Mudanças na corte

A influência neoinstitucional nas reformas do Judiciário

Autor

7 de dezembro de 2007, 23h01

No Brasil, a retomada do desenvolvimento econômico sustentável está na ordem do dia do debate político nacional; reacendendo discussões e reflexões sobre a arquitetura do Estado nacional. Neste contexto, intensificam-se afirmações acerca da necessidade de se eliminar gargalos jurídicos que dificultam os processos de decisões administrativas de cunho econômico e de se agregar segurança e previsibilidade aos negócios realizados pelos agentes econômicos privados. Tais afirmações vêm sendo sustentadas a partir de categorias teóricas e conceituais da corrente econômica denominada neoinstitucional.

Ao se analisar alguns dos documentos elaborados por órgãos — do Poder Executivo — encarregados da formulação e implementação de políticas públicas econômicas (especificamente, do Ministério da Fazenda e do Banco Central do Brasil), é possível identificar que seus autores estenderam suas reflexões e proposições às atividades dos tribunais, os quais poderiam, de algum modo, contribuir, no desempenho de suas funções, criando ou obstruindo, para um bom ambiente de crescimento sustentável por longo prazo. Reflexões estas que se demonstraram receptivas às idéias neoinstitucionais.

Tais reflexões, longe de se constituírem em meros exercícios acadêmicos, foram, senão absorvidas, ao menos compartilhadas pelos agentes públicos encarregados de formular propostas para a Reforma do Judiciário: que foi realizada em nível constitucional e infraconstitucional. Conforme demonstra os documentos públicos que a subsidiaram e/ou a divulgaram.

Por fim, fica a pergunta: há limites à internalização da racionalidade econômica nos tribunais? Pergunta que não resta respondida nos limites deste ensaio, cuja função é, antes de tudo, apontar a necessidade de se pensar a questão, abordar as condições que permitiram sua eclosão e os sinais que podem indicar sua superação.

Introdução

Para a análise neo-institucional as pessoas buscam seu bem-estar. Há, assim, de forma premente, a idéia de maximização do bem-estar; que, ao seu turno, leva os agentes econômicos à procura de meios que reforçam suas capacidades de produção deste mesmo bem-estar, assim como, simultaneamente, induz a busca por comportamentos oportunistas que visam à satisfação do interesse próprio.

Outrossim, há de se lembrar que, na busca deste bem-estar, as pessoas estão sujeitas à restrições cognitivas em função da racionalidade limitada dos seres humanos, ou seja, a circunstância de que ninguém é absolutamente racional o tempo todo. Daí a importância de Instituições, que devem ser entendidas como Conjunto de regras que perfazem as “Regras do Jogo” em determinada sociedade, formatando as inter-relações humanas.

Estas Instituições estruturam incentivos para o intercâmbio humano, seja ele de natureza econômica, política ou social. È justamente isto o ambiente institucional, ou seja, o conjunto de fundamentos políticos, sociais e legais que perfazem as regras que estabelecem as bases para a produção, a troca e a distribuição econômicas.

Ambiente que influência diretamente na organização institucional das unidades produtivas, que vem a ser a combinação entre unidades econômicas que administram/governam os modos pelos quais essas unidades podem cooperar ou competir entre si.

Nesse contexto, destacam-se como principais instituições os direitos de propriedade, que definem os direitos e privilégios patrimoniais, e os contratos, que são os processos pelos quais os direitos de propriedade são estabelecidos, fixados e modificados. Direito de propriedade e contratos, instituições jurídicas capazes de conferir a normalidade, uniformidade e regularidade requerida pelos agentes que atuam no mercado.

Por isso, é possível definir custos de transação, de modo geral, como os custos associados à criação, à manutenção ou à modificação de instituições, porquanto há relações subsistentes entre estrutura institucional, mudança institucional e performance econômica, pois a Constituição, leis, jurisprudência e regulamentos administrativos servem como base para as relações econômicas.

