Sem entraves

Qualquer funcionário pode receber citação postal, decide STJ

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7 de dezembro de 2007, 23h01

Não é imprescindível que um representante legal da empresa receba citação postal, em execução fiscal, para que ela tenha validade. Qualquer funcionário pode recebê-la. Esse entendimento acaba de ser consolidado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que analisou Embargos de Divergência proposto pela Fazenda Nacional. E está incomodando as empresas.

Os advogados temem que a intimação seja entregue a um funcionário que não tenha a menor idéia do que isso pode representar para a sua empresa e ter como conseqüência a perda de prazos. Nesses casos, eles entendem que a citação não pode ser considerada válida.

“Não é possível que as empresas sérias paguem pelos vícios de poucos que merecem ser severamente reprimidos”, contesta o tributarista Igor Mauler, do Sacha Calmon Consultores e Advogados. Segundo ele, é compreensível a preocupação do STJ para evitar que algumas empresas se escondam e frustrem a notificação por longos períodos. No entanto, elas não podem servir como parâmetro para a regra.

Mauler conta que, para afastar esse risco, o Código de Processo Civil já trouxe um “mecanismo contra a ineficiência ou a má-fé”. Quando a tentativa feita por via postal ou através do oficial de Justiça não surtirem efeito, o juiz pode determinar a publicação de edital e fazer com que seja afixado nas paredes do Fórum e depois em jornais. Transcorrido o prazo, a empresa já pode ser considerada intimada. “Esses dispositivo deveria ser mais aplicado”, diz ele. Para o advogado, “a decisão da Corte Especial do STJ representa má aplicação da lei”.

A advogada Juliana Rossi Prado, do Leite, Tosto e Barros Advogados Associados, também chama a atenção para o perigo que as empresas correm quando até os porteiros podem receber uma citação e ela é considerada válida. O problema é que esse documento pode se perder pelo caminho e não chegar à diretoria e nem ao departamento jurídico para que as devidas providências sejam tomadas.

“Mas esse não é um bicho de sete cabeças”, diz Juliana. Para prevenir esses deslizes, todos os funcionários podem receber uma orientação sobre como proceder nesses casos.

Orival Grhal, consultor jurídico do Banco do Brasil, entende que “a construção da jurisprudência do STJ é muito inteligente”. Ele diz que não importa quem recebeu a citação, “o pressuposto lógico é o de que os responsáveis foram informados”.

O argumento de que o porteiro pode não saber o que fazer com o documento, “é uma evasiva”, na opinião de Grhal. O advogado observa que a empresa é responsável pelas pessoas que contrata, inclusive pelo porteiro, que tem entre suas funções dar a destinação correta para as correspondências e documentos que recebe. Segundo Grhal, é justamente contra esse tipo de argumento que foi consolidado o entendimento na Corte.

“No Banco do Brasil, não é o presidente ou os diretores que recebem as intimações. E não é por isso que vamos dizer que não recebemos”, diz.

A divergência

O Serviço Social da Indústria (Sesi) pediu o reconhecimento da nulidade da intimação. O juiz de primeira instância rejeitou o pedido. Já a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região concluiu pela nulidade da citação. A 2ª Turma do STJ manteve o acórdão. Os ministros ressaltaram que na decisão não havia elementos que demonstrassem que o Sesi, de fato, recebeu a citação. “Não sendo identificada a pessoa que recebeu a citação postal, é escorreita a conclusão de que a citação é inválida.”

A Fazenda Nacional insistiu e apontou acórdãos do STJ apontados como paradigmas que afirmam a viabilidade da citação por via postal “implementada no endereço onde se encontra o estabelecimento do réu, sendo desnecessário que a carta citatória seja recebida e o aviso de recebimento assinado por representante legal da empresa”.

Na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, a Fazenda Nacional teve sucesso. “Na linha do entendimento desta Corte não são necessários poderes de representação da pessoa jurídica para recebimento da citação postal”, concluíram.

Leia a ementa da decisão, o relatório e o voto do relator

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 249.771 – SC (2006⁄0243326-0)

RELATOR : MINISTRO FERNANDO GONÇALVES

EMBARGANTE : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : CLÁUDIA APARECIDA DE SOUZA TRINDADE E OUTRO(S)

EMBARGADO : SERVIÇO SOCIAL DA INDÚSTRIA SESI

ADVOGADO : CARLOS JOSÉ KURTZ E OUTRO(S)

EMENTA

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. VIA POSTAL. RECEBIMENTO. REPRESENTANTE LEGAL. DESNECESSIDADE.

