Dever dos sócios

Nos crimes contra o consumidor, responsabilidade penal é subjetiva

Autor

7 de dezembro de 2007, 23h01

Artigo 75 do Código de Defesa do Consumidor — responsabilidade concorrente

“Quem, de qualquer forma, concorrer para os crimes referidos neste código incide nas penas a esses cominadas na medida de sua culpabilidade, bem como o diretor, administrador ou gerente da pessoa jurídica que promover, permitir ou, por qualquer modo, aprovar o fornecimento, oferta, exposição à venda ou manutenção em depósito de produtos ou a oferta e prestação de serviços, nas condições por ele proibidas.”

Inicialmente, é necessário expor o conceito de concurso de pessoas, definido como duas ou mais pessoas que colaboram, moral ou materialmente, para o resultado, definição de Arruda Alvim. [1] Conforme a teoria monista ou unitária, adotada pelo Supremo Tribunal Federal, a co-autoria é consciente e voluntária para a execução do crime. Não há necessidade de um acordo prévio entre as pessoas, bastando que um deles esteja ciente da participação. É o entendimento de José Geraldo Brito Filomeno. [2]

Para a teoria unitária, o crime é único e indivisível, de modo que não se distingue entre as várias categorias de pessoas (autor, co-autor, partícipe), sendo todos condenados pelo mesmo delito. Contudo, a quantificação da pena é ajustada de acordo com a apuração do grau de culpabilidade do concorrente, ou seja, analisa-se individualmente a importância da conduta do agente para a ocorrência do resultado, atendendo ao Princípio da Culpabilidade, adotado pelo Direito Penal.

A título de esclarecimento, é necessário explicitar os conceitos de autoria, co-autoria e participação, baseados nos ensinamentos de Julio Fabbrini Mirabete [3] e Vicente Greco [4]:

Autor: aquele que tem o controle final do fato, de acordo com a teoria do domínio do fato. [5]

Autor direto ou imediato: aquele que pratica conduta descrita na lei como crime, no todo ou em parte.

Co-autor: aquele que executa, juntamente com outras pessoas, conduta descrita na lei como crime.

Autor indireto ou mediato: aquele que, através de pessoa inimputável ou que age por erro, coação (moral) irresistível ou em estrita obediência hierárquica, portanto sem culpa, pratica conduta descrita na lei como crime. (ex. induz menor). É a teoria do domínio do fato.

Coação é a utilização de força física (excludente de ilicitude) ou grave ameaça (excludente de culpabilidade) contra alguém, a fim de que faça ou deixe de fazer alguma coisa. segundo Delmanto. [6]

Sobre o assunto, necessário se faz observar o disposto nos artigos 22 e 65, do Código Penal:

Artigo 22, CP — Coação irresistível e obediência hierárquica

“Se o fato é cometido sob coação (moral) irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.”

Artigo 65, CP – “São circunstâncias que sempre atenuam a pena:


III – ter o agente:

c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior …”

O agente que sofre coação somente terá excluída a culpabilidade e não será responsabilizado, se tratar-se de coação moral irresistível, caso que leva à inexigibilidade de conduta diversa.

Se a coação for resistível, o agente será responsabilizado e só se beneficiará com atenuante.

A ordem superior a que a lei se refere é a ordem de autoridade administrativa ou servidor público, não alcançando as outras subordinações (empregatícia, familiar) e não haverá culpabilidade e, por conseqüência, punição, se a ordem não for visivelmente ilegal, pois se tiver consciência da ilicitude, servirá apenas como circunstância atenuante.

Partícipe: aquele que, mesmo não praticando a conduta que a lei define como crime, contribui, de qualquer modo, para a realização do delito. A colaboração é voluntária e pode ser moral ou material.

Na participação moral, o agente provoca em outrem o surgimento da idéia de praticar o delito (determinação) ou estimula a idéia criminosa já existente (instigação). Na participação material, o agente presta auxílio no cometimento da infração penal, sem, contudo, praticar a conduta descrita na lei como crime. [7]

Autoria incerta: todos respondem pelo resultado, ainda que não se possa saber quem praticou a ação prevista no núcleo do tipo penal.

Responsabilidade criminal nos crimes societários contra as relações de consumo

O Código de Defesa do Consumidor prevê expressamente, na parte final do artigo 75, a possibilidade de responsabilização criminal de diretores, administradores ou gerentes da pessoa jurídica, em virtude de crimes contra a relação de consumo. Esse dispositivo também se aplica aos sócios em virtude de interpretação jurisprudencial.

É importante ressaltar que, para incidir a responsabilidade criminal não basta o simples fato de ocupar a posição de direção da pessoa jurídica. É necessário que o agente tenha não só dado causa ao resultado, como também tenha atuado com o elemento subjetivo dolo ou culpa, tendo em vista que a responsabilidade penal é subjetiva. Corroboram com esse entendimento Arruda Alvim e Roberto Delmanto. [8] [9] TJ-SP RT 612/291

Denúncia nos crimes societários

Uma questão importante a ser discutida é o conteúdo da denúncia nos crimes societários contra as relações de consumo. Existem três correntes:

Uma primeira corrente admite a denúncia genérica, na qual não consta a individualização da conduta dos agentes (administrador, diretor, gerente, sócio) por dificuldades práticas de se identificar a autoria nos crimes societários.