O quadro a seguir permite sintetizar as principais expectativas do neo-institucionalismo em relação ao direito:


A VISÃO DO DIREITO PELAS TEORIAS ECONÔMICAS DOMINANTES

(o neo-institucionalismo)

Proteção efetiva do direito de propriedade

Redução dos custos de transação

Descongestionamentos dos tribunais

Reforma judicial: a valorização dos precedentes

Reforma jurídica: eliminação do “ativismo constitucional”

Fortalecimento do sistema penal

Proteção dos “direitos de liberdade”

Fonte: Douglas North / Guido Calabresi

Por conseguinte, com relação ao aspecto econômico, a norma jurídica deve permitir ao agente econômico a possibilidade de calcular, com algum grau de previsibilidade, as conseqüências de suas ações.

Daí porque a análise neoinstitucional ressaltar a importância da segurança jurídica para o incremento da eficiência econômica, porquanto o direito, ao disciplinar as relações de intercâmbio (troca de direitos de propriedade), permite estabilizar as expectativas dos agentes econômicos por meio de controle dos fatores de risco que poderão impedir sua realização nos moldes conforme delineado no contrato e, conjuntamente, elaborar mecanismos de ajustamento em caso de inadimplemento.

Por isso, na visão neo-institucional, a segurança jurídica relaciona-se com a confiança que deve ter o indivíduo em que seus atos, quando alicerçados na norma vigente, produzirão os efeitos jurídicos nela previstos.


Tal raciocínio importa, pois, a ligação direta da segurança jurídica com a racionalidade econômica, porquanto aquela tem que ver diretamente com a programação das expectativas dos agentes econômicos em relação às implicações futuras de sua atuação jurídica, aumentando a racionalidade econômica na medida em que: i) reduz custos de transação; ii) diminui os riscos de investimentos em ativos específicos; iii) estabiliza as regras do jogo; e iv) fomenta maior competitividade econômica.

Consiste, por conseguinte, a segurança jurídica em forte mecanismo de reação às incertezas. Uma vez que uma das funções da norma é diminuir os riscos presentes na transação: ela, segurança jurídica, estimularia a eficiência econômica na medida em que reduziria os custos de transação.

A tese dos riscos à economia causados pelos tribunais

Em meio ao debate sobre segurança jurídica e crescimento econômico refulgem as teses defendidas por Armando Castelar Pinheiro[1]: o Autor, em uma série de artigos, vem apontando as incertezas produzidas pela função jurisdicional no ambiente econômico, assim como descrevendo a importância da Segurança Jurídica no fomento de investimentos e eficiência econômica.

Utiliza elementos metodológicos da escola Neo-Institucional na defesa de seus argumentos, os quais consideram as Instituições como fator importante na performance da atividade econômica e na determinação da estrutura econômica. Por isso, ao descrever as relações subsistentes entre estrutura institucional, mudança institucional e performance econômica, Castelar, consegue identificar, de um lado, as principais reações dos os atores econômicos às incertezas jurídicas, que seriam consubstanciadas nas seguintes condutas:

i) Deixar de realizar transações que envolvam Alto Risco;

ii) Organizar-se de modo ineficiente para realizar transações que envolvam riscos, o que acaba reduzindo a margem de lucro;

iii) Compensar a baixa segurança jurídica por meio do uso intensivo de instituições disponíveis;

iv) Utilizar os recursos e tecnologias disponíveis de modo ineficiente, em função das estruturas fomentadas para diminuir a exposição aos custos e riscos altos.

De outro lado, aponta, baseado nas mesmas premissas neoinstitucionais, quais seriam as principais formas de garantir Segurança Jurídica, que são as seguintes:

i) Aplicação fiel e imparcial da Lei;

ii) Construção clara e objetiva da norma;

iii) Uniformidade Interpretativa;

iv) Controle do Arbítrio Estatal.

Assim, na perspectiva neo-institucional, a principal função do Sistema Jurídico seria incrementar a racionalidade econômica, uma vez que a falta de Segurança Jurídica eleva o grau de incerteza do ambiente econômico e, conseqüentemente, à redução dos investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento e à utilização ineficiente da tecnologia disponível.

Documentos econômicos de fundo neoinstitucional norteadores das reformas do Poder Judiciário brasileiro

A análise de tais documentos importa à pesquisa jurídica na medida em que constituem interessante estudo de caso da interação entre direito e economia.