1 – O acórdão impugnado afirma a nulidade da citação por falta de indicação dos elementos demonstrativos de que a pessoa recebedora era representante legal da empresa ou tivesse agido como tal.


2 – Os arestos apresentados como divergentes, malgrado a ausência da Fazenda Pública, fixam a desnecessidade de o funcionário da pessoa jurídica ter poderes para representá-la.

3 – Na linha do entendimento desta Corte não são necessários poderes de representação da pessoa jurídica para recebimento da citação postal.

4 – Embargos de divergência acolhidos.

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 249.771 – SC (2006⁄0243326-0)

RELATÓRIO

EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES:

A espécie versa acerca de embargos de divergência opostos pela FAZENDA NACIONAL contra acórdão da colenda Segunda Turma deste Superior Tribunal de Justiça, onde firmado o entendimento de ser nula a citação via postal de pessoa jurídica quando não entregue ao representante legal ou pessoa que age como tal.

O acórdão embargado, integrado por aquele relativo aos declaratórios de fls. 110⁄112, estaria em divergência com julgado da Terceira Turma (AgRg no Ag 711.722⁄PE, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS) e da Quarta Turma (AgRg no Ag 608.317⁄SP, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI).

Admitidos os embargos (fls. 140), houve impugnação (fls. 150-154).

É o relatório.

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 249.771 – SC (2006⁄0243326-0)

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES (RELATOR):

Citado por via postal, em execução fiscal movida pela Fazenda Nacional, pelo Serviço Social da Indústria – SESI – foi requerida a nulidade do ato de chamamento, providência rejeitada em primeiro grau, sendo, no entanto, provido o agravo de instrumento interposto, consoante acórdão da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (fls. 34⁄38).

Nesta instância a colenda Segunda Turma, confirmando o julgado de origem, no essencial, expõe:

“… em nenhum momento foram indicados, no acórdão recorrido, elementos que demonstrassem que a pessoa que recebeu a citação era representante da pessoa jurídica ou que ela tivesse concretamente agido como tal. Desse modo, não há como conferir aplicação, na espécie, ao entendimento deste Tribunal, sobretudo pela impossibilidade de proceder, nesta via recursal, ao reexame do contexto fático-probatório em que se desenvolveu a controvérsia (Súmula n. 7⁄STJ). Ressalto ainda que, não sendo identificada a pessoa que recebeu a citação postal, é escorreita a conclusão de que a citação é inválida. Com efeito, sendo a citação ato de importância fundamental, que instaura a relação jurídico-litigiosa entre as partes, sobre sua efetividade não devem pairar dúvidas, para que não ocorra violação do direito de defesa do réu.” (fls. 98)

Há, no ponto, divergência com o entendimento esposado pelos acórdãos apontados como paradigmas, quando afirmam a viabilidade da citação por via postal “implementada no endereço onde se encontra o estabelecimento do réu, sendo desnecessário que a carta citatória seja recebida e o aviso de recebimento assinado por representante legal da empresa.” (fls. 126)

É bem verdade que nos dois acórdãos apontados como divergentes não está presente a Fazenda Pública, autora do pedido de citação via postal, mas sim entidades de caráter privado – PETROBRÁS e CELPE – cujo processo de execução disciplina-se pelo Código de Processo Civil, no tocante ao chamamento (parágrafo único do art. 223), e não pela Lei 6.830, de 1980 (art. 8º, I).

No entretanto, os dados do problema não se alteram porque, como já demonstrado, o acórdão recorrido se prende apenas à falta de indicação dos elementos demonstrativos de que a pessoa recebedora da citação “era representante da pessoa jurídica ou que ela tivesse concretamente agido como tal”. O detalhe é desprezado pelos julgados divergentes que fixam a desnecessidade de o funcionário da pessoa jurídica ter “poderes para representá-la” (AgRg no AG 711.722⁄PE – Rel. o Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS).

Neste contexto, decorre que tanto na execução fiscal, como na execução comum, os poderes de representação da pessoa jurídica para recebimento da citação postal não são necessários, diferente e divergentemente da exigência contida no acórdão embargado.

Os precedentes, todos posteriores à redação dada ao parágrafo único do art. 223 do CPC pela Lei 8.710, de 1993, indicam no sentido do aperfeiçoamento da citação nestas condições, como se pode verificar, verbis:

“PROCESSUAL CIVIL. CITAÇÃO POSTAL. PESSOA JURÍDICA. CABIMENTO. REVELIA. EFEITOS. OMISSÃO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. SÚMULA 211⁄STJ.

