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Homem pega perpétua por emprestar carro a assassino

4 de dezembro de 2007, 19h13

Por Redação ConJur

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No dia 10 de março de 2003, o norte-americano Ryan Holle, então com 20 anos, emprestou seu carro Chevrolet Metro a um amigo. O favor lhe custou uma condenação à prisão perpétua. Segundo a acusação, a sua decisão de ceder o carro pode ser considerada como sinônimo de assassinato. A história é contada pelo jornal The New York Times.

O amigo de Holle usou o carro para conduzir outros três homens a cidade de Pensacola, no estado da Flórida. O objetivo deles era assaltar o cofre de um traficante de maconha. Durante o assalto, a situação ficou violenta e um dos homens matou a filha de 18 anos do traficante, dando uma coronhada na cabeça da moça com uma espingarda.

Holle estava a dois quilômetros e meio do crime, mas foi condenado por homicídio com base na doutrina norte-americana de que os cúmplices são igualmente responsabilizados em assassinatos cometidos durantes delitos graves como furtos, estupros e roubos.

Durante as investigações, Holle deu uma série de declarações em que admite que sabia do assalto ao emprestar o carro. Ele foi condenado na primeira instância e está cumprindo a perpétua na prisão Wakulla Correctional Institution, também no estado da Flórida.

Segundo o procurador David Rimmer, a teoria aceita pelo júri no julgamento que aconteceu em 2004 é de que, “sem carro, não há o crime”.

Essa doutrina norte-americana, que é um dos aspectos da lei de homicídio doloso, tem origem no Direito inglês. No entanto, no Reino Unido, ela foi abolida pelo Parlamento em 1957.

Na tradição do Common Law (Lei do Costume, que é usada em países anglo-saxões), o homicídio doloso pode caber em assassinatos acidentais ocorridos durante crimes cometidos com intenção. Foi neste âmbito que Holle foi condenado como cúmplice.

Índia e outros países, que seguem a tradição inglesa, aboliram tal doutrina do cúmplice. Em 1990, por exemplo, a Suprema Corte do Canadá acabou com a responsabilidade culposa de cúmplices em assassinatos. O argumento é de que a doutrina viola o principio de que a punição deve ser proporcional ao animus nocendi do infrator.

No Direito Romano, a tradição é a mesma. “A visão da Europa é de que as pessoas são responsáveis pela prática de seus próprios atos e não pelos atos dos outros”, diz James Q. Whitman, professor de Direito Comparado da Universidade de Yale.

Nos Estados Unidos, os procuradores e grupos de vítimas de crimes dizem que punir cúmplices como se fossem os próprios assassinos é perfeitamente adequado.

Segundo o FBI (Federal Bureau of Investigation, a polícia federal dos EUA), cerca de 16% dos homicídios em 2006 ocorreu durantes delitos graves. Não há estatísticas sobre quantas dessas mortes tiveram procedimentos legais contra os cúmplices.

No entanto, segundo especialistas ouvidos pelo NYT, em 30 estados norte-americanos é comum os cúmplices serem punidos. Cerca de 80 pessoas foi condenada à morte por ser cúmplice de crimes dolosos, embora sem matar ninguém.

Terry Snyder, cuja filha Jessica foi a vítima neste caso, diz que a conduta de Holle é tão repreensível como o do homem que a matou.

O Ministério Público pediu no caso a pena de morte de Charles Miller Jr., o homem que realmente matou Jessica Snyder. Mas, ele foi condenado à perpétua sem recurso. A mesma pena teve Donnie Williams, Jermond Thomas e William Allen Jr., que invadiram a casa juntos com o assassino.

Holle não tinha registro criminal e costumeiramente emprestava seu carro para Allen. Os dois dividiam a mesma casa.

“Eu honestamente pensei que eles estavam indo fazer compras”, afirma Holle. “Quando disseram o que iria se passar, eu pensei que era uma brincadeira. Eu fui apenas muito ingênuo.”

Entre os cinco acusados, foi oferecido a Holle a possibilidade de reduzir a pena para 10 anos de prisão se confessasse o crime. Ele negou.