O primeiro deles, trata-se da Nota Técnica 35 do Banco Central do Brasil, que foi elaborada dentro de um contexto de estudos realizados com escopo de apontar medidas de longo prazo com escopo de reduzir os custos de empréstimos bancários e reforçar uma cultura de crédito no país.

O segundo documento, Crescimento de Longo Prazo e Políticas Públicas Microeconômicas, tece considerações com vistas a fomentar um bom sistema de registro de propriedade, assim como um eficiente mecanismo de resolução de conflitos como condições necessárias ao bom funcionamento de uma economia de mercado. Bom funcionamento que seria alcançado por meio do incremento nos mecanismos de acesso aos tribunais e pela criação de mecanismos que objetivassem a redução do alto custo de manutenção dos tribunais e redução da morosidade de seu funcionamento.

Estudos que podem ser considerados complementares e que se alinham indubitavelmente à linha neoinstitucional. É o que procuro demonstrar a seguir:


Nota Técnica do Banco Central do Brasil, número 35, de 05/2003[2].

Estipulando terminologicamente Mercado de Crédito como denominação dada ao espaço onde agentes econômicos transacionam direitos creditícios, a Nota Técnica Bacen 35, de maio de 2003, busca apontar e analisar os efeitos das disfuncionalidades do sistema judicial sobre o mercado de crédito no Brasil.

Visa, pois, mostrar a interconexão dum judiciário eficiente — entendida a eficiência como o asseguramento ao respeito aos contratos celebrados no mercado de créditos — com a capacidade de fomentar a oferta de recursos disponibilizados e diminuir o custo das operações de empréstimos bancários.

Um dos aspectos fortes da pesquisa consubstanciada na Nota Técnica 35 é identificar o papel das garantias bancárias no mercado de crédito e o elevado custo do crédito no Brasil como um dos principais efeitos da inadimplência.

Verifica, também, como a morosidade do sistema judicial, principalmente em razão do elevado custo para recuperação dos empréstimos inadimplidos, pode ter nefastos efeitos sobre o mercado de crédito brasileiro.

Daí, a proposição de medidas pelo Banco Central orientadas à mitigação dos riscos jurídicos envolvidos na concessão de empréstimos no Brasil como meio apto a redução dos spreads bancários — que vem a ser a diferença entre a taxa de aplicação e a taxa de captação dos bancos.

Assim, deflui-se da leitura do texto da Nota Técnica que o crédito não depende apenas de decisões da autoridade monetária, porquanto envolve também medidas de natureza fiscal, institucional e jurídica. Depende, outrossim, do grau de expectativa dos agentes econômicos quanto à manutenção do quadro de estabilidade econômica e institucional.

Riscos jurídicos que tem que ver, principalmente, com a taxa de inadimplência. Aliás, estudos econométricos realizados pelo Bacen apontam que a inadimplência bancária é, isoladamente considerada, responsável por nada menos que 17% do spread bancário, o que significa dizer que – se a taxa de default fosse reduzida a zero ou se o sistema judicial assegurasse a certeza na recuperação dos empréstimos concedidos ou mesmo renegociação dos mesmos o spread bancário poderia ser reduzido cerca de sete pontos percentuais.

Deduções de pesquisa realizada entre instituições financeiras confirma que o risco mais grave na concessão de crédito não está a associado à existência ou não de garantias, mas sim, pelo menos nos empréstimos à empresas, na qualidade e facilidade de realização da cobrança.

Além do mais, os riscos judiciais devem-se muito à morosidade do judiciário brasileiro, a qual vem prejudicando o recebimento de valores contratados, retraindo atividades de crédito e provocando o incremento dos custos de financiamento.

Mazelas que se apresentam, pois, de duas maneiras:

i) A insegurança jurídica aumenta as despesas administrativas das instituições financeiras, aumentando especialmente as áreas de avaliação de riscos e jurídica;

ii) Reduz a certeza de pagamento do empréstimo mesmo em situações de contratação de garantias, o que pressiona o risco embutido no spread.

