo.” A juíza lembra que, em 2003, o CNI editou resolução com critérios para concessão de visto no caso de companheiros, sem distinção de sexo.

Leia a decisão

DECISÃO Nº /2007

PROCESSO Nº 2007.34.00.042471-1

CLASSE: 1900 – AÇÃO ORDINÁRIA/OUTRAS

AUTOR: JOHN JAMES DAMER E OUTRO

RÉ: UNIÃO FEDERAL

DECISÃO

Trata-se de pedido de antecipação de tutela em ação ordinária ajuizada por JOHN JAMES DAMER E PEDRO ESTÊNIO DE OLIVEIRA RODRIGUES contra UNIÃO FEDERAL, objetivando obstar quaisquer atos que impliquem restrição ao direito do primeiro autor de ir, vir e ficar no território nacional, inclusive, autorizando sua saída e reingresso no Brasil, sem quaisquer óbices até decisão final do processo, e determinar a expedição do documento de identidade após as formalidades de registro.

Narram os autores que mantêm relação homoafetiva duradoura, contínua e ininterrupta por mais de dezesseis anos. Por pretenderem residir definitivamente no Brasil, em virtude do primeiro autor, JOHN JAMES DAMER, ser cidadão inglês com visto de permanência no Brasil para vencer em 9/12/07, protocolaram, em 27/9/07, requerimento administrativo junto ao Conselho Nacional de Imigração (CNI) para obtenção de visto permanente.

Prosseguem aduzindo que, ultrapassados os prazos legais para solução do pleito administrativo, o CNI continua a efetuar exigências incabíveis tendentes a comprovação da união estável, além de outros documentos já apresentados pelos autores, em que pese o próprio CNI já ter expedido a Resolução Administrativa nº 5, de 3/12/03, estendendo esse direito aos companheiros homoafetivos.

Afirmam que, após o vencimento do visto provisório do primeiro autor, este sofre o risco de ser coagido a deixar o país, seus bens e seu companheiro antes de concluído o processo legal e, pretendendo retornar em breve a Londres, receia ser impedido de reingressar no Brasil, tendo que arcar com multas e dano moral. Ressaltando a ausência do risco de irreversibilidade da medida, pugnam pela concessão da antecipação da tutela de mérito na forma requerida.

Com a inicial, vieram os documentos de fls. 12/60.

É o que comporta relatar.

O deferimento da tutela antecipada requer prova de verossimilhança das alegações, risco de dano irreparável caso não concedida no início do processo, bem como que não haja perigo de irreversibilidade do comando emergencial postulado, nos termos do art. 273 do CPC.

Analiso o primeiro requisito.

O art. 16, da Lei 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro) dispõe que o visto permanente poderá ser concedido ao estrangeiro que pretenda se fixar definitivamente no Brasil e o seu art. 17 determina que para obter visto permanente o estrangeiro deverá satisfazer, além dos requisitos do artigo 5º, do mencionado diploma legal, as exigências de caráter especial previstas nas normas de seleção de imigrantes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Imigração.

A Resolução Normativa 36/99, do CNI que trata da concessão de visto temporário ou permanente a título de reunião familiar, assim estatui:

“Art. 1º – O Ministério das Relações Exteriores poderá conceder visto temporário ou permanente, a título de reunião familiar, aos dependentes legais de cidadão brasileiro ou de estrangeiro residente temporário ou permanente no país, maior de 21 anos.

(…)

Art. 2º – Para o efeito do disposto nesta Resolução, consideram-se dependentes legais:

(…)

IV – cônjuge de cidadão brasileiro”.

Vê-se, assim, que a legislação pátria alberga a pretensão dos autores garantindo a possibilidade de concessão do visto permanente ao cônjuge de cidadão brasileiro para sua permanência definitiva no Brasil.

O fato do relacionamento entre as partes qualificar-se como união homoafetiva não tem o condão de excluir os autores da hipótese em comento, porquanto a jurisprudência pátria reconhece que, embora o art. 226, § 3º, da Constituição Federal refira-se à união estável apenas como o relacionamento estabelecido entre homem e mulher, ele representa uma norma geral de inclusão, e como tal, deve proteger toda relação estável calcada na afetividade, no que se inclui a união de pessoas do mesmo sexo.

