Dia de fúria

Irritação por causa de atraso de avião não justifica agressão

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30 de novembro de 2007, 23h01

As cenas de passageiros esperneando, gritando e chorando nos saguões superlotados dos aeroportos são o mais dramático retrato do caos aéreo. Mas não servem como desculpa para colocar em risco a integridade física de terceiros, ainda que estes sejam os empregados das companhias aéreas que estão na raiz de toda a confusão.

Foi assim no caso do passageiro JBPT, então assessor do governador do Paraná, Roberto Requião, e do funcionário da Varig, LS. Em julho de 2003, quando os atrasos dos vôos ainda não eram rotulados como caos aéreo, JB, que embarcaria de Curitiba para São Paulo, ficou irritado porque seu vôo estava atrasado em mais de uma hora. Ele foi até o portão de embarque e reclamou do atraso com o funcionário da companhia. Disse que as passagens de avião estavam cada vez mais caras e os serviços cada vez piores e que estava “voltando ao tempo das carroças”. O comissário prontamente respondeu: “uma carroça puxada pelo senhor”.

A insinuação do funcionário, de que estava tentando explicar o motivo do atraso para um “burro”, foi suficiente para começar o que uma das testemunhas chamou de “troca de socos e pontapés”. JB atirou seu celular em direção ao funcionário da Varig, errou o alvo, mas insistiu na agressão com socos e pontapés. Souza foi atingido no rosto. Seus óculos quebraram, teve cortes na boca e diversos hematomas. Toda a agressão foi filmada pelo circuito interno de TV do aeroporto.

O comissário fez boletim de ocorrência e ingressou com ação de indenização. Afirmou que teve sua moral atingida, porque foi vítima de diversas agressões verbais. A primeira instância acolheu o pedido e fixou a indenização em R$ 7 mil.

O passageiro recorreu. Afirmou que o funcionário da Varig o chamou de burro, que já estava cansado e nervoso e em um ato reflexo atirou seu aparelho celular contra o funcionário. Também disse que jamais deu socos (afirmação desmentida pelas imagens gravadas) e que, depois de tudo isso, ainda teve de ir para São Paulo de ônibus, porque o avião não tinha previsão de decolagem.

Para se eximir da culpa, defendeu que deveria ser aplicado ao caso o Código de Defesa do Consumidor, porque houve falha na prestação do serviço. Outro argumento foi de legítima defesa.

Decisão

A 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná não acolheu as alegações. O relator, desembargador Nilson Mizuta, afastou a aplicação do CDC. Ele explicou que, mesmo que contrato de prestação de serviço seja regulado pelo Código de Defesa do Consumidor, a agressão foi praticada contra pessoa física. Para ele, “tal situação, por constituir circunstância extraordinária, alheia à expectativa dos contratantes, insere-se no campo da responsabilidade civil”.

“A lesão física sofrida atingiu diretamente o autor como pessoa individualmente considerada, não a empresa de viação aérea. Trata-se de relação de cunho personalíssimo, afastando-se a incidência do Código de Defesa do Consumidor”, afirmou.

Quando à legítima defesa, o relator afirmou que uma agressão não justifica outra. Para o desembargador, o passageiro não conseguiu comprovar que foi chamado de burro e, mesmo se isso tivesse acontecido, “não haveria justificativa para a investida hostil em face do funcionário”.

“Não vislumbro legítima defesa na atitude do apelante, pois não repeliu o autor moderadamente, ou fazendo uso dos meios necessários para repelir a injusta agressão, mas agiu com violência física contra um suposto desentendimento verbal”, concluiu.

A indenização de R$ 7 mil foi mantida pela 10ª Câmara. Os desembargadores acolheram parte do recurso do passageiro apenas para determinar o pagamento de honorários de sucumbência solidariamente — 50% para cada parte. O acórdão já transitou em julgado.

Leia a decisão

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0421761-6, DO FORO REGIONAL DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA – 1ª VARA CÍVEL.

Apelante: J.B.P.T.

Apelado: L.S.