O quadro abaixo revela que, de acordo com informações prestadas por instituições financeiras, a recuperação judicial com êxito requer em média cerca de vinte meses no caso de garantia fiduciária e até trinta e sete meses nos casos de garantia fidejussória.

PRAZO PARA RECUPERAÇÃO POR TIPO DE GARANTIA

PRAZO

HIPOTECA

AVAL E FIANÇA

GARANTIA FIDUCIÁRIA

OUTRAS FORMAS DE GARANTIA

EM MESES

24

37

20

31

Há de ressaltar, também, como importante item a aumentar a taxa de spread no mercado de crédito, a questão de despesas incorridas na etapa judicial; cálculo que deve considerar não apenas estimativas para as despesas processuais diretas — tais como custas, advogados, oficial de justiça e perícia, cartórios, dentre outros – mas, também, a taxa de redesconto intertemporal aplicada sobre o capital, a qual vem sendo arbitrada em 20% a.a..


FASES DO PROCESSO

R$ 500

R$ 1.000

R$ 5.000

R$ 50.000

Cobrança Extrajudicial Simples até um ano

R$ 284

56%

R$ 680

66,8%

R$ 4003

80,1%

R$ 41.498

83%

Fase de Conhecimento Judicial – até três anos

R$ 14

2,8%


R$ 221

22,1%

R$ 1.982

39,6%

R$ 21.878

43,8%

Fase de Execução Judicial – até cinco anos

0

R$ 33

3,3%

R$ 1.011

20,2%

R$ 12.054

24,1%

Guiando-se pelos dados do quadro apresentado, os técnicos do Bacen deduzem que a alternativa de apelação aos tribunais, como via para recuperação do crédito concedido, acaba por funcionar como obstáculo impediente à constituição de ambiente altamente estimulador à sua concessão pelos agentes financeiros.

Concluem, por conseguinte, que a insegurança jurídica dos contratos, bem como o ineficiente e moroso funcionamento dos tribunais brasileiro afeta o bom tomador de crédito, que é levado a arcar com extraordinário custo de transação, independentemente de seu histórico de crédito e de sua capacidade de pagamento: na prática o custo adicional da inadimplência é repartido com toda a sociedade por meio do aumento do spread e do encolhimento da oferta de crédito.

Em meio a isso, o Banco Central vem, há algum tempo, propugnando pela adoção de medidas com vistas à retomada da cultura de crédito no Brasil e à redução dos riscos de crédito, assim como eliminação de ocorrências de fricções na intermediação financeira. Dentre estas medidas, estaria a minimização dos riscos jurídicos por meio da ampliação da segurança jurídica dos contratos seria fundamental. Desta forma, as leis que regem os contratos de crédito devem ser claras e objetivas e sua cobrança ou renegociação judicial deve ser ágil e eficiente, permitindo que os credores mitiguem as perdas associadas à insolvência. Logo, um sistema judicial ineficaz ou pró-devedor estimula a inadimplência e inibe a atividade creditícia, induzindo as instituições financeiras a maior rigor na seleção de seus clientes e pressionando o prêmio de risco exigido do conjunto de tomadores.

Estudo da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda: Crescimento de longo prazo e políticas públicas microeconômicas (MICROECONOMIC REFORMS AND LONG-TERM GROWTH)[3],,2004.

O estudo elaborado pelo Ministério da Fazenda traça o seguinte diagnóstico do Poder Judiciário: lento, dispendioso e aberto a possibilidades procrastinatórias pelas partes. Diagnóstico que permite, com base nos pressupostos neoinstitucionais, concluir que tal estrutura judicial aumenta os custos de transação econômica.

O desenho institucional do judiciário brasileiro, segundo o estudo, influencia negativamente os custos de transção, uma vez que ele, custo, é suportado pelos agentes econômicos (companhias e consumidores): o que leva à utilização ineficiente dos fatores de produção pelas empresas e contribui para a baixa oferta de empregos, bem como induz as empresas a despenderem vultosas somas com departamentos jurídicos frente à necessidade de eliminar os riscos provocados pela incerteza jurídica.

