Passos da Justiça

Entrevista: Marcos da Costa, tesoureiro da OAB-SP

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1 de dezembro de 2007, 23h01

Marcos da Costa - por SpaccaSpacca" data-GUID="marcos_costa.jpeg">A Justiça é umas das últimas instituições que ainda resiste à informatização. Enquanto uns clamam pela migração total para o processo digital, os mais conservadores resistem à tecnologia. Marcos da Costa, tesoureiro da seccional paulista da OAB e o criador da Comissão de Informática da Ordem, não se encaixa em nenhum desses perfis. Para ele não há outra alternativa para a Justiça a não ser a informatização. Mas não se pode impor a informatização como uma obrigação imediata.

“O papel existe no mundo jurídico antes mesmo de o Direito existir.” Essa quebra de tradição, acredita Costa, tem de ser feita com cautela. “Quer se fazer uma ruptura brusca. Não dá. Não sabemos quais serão os efeitos disso.”

Ele dá um exemplo disso: o Tribunal de Justiça de São Paulo, o maior e mais importante do país, sumiu do mundo jurídico. Segundo ele, até pouco tempo atrás, o site do TJ paulista não disponibilizava íntegras de acórdãos e, por isso, os advogados iam buscar jurisprudência em outros tribunais. A conseqüência disso é que as decisões paulistas deixaram de chegar às cortes superiores e, com isso, a sociedade paulista deixa de influenciar as principais decisões do país. Tudo conseqüência da tecnologia. No caso, da falta dela.

Marcos da Costa acredita que a principal barreira para a total informatização da Justiça não é a falta de computadores, mas, sim, a falta de cultura para se fazer um bom uso dele, principalmente entre os operadores do Direito. Ele chama a atenção também para outro perigo do processo de informatização: “Fala-se muito de informatização do Judiciário, como se fosse suficiente colocar computadores nos tribunais”. Na verdade, só será possível usufruir plenamente os benefícios da tecnologia quando todas as partes envolvidas no processo tiverem informatizados.

O advogado, hoje tesoureiro da OAB, formou-se em Direito pela FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), em São Paulo, em 1986. Tempos depois, se enredou para o lado do Direito de Informática, mas sempre no meio acadêmico. Sua carreira na OAB paulista começou em 1998. Participou da campanha que elegeu presidente da seccional o advogado Rubens Aprobbato. Nela, já inseriu a internet como ferramenta para angariar votos. Já na Ordem, criou a Comissão de Informática, que ele acredita ser a primeira do país sobre o tema.

Como tesoureiro da OAB paulista, presenciou um momento histórico: a redução da anuidade da Ordem, assunto sobre o qual também falou na entrevista que concedeu para a Consultor Jurídico. Também participaram da entrevista os jornalistas Maurício Cardoso e Rodrigo Haidar.

ConJur — O Judiciário está sendo, aos poucos, informatizado. O que o senhor pensa disso?

Marcos da Costa — Informatizar a Justiça não é informatizar apenas os tribunais. Toda a atividade judiciária tem de passar pelo processo, o que inclui juízes, advogados, Ministério Público e todos os envolvidos. Não temos como dizer hoje quais serão os efeitos da informatização do processo. Vivemos a quebra de um paradigma, que é a substituição do papel.

ConJur — E o que isso significa?

Marcos da Costa — No papel, dá para vincular a manifestação de vontade a uma pessoa, por meio da assinatura manuscrita. No eletrônico, isso é mais difícil. Tentamos isso por meio da assinatura digital. Mas a assinatura digital não é a assinatura de uma pessoa. É resultado de um processo matemático. No papel, cada pessoa tem sua assinatura. No eletrônico, cada documento tem a sua. Há uma má compreensão disso ainda. O TST, por exemplo, baixou uma resolução dizendo que cabe ao usuário garantir o sigilo da sua assinatura. Errou em dois pontos. Primeiro, as partes não são usuárias, mas agentes do processo. Segundo, como ele vai garantir o sigilo da assinatura? Ela tem de servir para a identificação. Não pode ser sigilosa. Como é que eu vou garantir o segredo da minha assinatura? A partir do momento que eu assino, o tribunal tem acesso a ela.

ConJur — Isso mostra que o Judiciário não tem exata noção da mudança pela qual está passando?

Marcos da Costa — Ninguém tem essa noção. Eu fui representar a OAB nas audiências públicas na Câmara dos Deputados para discutir o projeto da lei de informatização da Justiça. Notei quão difícil é sensibilizar os parlamentares de que eles não estão permitindo apenas o uso do computador, mas mudando paradigmas. No Judiciário, cada tribunal trata o processo de informatização como se estivesse formatando a sua própria administração. É uma visão distorcida.

ConJur — Nenhum tribunal tem uma visão do todo?

Marcos da Costa — Há exceções, como o Tribunal do Trabalho de Campinas e o próprio Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça.