Relator: DES. NILSON MIZUTA

RESPONSABILIDADE CIVIL. AGRESSÃO FÍSICA EM AEROPORTO. ATRASO DO EMBARQUE. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DIREITO PERSONALÍSSIMO. DANO MORAL. EXISTÊNCIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO. CORRETAMENTE ARBITRADO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. CONFIGURADA. COMPENSAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

1. A agressão física atinge diretamente a vítima, individualmente considerada, não a empresa de viação aérea. Trata-se de direito personalíssimo, afastando-se a incidência do Código de Defesa do Consumidor.

2. Configurada a agressão física ao funcionário da companhia aérea que realizava o embarque de passageiros em vôo atrasado, lesando a integridade física e com reflexo nos sentimentos íntimos da vítima, impõe-se a indenização por danos morais.


3. O quantum indenizatório deve ser fixado atendendo ao princípio da razoabilidade, na proporção do dano sofrido, considerando a capacidade financeira das partes envolvidas.

4. O apelante foi vencido no pedido de danos materiais e vencedor quanto aos danos morais, caracterizando-se a sucumbência recíproca.

5. “Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte”. (Súmula 306, STJ).

APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Apelação Cível nº 0421761-6, do Foro Regional de São José dos Pinhais da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, 1ª Vara Cível, em que são: apelante J.B.P.T. e apelado L.S.

RELATÓRIO

L.S. ajuizou a ação de indenização por danos morais e materiais em face de J.B.P.T. Relata que em 4 de julho de 2003, quando exercia sua função de aeroviário da empresa VARIG no aeroporto Afonso Pena, foi incumbido de informar aos passageiros acerca da substituição do vôo que partiria em direção a São Paulo, e que estava atrasado.

Sustenta que o passageiro réu estava transtornado pelo atraso da aeronave e passou a proferir agressões verbais direcionadas ao autor.

Após escutar os protestos do passageiro, caminhou em direção ao balcão de embarque para verificar a situação do vôo quando o réu atirou em sua direção um aparelho celular, que por sorte não lhe atingiu.

Em seguida, o réu atacou fisicamente o autor pelas costas, desferindo-lhe dois socos violentos que quebraram seus óculos e lhe causaram lesão na face. Afirma que o passageiro, após a agressão, apresentou a credencial de funcionário público do Governo do Estado do Paraná, utilizando-se de influência política para se eximir de qualquer responsabilidade.

Alega que o circuito interno de monitoramento do aeroporto gravou as cenas. Ressalta que ingressou com queixa policial em face da lesão sofrida.

Requer a condenação do réu ao pagamento de danos materiais referente ao conserto dos óculos e pagamento de honorários advocatícios para o processo criminal. Requer ainda a condenação a indenização por danos morais, além do pagamento das custas processuais e honorários de advogado.

Na contestação, J.B.P.T. sustenta que em 4 de julho de 2003 se encontrava no Aeroporto Afonso Pena para embarcar na aeronave Varig com destino ao Aeroporto de Congonhas.

Após horas de atraso, o autor, funcionário da companhia aérea, informou aos passageiros que o vôo seria redirecionado e pousaria no Aeroporto de Guarulhos. Neste momento, o autor fez um comentário extremamente indelicado e rude, chamando o passageiro de burro.

Assim, como o réu já estava cansado e nervoso, em um ato reflexo atirou seu aparelho celular contra o funcionário.

Afirma que jamais deferiu socos contra o autor, assim como nunca se utilizou de suas credenciais de funcionário público para obter benefício.

Sustenta que teve que tomar um táxi até a Rodoferroviária a fim de embarcar em um ônibus com destino a São Paulo, pois tinha um compromisso familiar ainda naquela noite.

Ressalta a inexistência de prova dos danos materiais e morais, além da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Requer a improcedência dos pedidos iniciais.

Em face da decisão que indeferiu a juntada do CD-Rom com imagens gravadas do sistema de vigilância do Aeroporto o autor interpôs agravo na forma retida (fls. 82/83).