These amounts were calculated based upon estimations of direct judicial expenses (costs, attorneys, bailiffs, experts, inter alia) and taking into account an opportunity cost of capital of 20% per annum (that is, to what extent the creditor party failed to gain due to the impossibility of freely investing the amount under litigation).

Além disso, tais custos têm outras implicações, podem, a partir da análise do ambiente institucional em que se encontram inseridos, procurar agir oportunamente na busca da maximização de seu bem estar: i) seja procurando meios que reforçam suas capacidades de produção deste mesmo bem-estar; e ii) seja descobrindo comportamentos que aumentem as possibilidades de maximização do bem-estar a partir dos gargalos jurídicos encontrados no ambiente institucional, isto é, que possibilitem tirar proveito das próprias falhas institucionais e e incertezas jurídicas.

Aliás, nesse sentido, o documento do Ministério da Fazenda faz expressa referência aos estudos de Armando Castelar Pinheiro:

As pointed out by Pinheiro (2000), the business community perceives the inefficiency of the courts as more of a problem for the entire economy than for their own firms in particular, and it is not a major factor in their corporate decisions. Discussions with focus groups have shown that companies construe their legal departments or the assistance they receive from trade associations as components of their operational structure, even as competitiveness factors, that is, those who can take the best advantage of the courts’ inefficiencies, in particular their delays, are better off than their competitors. Among the main areas in which companies recognise the use of legal loopholes to turn court delays to their own advantage, are tax-related suits (between 82% and 91%, depending on the level of the Government), credit (77.4%) and commerce (75.3%). The causes of the delays were attributed to the passive attitude of the courts, the lack of procedural equipment to allow for swifter proceedings and the case overloads. The negative impact on employment, (50.4% failed to hire due to Labour Courts), on specialisation (32.4% recognise they failed to outsource) and on business with public administration (48.2% avoid doing business with the public sector), are most visible outcomes.

Com base em tal diagnóstico, o documento constata a magnitude dos desafios colocados à decisão política de se implementar reformas, sejam constitucionais e infra-constitucionais, do Poder Judiciário, bem como a necessidade premente de implementá-la.

Documentos jurídicos que permitem identificar a recepção dos conceitos econômicos neoinstitucionais nas reformas constitucionais e infraconstitucionais do Poder Judiciário

Os presidentes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário celebraram, em 15 de dezembro de 2004, um Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano. Analisando o documento que instrumento o Pacto vê-se a preocupação dos Poderes da República com o funcionamento dos Tribunais; daí o compromisso dos três dirigentes dos Poderes de Estado de implementarem uma justiça mais acessível e eficiente.

No pacto firmado entre os Poderes é possível, senão ver, ao menos entrever a influência dos documentos econômicos de conteúdo neoinstitucional — produzidos pelo Bacen e Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda — nas suas diretrizes.

Comprovam a hipótese, as afirmações concernentes às razões da premência da reforma do judiciário, que podem ser encontradas no documento intitulado Judiciário e Economia, produzido pela Secretária de Reforma do Judiciário/Ministério da Justiça: Sua aprovação, no Congresso Nacional, certamente aprimorará o ambiente de negócios no Brasil, e permitirá maior segurança nas relações financeiras, econômicas e comerciais, diante da agilidade do Poder Judiciário em solucionar litígios e recuperar os créditos oferecidos.

Com maiores detalhes, elenco, abaixo, referido documento, bem como alguns trechos importantes da Revista Reforma do Judiciário – Perspectivas e da Revista Reforma Infra-constitucional do Judiciário, publicações da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça.

Revista Reforma do Judiciário (perspectivas). Publicação da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça. Marco/2005

A revista em epígrafe vem comemorar a promulgação da Emenda Constitucional 45, que ocorreu no final do ano de 2004. A reforma do judiciário, que se procrastinava há mais de dez anos, representou, uma vez aprovada, uma profunda alteração na estrutura da Justiça brasileira com vistas a melhorar a qualidade dos serviços jurisdicionais prestados no país.

Vaticinava, então, em seu editorial, que a aprovação da Reforma Constitucional do Judiciário representava o início de um processo de mudanças, o qual compreenderia, ainda, alteração da legislação processual e a adoção de medidas administrativas, de modo a tornar mais racional e eficiente a gestão administrativa do sistema judicial.