ConJur — Na maioria dos casos, não há uma visão homogênea do processo de informatização?

Marcos da Costa — Não. A OAB propôs ao Conselho Nacional de Justiça a criação de um grupo de estudos para discutir parâmetros básicos para a informatização do processo. É preciso, por exemplo, saber qual é o plano de segurança física e de contingência para evitar que todos os dados se percam. Não podemos correr o risco de alguém tirar o computador da tomada e paralisar o Poder Judiciário. Há outros pontos principais que têm de ser definidos.

ConJur — Com cada tribunal desenvolvendo seu próprio sistema, não há o risco de eles não se comunicarem?

Marcos da Costa — Na Justiça do Trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho está dando os parâmetros para serem seguidos pelos tribunais. Na Justiça Federal, tem o Conselho da Justiça Federal definindo os parâmetros. O problema maior está nos tribunais estaduais, que são independentes. Por isso, pedimos que o CNJ dê as diretrizes básicas, o que não significa suprimir a autonomia dos tribunais.

ConJur — O ideal não seria ter um sistema único para todo o Judiciário?

Marcos da Costa — Não sei. Aí, entraria a questão filosófica: quem vai definir esse sistema único? Isso interferiria na autonomia dos tribunais. Acho que não preciso disso, mas é necessário definir alguns parâmetros para gerar interatividade. Isso permitirá a comunicação e respeitará a peculiaridade de cada tribunal.

ConJur — A exlusão digital é um entrave para o avanço do processo digital?

Marcos da Costa — Mais do que preocupação de acesso a computador, nós temos preocupação de acesso à cultura do uso do computador. Muitas vezes, queremos correr demais. Não pode ser assim. O avanço tem que ser com passos suficientemente lentos para que todo mundo saiba o que está fazendo na frente do computador. O advogado precisa saber que o certificado digital faz com que ele assuma obrigações jurídicas. Ele tem de saber que a certificação digital substitui a assinatura para qualquer ato da vida civil. O computador já chegou a um preço bastante acessível. Temos que nos preocupar, agora, com a mudança de cultura.

ConJur — Todo advogado já tem acesso a um computador e à internet?

Marcos da Costa — Não. Há regiões no Brasil que ainda não têm acesso, ou se tem o custo não é viável. Eu digo: isso é resolvido com investimento. Já a cultura não é tão simples assim. Repito: me preocupo mais com a cultura do que com o acesso ao computador.

ConJur — Mas a falta de computador também não freia a mudança de cultura?

Marcos da Costa — Sem dúvida. Não adianta avançarmos demais sem perceber que está ficando gente para trás. Quando a mudança do papel para o digital é radical, cria-se um obstáculo para aquele que não tem computador. É preciso permitir que as duas realidades convivam. Já ouvi o ex-ministro Antônio Palocci dizer que o Brasil é o único país em que 100% das declarações de Imposto de Renda são feitas pelo computador. Isso não é positivo, pois ele esqueceu de dizer que o Brasil é o único país que obriga o cidadão a fazer a declaração pelo computador. Não há alternativa. Isso é sinal de incivilidade. Nos países civilizados, o cidadão pode escolher se quer usar o computador ou não.

ConJur — O senhor não acha que o computador veio para substituir totalmente o papel?

Marcos da Costa — O papel existe no mundo jurídico antes mesmo de o Direito existir. Com o eletrônico, quer se fazer uma ruptura brusca. Não dá. Não sabemos quais serão os efeitos disso. Em 2002, escrevi um artigo dizendo que o Tribunal de Justiça de São Paulo tinha sumido do mundo jurídico. Tudo isso porque não tinha site onde os acórdãos fossem publicados. Sem isso, deixa de ser referência na evolução do Direito no Brasil. Os interessados vão fazer pesquisa de jurisprudência em outros tribunais mais acessíveis. Esse é o efeito direto. O indireto é que a visão da sociedade paulista deixa de influenciar as decisões das cortes superiores. Isso é uma conseqüência do mau uso da tecnologia.

ConJur — A OAB de São Paulo chegou a pedir a suspensão dos prazos quando começou a valer o Diário Oficial Eletrônico. A tecnologia complicou a vida do advogado?

Marcos da Costa — O Diário Oficial do Estado de São Paulo é o maior periódico diário do mundo. São 2,4 mil páginas, em média, por dia. Era preciso sim transformar isso em Diário Eletrônico. Foi a própria OAB quem propôs isso. Mas a nossa idéia era simplesmente migrar o papel para o eletrônico. A Lei 11.419/06, que trata da informatização do Judiciário, foi além. Ela tirou o Diário Oficial centralizado na imprensa digital e determinou que cada tribunal cuidasse do seu. Isso faz com que o advogado tenha que consultar cada tribunal onde atua. Outra questão que tem de ser enfrentada é definir, nesse momento de transição, qual Diário é o oficial — o eletrônico ou o de papel. O primeiro é feito pelo tribunal e o segundo, pela imprensa oficial. Outro problema é a disponibilidade do Diário Oficial eletrônico, que tem de estar hospedado em um site com capacidade para receber grande quantidade de consultas.