Ademais, o CNI editou a Resolução 5/2003 dispondo sobre os critérios para concessão de visto no caso de companheiros, sem distinção de sexo. Veja-se:

“Art. 1º. As solicitações de visto temporário ou permanente, ou permanência definitiva, para companheiro ou companheira, sem distinção de sexo, deverão ser examinadas ao amparo da Resolução Normativa nº 27, de 25 de novembro de 1998, relativa às situações especiais ou casos omissos, e da Resolução Normativa nº 36, de 28 de setembro de 1999, sobre reunião familiar, caso a caso, e tendo em vista a capacidade de comprovação da união estável, por meio de um ou mais dos seguintes itens:

I – atestado de concubinato emitido pelo órgão governamental do país de procedência do interessado, devidamente traduzido e legalizado pela Repartição consular brasileira competente, quando for o caso;

II – comprovação de união estável emitida por Juiz de Vara de Família ou autoridade correspondente no País ou no exterior, traduzida e legalizada pela Repartição consular brasileira competente, quando for o caso;

III – comprovação de dependência emitida pela autoridade fiscal ou órgão correspondente à Secretaria da Receita Federal, traduzida e legalizada pela Repartição consular brasileira competente, quando for o caso;

IV – certidão ou documento similar, emitido por autoridade do registro civil ou equivalente estrangeira, de convivência há mais de cinco anos, traduzida e legalizada pela Repartição consular brasileira competente, quando for o caso;

V – comprovação de filho comum mediante apresentação da respectiva certidão de nascimento, ou adoção, traduzida e legalizada pela Repartição consular brasileira, quando for o caso.

Art. 2º. O chamante deverá apresentar ainda, escritura pública de compromisso de manutenção, subsistência e saída do território nacional em favor do chamado, lavrada em cartório, bem como comprovar meios de subsistência próprios e suficientes para sua manutenção e a do chamado, ou contrato de trabalho regular, ou de bolsa de estudos; cópia do documento de identidade do chamante; cópia autenticada do passaporte do chamado, na íntegra; atestado de bons antecedentes expedido pelo país de origem ou procedência do chamado; comprovante de pagamento da taxa individual de imigração; e inscrição em plano de saúde para o chamado, a menos que coberto por acordo previdenciário”.

Ora, na espécie, os autores comprovaram os requisitos exigidos pela autoridade administrativa no processo 46000021970200724, já que houve a juntada do reconhecimento da união estável por autoridade do país do primeiro autor (fls. 20/27), o segundo autor apresenta identidade (fl. 16), meios de subsistência próprio e para o seu companheiro (fl. 43), passaporte do estrangeiro (fls. 17/19), atestado de ausência de antecedentes criminais negativo (fl. 45) e indício de inscrição em plano de saúde para o chamado (fl. 44).

Verifico, no entanto, que não cabe ao Poder Judiciário conceder o visto permanente ao primeiro autor sem decisão definitiva na esfera administrativa, porquanto tal atribuição é própria do Poder Executivo por meio dos seus órgãos estabelecidos, o que implica concluir que não pode o Magistrado substituir-se ao Administrador, sob pena de violação ao princípio da separação dos poderes (art. 2º, da CF).

No caso, porém, convém ressaltar que os autores submeteram o pedido de concessão do visto permanente à autoridade competente, a qual, nos termos do art. 49, da Lei 9.784/99, após concluída a instrução de processo administrativo, detém o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.

Dessa forma, em face da comprovação dos autores de que preenchem as condições exigidas pela autoridade administrativa para concessão do visto permanente é legítimo que se assegure o direito do primeiro autor de ir, vir e permanecer no território nacional, podendo sair e reingressar no país, sem quaisquer óbices até decisão definitiva no processo, porque embora não caiba ao Judiciário deferir a concessão do visto permanente, ainda mais em um juízo perfunctório, os autores apresentam documentos suficientes ao atendimento do requisito verossimilhança das alegações que apontam pelo preenchimento das condições para obtenção da permanência definitiva no país.

Por outro lado, é evidente o risco de dano irreparável aos autores, os quais poderiam sofrer as conseqüências legais decorrentes de uma situação irregular de um estrangeiro no Brasil tais como a imposição de multas, deportação e desgaste emocional.

Não se nota risco de irreversibilidade do provimento jurisdicional pleiteado, que ostentando caráter provisório pode ser revisto a qualquer tempo.

Ante o exposto, DEFIRO PARCIALMENTE A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA pleiteada para assegurar o direito do primeiro autor de ir, vir e permanecer no território nacional, podendo sair e reingressar no país, sem quaisquer óbices até decisão definitiva.

Intime-se com urgência. Após, cite-se.

Brasília, dezembro de 2007.

CRISTIANE PEDERZOLLI RENTZSCH

Juíza Federal Substituta da 17ª Vara

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