Sobre o pacto firmado entre os três Poderes da República para o reforma do judiciário, afirma:

O pacto expressa, entre outras constatações em comum, que as atuais dificuldades da Justiça, em especial a morosidade e a inacessibilidade, não são problemas apenas do Poder Judiciário, mas do País. Um sistema judicial eficiente, justo e prestativo é imprescindível para a consolidação da democracia, da dignidade humana e até para o desenvolvimento econômico.

Do texto, verifica-se que o pacto, ao qual o Executivo, o Legislativo e o Judiciário comprometem-se com as mudanças necessárias ao aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, apesar de ter evidentes preocupações com um serviço justo e prestativo, em nenhum momento deixa no oblívio as questões atinentes à dinâmica econômica.

Documento Judiciário e Economia. Secretaria de Reforma do Judiciário/Ministério da Justiça

Talvez seja este o principal documento a confirmar a hipótese da influência dos pressupostos da teoria econômica neoinstitucional nas decisões administrativas, que formularam, e decisões políticas, que implementaram, as reformas constitucionais e infra-constitucionais do judiciário.

Nele, documento, encontra-se claramente expresso a concepção de que tribunais morosos acarretam efeitos danosos para a economia nacional, porquanto implicam na diminuição de investimentos, na restrição ao crédito ou no aumento de custos deste crédito.

Nesse sentido, lança mão dos estudos apresentados no documento analisado supra: Reformas Microeconômicas e crescimento de longo prazo, produzido pela Secretaria de Política Econômica, do Ministério da Fazenda, o qual ressalta a importância da Reforma do Judiciário para o fortalecimento das relações econômicas, comerciais e financeiras no país.

Utiliza, outrossim, dos dados coletados pelos pesquisadores do Bacen — Fachada, Figueiredo & Lundberg —, consolidados na Nota Técnica 35, de 2003, que apresenta estimativas de custo para a recuperação de contratos hipotéticos de crédito em função da morosidade e complexidade do processo judicial. Estudo, este, comentado acima.

Com base nesses trabalhos, fica consignado que quem tem um direito a ser ressarcido, só é economicamente viável levá-lo até seu termo caso seja uma causa de alto valor ou se disponha de estrutura jurídica permanente, como no caso das empresas de grande porte. Já do lado da parte ré, é economicamente vantajoso estender o pleito até seu último recurso, pois o valor da sentença não sofre atualização na mesma proporção que o rendimento oferecido por ativos financeiros.

Diante disso, vaticina que se deve tornar os tribunais mais céleres e eficientes, razão que teria levado os consignatários do “Pacto por um Judiciário mais Rápido e Republicano” a encaminharem 26 projetos de lei ao Congresso Nacional visando racionalizar a reforma do processo civil, penal e trabalhista.

Destaco, desses projetos, alguns que se coadunam com a perspectiva de análise neoinsitucional:

PROPOSTAS PARA ELIMINAR CUSTOS E MOROSIDADE JUDICIAIS

EXECUÇÃO

CIVIL

Junção do processo de conhecimento com o processo de execução, o que dispensa a citação do devedor no início do processo de execução, já que ele já foi avisado do início do processo de conhecimento. A unificação dos processos permite uma única citação, o que agilizará a tramitação dos autos. Exigência de pagamento da dívida do devedor já no início do processo de execução. O devedor não poderá mais oferecer bens à penhora, o que evita as discussões sobre a idoneidade dos bens para satisfazer as dívidas. Caso o devedor não pague, a divida será acrescida de 10%.