A r. sentença julgou “procedente em parte dos pedidos insertos na Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais, para condenar o requerido a indenizar o requerente a título de danos morais o valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais) correspondente a 20 (vinte) salários mínimos vigentes, os quais deverão ser corrigidos pela média entre o INPC e IGDI, e, juros moratórios de 12% ao ano, a partir da presente decisão, eis que os valores encontram-se atualizados. Considerando que os valores de danos materiais correspondiam parte mínimo do pedido, condeno o requerido nas custas processuais e honorários advocatícios que os fixo em 15% sobre o valor da condenação” (fl. 120).

Irresignado, J.B.P.T. interpôs apelação. Sustenta a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois durante os fatos o autor representava a empresa de transporte aéreo.

A dignidade do consumidor foi atacada com as atitudes do apelado, que o desrespeitou chamando-o de burro. Todos os passageiros estavam extremamente irritados com o atraso do vôo e não houve profissionalismo por parte dos aeroviários em acalmar os viajantes.

Ressalta ausência de ato ilícito ensejador do dano, pois agiu em legítima defesa, ou seja, repeliu agressão injusta da vítima, defendendo direito próprio.


Requer a reforma da r. sentença para julgar improcedentes os pedidos iniciais. Alternativamente, requer a redução do valor arbitrado a título de danos morais e honorários de advogado.

Sustenta que a sucumbência deve ser recíproca, pois o apelado foi vencedor quando aos danos morais, porém foi vencido em relação aos danos materiais. Afirma que cada parte deverá arcar com os honorários de seu advogado.

L.S. ofereceu as contra-razões, pugnando pela manutenção da r. sentença recorrida.

VOTO

Tratam os presentes autos de ação de indenização por danos morais e materiais movida por L.S. em face de J.B.P.T., por ter o réu agredido fisicamente o autor enquanto esperava seu vôo no Aeroporto Afonso Pena.

Alega o réu, ora apelante, ser aplicável o Código de Defesa do Consumidor ao caso, eis que o autor laborava como aeroviário da companhia aérea VARIG quando os fatos ocorreram.

Razão não lhe assiste.

A questão posta nos autos cinge-se a apuração dos danos materiais e morais sofridos pelo autor em decorrência da agressão física sofrida enquanto trabalhava no embarque de passageiros da companhia aérea Varig no Aeroporto Afonso Pena.

Em que pese a responsabilidade decorrente do contrato de prestação de serviço de transporte aéreo ser regulada pelo Código de Defesa do Consumidor, a agressão foi praticada contra a pessoa do autor, não se tratando de típica atividade comercial ou consumerista.

Tal situação, por constituir circunstância extraordinária, alheia à expectativa dos contratantes, insere-se no campo da responsabilidade civil. A lesão física sofrida atingiu diretamente o autor como pessoa individualmente considerada, não a empresa de viação aérea. Trata-se de relação de cunho personalíssimo, afastando-se a incidência do Código de Defesa do Consumidor.

Isto não importa em dizer que a dignidade da pessoa humana não deva ser preservada, como fundamento da República (art. 1º, III, CR). Todos os princípios constitucionais devem ser tutelados pelo Direito, independentemente da aplicação do CDC.

Sustenta o apelante que não cometeu ato ilícito, pois apenas repeliu injusta agressão moral por parte do autor. Ressalta que fez o seguinte comentário ao funcionário:

“as passagens de avião estão cada vez mais caras e os serviços cada vez piores, estamos voltando ao tempo das carroças”, no que foi prontamente respondido pelo autor: “uma carroça puxada pelo senhor” (fl. 42).

Registre-se que os elementos probatórios do processo demonstram que, a rigor, houve o fato lesivo à integridade física do autor, como narrado nos autos e, neste ponto, os litigantes estão concordes, em que pese haver divergência entre o número de golpes.

Convém ainda ressaltar que a vítima, ora apelada, sofreu “trauma corto contuso em lábio inferior (lado direito) de aprox. 1 cm, + trauma contuso em região de maxila direita” (fl. 11), segundo laudo elaborado pelo Serviço Médico de Emergência da INFRAERO.