1. Na linha do entendimento das Turmas integrantes da Segunda Seção do STJ é válida a citação de pessoa jurídica por via postal, quando implementada no endereço onde se encontra o estabelecimento do réu, sendo desnecessário que a carta citatória seja recebida e o aviso de recebimento assinado por representante legal da empresa.


2. Permanecendo o acórdão recorrido omisso quanto à matéria que lhe foi devolvida em apelação, persistindo a mácula a despeito de apresentação de embargos declaratórios, deve o especial ser interposto com arrimo no art. 535 do CPC, fato que, não verificado, impede seu conhecimento. Súmula 211⁄STJ.

3. Recurso especial não conhecido.” (REsp 582.005⁄BA, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, DJ 05.04.2004, Quarta Turma)

“RECURSO ESPECIAL. CITAÇÃO DE PESSOA JURÍDICA PELO CORREIO, CPC, ART. 223, PARÁGRAFO ÚNICO. EMPREGADO DO RÉU. VALIDADE. FUNDAMENTAÇÃO DISSONANTE COM A CAUSA DEDUZIDA EM JUÍZO. NULIDADE.

1. Esta Corte firmou entendimento de ser válida a citação de pessoa jurídica, pela via postal, quando recebido o aviso registrado por simples empregado da empresa, presumidamente autorizado para tanto.

2. Constatando-se disparidade entre o pedido da inicial narrado no relatório e as questões fáticas sobre as quais se deu a fundamentação do magistrado, exsurgindo-se que o juiz decidiu causa que não a afetada ao seu conhecimento, nula é a sentença.

3. Recurso Especial conhecido e provido neste ponto.” (REsp 259.283⁄MG, Rel. Ministro EDSON VIDIGAL, DJ 11.09.2000, Quinta Turma)

“PROCESSUAL CIVIL. CITAÇÃO PELO CORREIO. ART. 223, PAR. ÚNICO, CPC. ENTREGA EFETUADA NA SUCURSAL DA SEGURADORA.

Só e só porque a carta citatória foi entregue na sucursal da ré e a pessoa que, pelos estatutos, não a representa em juízo, não se pode ter por inexistente ou nula a sua citação.

Da alta credibilidade reconhecida à empresa estatal que presta o serviço de correio e do estimulante exemplo recolhido da Justiça do Trabalho, desde que a entrega seja efetuada nas condições acima, milita a presunção de que foi atendida a regra do par. único do art. 223 do CPC, sendo do destinatário o encargo de ilidi-la.

Essa é a interpretação que mais se compadece com o sistema atual na sua pretensão de dar mais praticidade às comunicações dos atos judiciais pois as normas processuais não devem ser interpretadas com exaltações desnecessárias, como se em si mesmas estivesse o próprio objetivo das contendas, mas contidamente, resumindo-as à sua verdadeira destinação que outra não é senão a de compatibilizar o seguro encaminhamento dos feitos à celeridade de sua finalização.

Recurso conhecido e provido.” (REsp 134.813⁄RS, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, DJ 09.10.2000, Quarta Turma)

“CITAÇÃO. Citação pelo correio. Pessoa jurídica. Assinatura de preposto.

– É suficiente, para que se cumpra a citação pelo correio, a entrega da correspondência na sede do estabelecimento do réu, recebida por um preposto que se presume autorizado para tanto. Mesmo porque não é comum dispor-se o diretor do banco a receber os carteiros, sendo de presumir-se que o empregado colocado nessa função tenha a responsabilidade de dar à correspondência recebida o devido encaminhamento. Recurso conhecido pela divergência, mas improvido.” (REsp 234.303⁄MG, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, DJ 27.03.2000, Quarta Turma)

“PROCESSO CIVIL. CITAÇÃO POSTAL. Adotando a citação por carta, o legislador acomodou-se às características desse serviço, no desempenho do qual o carteiro não é ordinariamente recebido pelos representantes legais das empresas, bastando que a correspondência seja entregue a preposto. Agravo regimental não provido.” (AgRg no REsp 262.979⁄MG, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, DJ 10.09.2001, Terceira Turma)

Importante realçar que também na Primeira Turma a tese vigorante é idêntica à reconhecida pelas Turmas integrantes das duas outras Seções, ainda que dando prevalência à letra do art. 8º, I, da Lei 6.830, de 1980, como se pode ver, v.g., do julgamento do AgRg no REsp 432.189⁄SP – Rel. o Min. TEORI ZAVASCKI)

Ante o exposto, acolho os embargos para conhecer do especial e dar-lhe provimento.

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