Possibilidade de o credor adjudicar (transferir para seu patrimônio) os bens do devedor necessários para a satisfação do débito, ao invés de aguardar a liquidação dos bens em leilão. O leilão é um ato complexo, que retarda o processo. Assim, a possibilidade de adjudicação confere maior eficácia à solução do conflito

MATÉRIAS

REPETITIVAS

problema da multiplicação de causas idênticas pode ser solucionado, em parte pela aprovação do PL 4728/04 (Senado Federal), que permite ao juiz, quando já decidiu causa idêntica em outros casos e indeferiu os pedidos, julgue de pronto a causa, sem notificar o réu. Este projeto evita a citação do réu em causas nas quais ele vencerá, o que economiza tempo com sua eventual contestação e dinheiro com eventual contratação de advogado

SÚMULAS

IMPEDITIVAS

DE RECURSOS

O PLC 90/05 (aprovado na Câmara em tramitação no Senado) visa reduzir a litigiosidade nos tribunais. Propõe o impedimento dos recursos quando a sentença do juiz de primeiro grau estiver de acordo com súmula ou entendimento dominante no STF ou nos tribunais superiores. Sua aprovação, certamente implicará na redução das taxas de recorribilidade apontadas.

FIM DO EFEITO SUSPENSIVO DA APELAÇÃO

O PLC 136/04 (Senado Federal) acaba com o efeito suspensivo da apelação. Desta forma, o recurso de apelação não impede a execução provisória da sentença em primeiro grau, exceto nos casos em que esta execução possa implicar em danos irreparáveis à parte vencida. Desta maneira, fica reforçada a decisão em primeira instância e ficam inibidos recursos meramente protelatórios, que serão ineficazes dado que a apelação não mais suspende a satisfação da divida.

DIVÓRCIO E PARTILHA CONSENSUAL

O PL 4725/04 permite que o divórcio, a separação, o inventário e a partilha, quando envolvam maiores, capazes e sejam consensuais (sem litígio) seja feito em cartório extrajudicial, ou seja, que não seja mais um procedimento com participação do juiz. A retirada destes procedimentos, que não exigem controle judicial, do Poder Judiciário, é importante para reduzir o volume de processos e para desonerar as partes, que poderão efetivar tais atos em cartório, de maneira simples e célere.

Revista Reforma Infraconstitucional do Judiciário. Secretaria de Reforma do Judiciário/Ministério da Justiça

Ao prefaciar referida publicação do Ministério da Justiça, o Sub-Chefe Jurídico da Casa Civil da Presidência da República, Sérgio Renaut, expressa-se no sentido de que a Reforma Constitucional do Judiciário, aprovada em 2004, por meio da Emenda Constitucional 45, somente se consolidará com a estruturação do ordenamento infraconstitucional: o qual conferiria, efetivamente, os instrumentos capazes de efetivar a celeridade das decisões judiciais.

Por sua vez, na apresentação da revista, o então secretário de Reforma do Judiciário, Pierpaolo Cruz Bottini, comenta que, em função dos impactos na vida cotidiana provocados pela crise da morosidade Poder Judiciário e acessibilidade à Justiça, vê-se aumentar o interesse de toda a sociedade sobre o funcionamento do sistema judicial. Neste particular, ressalta especificamente os economistas, cujas reflexões sobre o custo e o risco de uma justiça ineficiente para a atividade econômica devem levados em consideração.

Por fim, seguindo linha análoga de análise, demonstrando consenso entre os principais atores administrativos da reforma do Poder Judiciário, a Introdução e o Desenvolvimento da revista apresentam o conjunto de Leis e Projetos de Lei que densificariam os princípios que a nortearam.

Dentre as leis, destacam-se as seguintes:

REFORMA INFRACONSTITUCIONAL DO JUDICIÁRIO

Leis 11.232/05

e 11.382/06

Reformularam o procedimento para execução de títulos judiciais e extrajudiciais

Lei 11.187/05

Visa a evitar o uso protelatório de Agravos

Lei 11.280/06

Cria regras específicas para acelerar o julgamento de litígios

Lei 11.276/06

Estabelece a Súmula Impeditiva de Recursos

Lei 11.277/06

Racionaliza o julgamento de Ações Repetitivas

Lei 11.441/07

Permite que os procedimentos para efetivação de inventário, partilha e divórcio sejam realizados diretamente nos cartórios de registro civil

Lei 11.419/06

Regulamenta a criação do Processo Eletrônico

Lei 11.418/06

Regulamentou o Procedimento para Apreciação da Repercussão Geral do Recurso Extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal

Considerações finais: há limites à internalização da racionalidade econômica no funcionamento dos tribunais?