“HC. CRIMES EM CONCURSO MATERIAL. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. 1. Não é inepta a denúncia por eventuais omissões, as quais podem ser supridas a qualquer tempo, antes da sentença final, desde que permita o exercício do direito de defesa. 2. Nos crimes de autoria coletiva, a denúncia pode narrar genericamente a participação de cada agente, cuja conduta específica é apurada no curso da ação penal. 3. O Código Penal, ao tratar do concurso de pessoas, prevê as figuras de autor, co-autor e partícipe, podendo ser parte passiva legítima na ação quem, de qualquer modo, concorre para o crime, ainda que não tenha praticado a conduta prevista no núcleo do tipo penal. … ”


(STF, 2ª Turma, HC 75868/RJ, Relator: Ministro Maurício Correa, Julgamento: 10/02/1998)

A segunda corrente não admite a denúncia genérica, defendendo que será apta a denúncia que explicitar com detalhes a conduta de cada um dos concorrentes, a fim de lhes possibilitar o exercício de defesa, sendo certo que só assim poderá ser atribuída a responsabilidade penal aos dirigentes que praticaram o crime através da pessoa jurídica.

 

“HC – CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – INÉPCIA DA DENÚNCIA. 1. Deve a denúncia conter a descrição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a definição da conduta do autor, sua qualificação ou esclarecimentos capazes de identificá-lo. 2. Imputado fato-crime a pessoa natural, à moda de imputação a pessoa jurídica e como se tanto fosse juridicamente possível, é de se reconhecer a inépcia formal da denúncia, que deixou de precisar a conduta de que resultou o agir criminoso … 3. Ordem concedida.”

(STJ, 6ª Turma, HC 40.306/BA, Relator: Ministro Hamilton Carvalhido, Julgamento: 20/10/2005)

A terceira corrente, que vem se tornando sólida na jurisprudência, não aceita a denúncia genérica, no entanto, propõe que não é necessário que a denúncia nos crimes societários pormenorize a conduta de cada um dos agentes. Basta uma individualização da conduta ilícita, uma menção à participação de cada concorrente na empreitada delitiva para que a denúncia seja considerada apta, podendo ser recebida pelo juiz. Atende ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa.

“HC. AÇÃO PENAL. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ANULAÇÃO DA AÇÃO PENAL.

1. O simples fato de os pacientes serem sócio-gerente e engenheira da indústria onde foram apreendidas mercadorias impróprias para consumo não é suficiente, por si só, para a responsabilização criminal, sob pena de inevitável punição objetiva. 2. Denúncia que não descreve com um mínimo de individualização a conduta ilícita praticada pelos pacientes ou, ao menos, indica a forma como teriam concorrido para a configuração do resultado torna-se inepta, por ser atentatória ao princípio constitucional da ampla defesa. 3. Ordem concedida.”

(STJ, HC 48.594/PE, Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima, Julgamento: 15/08/2006)

“HC. CRIME SOCIETÁRIO. 1. Alegada inépcia da denúncia, por ausência de indicação da conduta individualizada dos acusados. 2. Mudança de orientação jurisprudencial, que, nos crimes societários, entendia ser apta a denúncia que não individualizasse as condutas de cada indiciado, bastando a indicação de que os acusados fossem responsáveis pela condução da sociedade sob a qual foram praticados os delitos. 4. Necessidade de individualização das respectivas condutas dos indiciados. 5. Observância dos princípios do devido processo legal, da ampla defesa, contraditório e da dignidade da pessoa. 6. No caso concreto, a denúncia é inepta porque não informou, de modo adequado e suficiente, a conduta do paciente. 7. HC deferido.”

(STF, 2ª Turma, HC 86.879/SP, Relator: Ministro Joaquim Barbosa, Julgamento: 21/02/2006)

O Supremo Tribunal Federal adotava a primeira corrente e admitia a denúncia genérica, todavia, houve mudança de entendimento nas 1ª e 2ª Turmas, que, atualmente, adotam a terceira corrente, a qual defende a necessidade de um mínimo de individualização da conduta ilícita de cada concorrente.

Pelas considerações expostas, é possível concluir que não há que se falar em responsabilidade penal objetiva, sendo certo que, mesmo para os crimes contra o consumidor, a responsabilidade penal é subjetiva e a pena deve ser quantificada, analisando-se a culpa do agente e a importância da sua conduta para a configuração do resultado. [10]


[1] ALVIM, Thereza Arruda; ALVIM, Eduardo Arruda; MARINS, James. Código do Consumidor Comentado. 2ª edição. São Paulo: RT, 1995, p. 327-329.

[2] FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direito do consumidor. 5ª edição. São Paulo: Atlas, 2001, p. 281-283.

[3] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte Geral. Volume 1. 8ª edição. São Paulo: Atlas, 2002, p. 225-242 e 295-314.

[4] GRECO, Rogerio. Curso de direito penal. Parte Geral. Volume 1. 8ª edição. São Paulo: Impetus, 2009, p..

[5] WELZEL, Hans. Das deutsche Strafrecht. 11. Aufl. Berlin. Walter de Gruyter. 1969. p. 33. Apud TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 91.

[6] DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; JUNIOR, Roberto Delmanto; DELMANTO, Fabio M. de Almeida. Código Penal Comentado. 6ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 42-44.

[7] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte Geral. Volume 1. 18ª edição. São Paulo: Atlas, 2002, p. 225-242 e 295-314.

[8] ALVIM, Thereza Arruda; ALVIM, Eduardo Arruda; MARINS, James. Código do Consumidor Comentado. 2ª edição. São Paulo: RT, 1995, p. 327-329.

[9] DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; JUNIOR, Roberto Delmanto; DELMANTO, Fabio M. de Almeida. Código Penal Comentado. 6ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 59-66; 119-125; 129-135

[10] ALVIM, Thereza Arruda; ALVIM, Eduardo Arruda; MARINS, James. Código do Consumidor Comentado. 2ª edição. São Paulo: RT, 1995, p. 327-329.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!