No meio de homens

Prisão de menina mostra retrocesso dos Direitos Humanos

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3 de dezembro de 2007, 13h55

Encontrei, numa das minhas andanças pelas livrarias de Lisboa, um livro que imediatamente adquiri: Direitos Humanos das Mulheres, primeiro porque me pareceu interessante este destaque, no campo dos Direitos Humanos, aos especificamente das mulheres, segundo porque no elenco de articulistas estavam conhecidos juristas portugueses; entre as mulheres Paula Escarameia, Anabela Miranda Rodrigues e, entre os homens, Vital Moreira e Irineu Cabral Barreto.

Chamou-me atenção o artigo de Conceição Brito Lopes, integrante da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres de Portugal, sob o título: Direitos Humanos das Mulheres: dois passos à frente, um passo atrás, onde começa mostrando a sua indignação com matérias divulgadas, à época, em noticiários portugueses, sobre o Afeganistão, em que se destacava, como grande inferno naquele país, a possibilidade de destruição de estátuas gigantes de Buda e nenhuma palavra sobre a situação dramática da população feminina, inexoravelmente destruída, física e psicologicamente, privada dos mais elementares direitos humanos: à vida, à saúde, à educação, ao trabalho, à liberdade, a tudo. Compara, a autora, com a mesma notícia divulgada pelo Le Monde, onde, depois de fortes ataques à destruição das estátuas, conclui: “esse grupo obscurantista, decidido a varrer a memória, continua a martirizar, sobretudo, as mulheres”. Este final era, para ela, um passinho à frente.

Esta observação da Conceição Brito Lopes veio-me à mente exatamente neste momento em que os meios de comunicação do Brasil, com repercussão em outros países, clamam ante os terríveis (faltam-me até palavras para qualificar) fatos ocorridos em prisão onde uma mulher, menor de idade, ficou detida durante vários dias em cela com mais de 20 homens, sofrendo abusos e atentados a sua dignidade pessoal e integridade física. Exatamente quando, paralelamente, há jactância pelo fato de o Brasil ter passado a integrar a lista das Nações Unidas dos países com melhores IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Que contradição!

Não bastasse a sordidez do fato em si, agora vêm os disparates que ainda mais irritam os que acompanham, com interesse, o desenrolar da situação. São colocadas as questões mais absurdas e que não diminuem a gravidade do ocorrido. Primeiro, foi posta em dúvida a idade: será a detida menor ou maior? Apesar da certidão de nascimento apresentada, teria havido pressão sobre os pais para alterá-la, dando-a como maior de idade. E lá vai a vítima se submeter ao constrangimento de um exame médico-legal, cuja resposta, como esperado, foi a confirmação da menoridade.

Achando pouco, uma autoridade local vai ao Senado e afirma, inclusive perante os meios de comunicação, para a nação estupefata, que a menor deveria ter problemas mentais, vez que nunca se apresentara como tal, ou, noutras palavras, a culpa era da vítima.

E não param por aí os absurdos. A vítima e toda a sua família foram levadas da sua cidade, fugindo de possíveis atos que poderiam ser praticados contra elas. E pergunta-se, por quem? A resposta é óbvia: por integrantes do próprio poder público, responsável por sua segurança, é claro, pois é impensável que pudessem provir da sociedade. Agora, albergadas, como grande coisa, pelo Programa de Proteção às Testemunhas, perderam, todos, a identidade, as condições normais de trabalho dos pais, de estudar dos menores, enfim, de liberdade. Uma família, como na música popular, “sem lenço e sem documento”, na realidade, escondida, verdadeiramente presa sem que se saiba por quanto tempo. Enquanto isso, os algozes continuam livres para perpetrarem outros crimes.

E os desvarios continuam. Agora, a novidade é que o prédio (se é que aquilo mostrado nas imagens da televisão pode ser chamado de prédio) vai ser demolido. Como se, ao demolir o imóvel, se apagassem as máculas nele ocorridas ou desaparecesse a responsabilidade de quem as praticou. É impressionante a busca de válvulas de escape para desviar as atenções da opinião pública do ponto central da questão.

Nada, dessas medidas tardias que possam ser tomadas, fará desaparecer ou sequer diminuir a gravidade do que ocorreu naquela cela. Foi uma mulher, igual em dignidade e direitos a qualquer uma de nós, reconhecidos pela Constituição, pelos tratados internacionais que o Brasil ratificou e todas as outras leis internas, considerados como tantos passos à frente na questão feminina, que nos faz ver a fragilidade das suas garantias. Hoje, essa menina-mulher sem nome e sem rosto fica como símbolo, não apenas de um passo atrás, mas de um grande e chocante retrocesso dos Direitos Humanos, de todos, homens e mulheres. Que, pelo menos, sirva de alerta.

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