ConJur — Mas qual foi o problema que aconteceu em São Paulo para a OAB pedir a suspensão dos prazos?

Marcos da Costa — O site do Tribunal de Justiça de São Paulo é muito moroso. Com o Diário eletrônico, aumentou muito o número de consultas, muito mais do que a capacidade do site. Isso o torna ainda mais lento e faz com que ele saía do ar. O TJ paulista também criou um sistema de busca para que o advogado não precise consultar as mais de duas mil páginas. Essa busca não é oficial. Se ela não encontrar o nome do advogado, mas este estiver no diário, ele está intimado e nem vai conseguir provar depois que teve falha na busca. A Justiça de São Paulo errou ao colocar em funcionamento o Diário Oficial Eletrônico sem passar por um período de teste. O papel foi eliminado imediatamente, sem que o eletrônico pudesse ser testado.

ConJur — A OAB de São Paulo reduziu a anuidade em R$ 20. Dava para baixar mais ainda? O senhor considera a anuidade da OAB paulista cara?

Marcos da Costa — Acredito que tenha sido a primeira vez na história da Ordem que a anuidade foi reduzida. É um marco importante. A OAB tem suas despesas fixas. São quase 900 pontos de atendimento no estado com funcionários, equipamentos, café, água, limpeza e outros serviços. Além disso, a Ordem também faz investimento. Em cima desse valor, há as taxas e repasses para fundos e para o Conselho Federal da OAB. Tem de ser considerado o custo com a cobrança, que é o departamento financeiro inteiro e a emissão do carnê. No valor do orçamento total, tem de ser considerada a inadimplência, que é, em média, de 20%. A inadimplência já chegou a 40%, mas conseguimos reduzir pela metade e ainda tem de ser reduzida mais. A receita líquida necessária, então, praticamente dobra. Com a anuidade de R$ 650, entra líquido no cofre da Ordem apenas R$ 320. Isso é caro?

ConJur — Como a inadimplência foi reduzida?

Marcos da Costa — Fizemos o projeto de parcelamento da anuidade no começo de 2004 para trazer o advogado para perto da entidade. Também fizemos o advogado do interior se aproximar da sua subseção. Assim, ele pode ver as melhorias dentro da unidade. Conseguimos manter 25% da receita que obtivermos com a diminuição da inadimplência dentro da subseção. Aí, o advogado pôde ver que o pagamento da unidade representa um ganho imediato em infra-estrutura.

ConJur — Quais os serviços que a Ordem presta para um advogado no interior?

Marcos da Costa — São cerca de 700 salas do advogado espalhadas por 160 pontos no estado, com computador, impressora, café, água. Nenhuma outra entidade tem toda essa infra-estrutura disponível para o advogado. Esse é o grande custo que a OAB paulista tem, fora os cursos gratuitos que oferece. A Ordem também gasta muito com assistência judiciária. Só no ano passado, foram atendidos mais de um milhão de pessoas carentes e esse custo não foi ressarcido pelo estado até hoje.

ConJur — Quanto a Ordem gasta com assistência judiciária?

Marcos da Costa — Em 2008, devem ser gastos R$ 16,5 milhões com o atendimento dos carentes.

ConJur — Há previsão legal de o estado devolver esses recursos à Ordem?

Marcos da Costa — Em 2006, quando houve o projeto de lei complementar do governo paulista criando a Defensoria Pública, a Ordem conseguiu que o convênio com o estado fosse mantido e também que fosse aprovada a obrigação de o estado ressarcir a OAB. Esse ressarcimento é necessário porque não é função da Ordem atender os carentes. É função do estado. O custo desse atendimento é um dos fatores mais importantes no valor da anuidade. O advogado paga por esse atendimento e isso não é justo. A lei da defensoria diz que, a cada três meses, a Ordem fecha sua prestação de contas, apresenta os curtos que teve à defensoria e esta faz o ressarcimento. Fizemos isso neste mês. Se se concretizar, será a primeira vez que a Ordem tirará o custo das suas costas.

ConJur — Com a estruturação da defensoria, tende a cair o custo com assistência judiciária?

Marcos da Costa — Ele vai cair porque há um diálogo aberto entre a Ordem e a Defensoria e há preocupação de modernizar o convênio. Modernizando, por exemplo, trocando o papel pelo digital, os custos tendem a cair.

ConJur — A defensoria e a assistência judiciária não se excluem?

Marcos da Costa — Não, elas são complementares. O estado de São Paulo é o único estado do Brasil que atende o carente em todas as comarcas do estado. Isso é possível justamente porque existe o convênio com a OAB. O custo fixo para estruturar e manter a Defensoria para atender em todas as comarcas seria muito alto e desnecessário porque a OAB pode fazer isso.

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