Acredito que a perspectiva de análise levada a cabo pela racionalidade exclusivamente econômica não é a melhor do ponto de vista dos valores fundantes da vida social. Por isso, a estrutura legal deve, também, ao lado dos motivos racionais, incentivar comportamentos baseados em outros princípios não-racionais, como os que lastreiam os mecanismos de distribuição de renda ou a redução das desigualdades sociais.

Tal tese, qual seja, de que também é preciso fomentar comportamentos baseados em outros princípios não-racionais, é refutada pela argumentação neoclássica por considerar qualquer equilíbrio que se dê aquém do Ótimo de Pareto como ineficiente. Isto porque, independente de sua forma de distribuição, gera menos recursos que serão colocados à disposição da sociedade: por conseguinte, o desrespeito à racionalidade econômica prejudica a consecução de qualquer outro objetivo.

É preciso dizer também que, em função de categorias próprias do raciocínio jurídico, há situações que o julgador está diante de conjunto não-unitário de decisões igualmente válidas para o caso e, mesmo assim, todas elas guardam correspondência com o direito vigente. Em tais casos, mesmo que a resposta dada pela função jurisdicional frustre as expectativas dos agentes econômicos, estar-se-á diante do que se denomina por incerteza estrutural própria do sistema jurídico, porquanto trata-se de tipo de incerteza inerente ao seu funcionamento normal, a qual deve ser contraposta a incerteza de tipo patológico, que deve ser combatida.

Outrossim, a de se agregar ao debate a consciência de que se as premissas de decisões oferecidas pelo Sistema Político e Econômico, sob a forma de Leis, Códigos e Normas não se apresentam de forma clara, precisas e coerentes, dos Tribunais não se pode exigir oferta de “Segurança Jurídica” e “Estabilização Generalizada de Expectativas” nos moldes como exigida pela racionalidade econômica, uma vez que se encontram impedidos de concedê-los por problemas alheios à sua alçada, já que deveriam ser, antecipadamente, resolvidos pelos demais sistemas sociais.

Portanto, expressões como “segurança jurídica” e “previsibilidade” devem ser trazidas ao debate com a preocupação de trazer elementos que considerem os componentes complexos que tratam da relação entre previsibilidade e funcionamento da atividade jurisdicional a fim de entender o impacto de decisões judiciais na elaboração, formulação e implementação de políticas públicas.

A ortodoxia convenciona, desde o plano Baker de 1985, tem utilizado o argumento da inadequação das instituições ou da ausência de reformas como razões para as altas taxas de juros e os baixos índices de crescimento econômico nos países. Logo, não faz sentido explicar com argumentos de longo prazo um problema de curto prazo. Distinção que deixou de ser feita pela ortodoxia convencional que considera a falta de reformas o problema central do Brasil e dos países em desenvolvimento.

Com isso, deixa de distinguir um problema que é de solução ao médio/longo prazo, que o da reforma das instituições, porquanto são políticas que são desenhadas gradualmente e demoram para produzir efeitos. com problemas que devem ser solucionados no curto prazo, como são os desequilíbrios macroeconômicos.

As reformas institucionais apresentam, portanto, lógica temporal própria distinta das políticas de ajuste macroeconômicos. Por isso, não faz sentido afirmar que tais reformas não vêm sendo realizadas, pois foram e continuam sendo realizadas na medida que são, e isso as caracterizam, incompletas; é a incompletude das reformas que não pode servir de argumento para explicar a instabilidade microeconômica vigente no país

Por fim, fica patente a necessidade de se fomentar formas de interação entre as pesquisas em direito e economia a fim permitir a compreensão adequada do papel dos tribunais na atualidade e a superação do antagonismo latente entre juízes que desconsideram as conseqüências macroeconômicas de suas decisões e economistas que desconhecem os micro-fundamentos jurídicos que alicerçam suas estratégias de desenvolvimento econômico.


[1] PINHEIRO, A. C. (2006)

[2] FACHADA, P.; FIGUEIREDO, L. F.; & LUNDBERG, E.

[3] No site do Ministério da Fazenda a versão encontra-se disponibiliza em língua inglesa.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!