A vítima ainda exerceu seu direito de representação pela infração do art. 129, caput, do Código Penal. Na audiência preliminar, J.B.P.T., “apesar de negar os fatos conforme relatados, apresentou pedido de desculpas à vítima acerca dos fatos apurados nestes autos, o que foi aceito por L.S.” (fl. 12).

A testemunha Silvia Cristina Muller Gipiella, quando inquirida, disse que: “estava de costas quando o autor foi agredido, tanto que o autor ficou com ferimento no rosto e estava sangrando; que antes da agressão o requerido jogou o celular contra o autor, mas não acertou” (fl. 90).

A testemunha Ozéias Feliciano Junior, por sua vez, afirmou que: “ele voltou e arremessou o celular contra o autor, que não acertou, e foi em direção a ele e acabou por agredi-lo” (fl. 92).

O apelante quer fazer crer que sua atitude foi praticada em legítima defesa, eis que já estava irritado em decorrência do atraso do vôo, falta de informação da companhia aérea, alteração no local de pouso, além da agressão verbal do autor, que o chamou de burro.

Em seu depoimento pessoal, o apelante afirmou que: “diante da agressão verbal recebida aliado ao contratempo da espera prolongada pelo vôo e alteração do destino de desembarque, respondeu ao funcionário dando um soco, ‘tendo voado o celular’; o soco pegou no rosto, e continuou a repreender o funcionário de que aquela resposta não era a adequada (…) que desferiu apenas um soco, do que se lembra; que não se recorda exatamente se jogou o celular antes ou se tudo foi num gesto único da agressão” (fl. 88).

O apelante não logrou êxito em comprovar que fora agredido verbalmente pelo autor, que o teria chamado de burro. A única prova que produziu não foi capaz de atestar a veracidade da alegação.

A testemunha arrolada pelo réu, Rodrigo Santos Loures Filho, igualmente passageiro da Varig, ao ser inquirida afirmou que “houve agressão mas não sabe afirmar quem agrediu primeiro, o requerido estava se sentindo ofendido pela situação” (fl. 94).


Neste ponto, deveria o réu ter comprovado sua tese, pois este é o ônus que lhe é incumbido pelo art. 333, II, do Código de Processo Civil:

“Art. 333. O ônus da prova incumbe:

(…)

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.”

Na verdade, mesmo que fosse aceita a tese de agressão verbal por parte do autor, não haveria justificativa para a investida hostil em face do funcionário.

Não vislumbro legítima defesa na atitude do apelante, pois não repeliu o autor moderadamente, ou fazendo uso dos meios necessários para repelir a injusta agressão, agindo com violência física contra um suposto desentendimento verbal.

O reconhecimento de uma situação de legítima defesa pressupõe a presença dos requisitos legais representados pelo emprego moderado dos meios necessários para repelir a agressão, envolvendo, desse modo, o delicado problema da proporcionalidade entre ataque e defesa.

No caso, como o apelante não provou a agressão verbal do apelado, não houve ameaça a bem jurídico de J.B.P.T, pois atrasos em vôos de apenas algumas horas são situações de mero aborrecimento. Note-se que não houve equilíbrio entre o interesse do apelante e a incolumidade física da pessoa humana do apelado.

Por conseguinte, a legítima defesa é uma faculdade de proteção à pessoa da vítima de uma agressão injusta, com vontade de evitar um dano pessoal ou alheio. A agressão não era inevitável e o uso da força excedeu demasiadamente o necessário para efetuar a defesa

As demais circunstâncias a que se refere o apelante, como o atraso da aeronave, alteração do local de pouso e falta de informações aos passageiros, em que pese trazer enorme desconforto e revolta a todos os viajantes, não permitem a possibilidade de atacar violentamente qualquer pessoa, mesmo funcionários da companhia aérea, que não têm controle sobre o retardamento dos vôos.

Em igual sentido, esta Câmara já decidiu:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA. AGRESSÃO INJUSTA. LEGÍTIMA DEFESA NÃO COMPROVADA. DANO MORAL CONFIGURADO. DEVER DE INDENIZAR. QUANTUM INDENIZATÓRIO NÃO EXCESSIVO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Se o réu confessa ter agredido o autor, mas afirma ter agido em legítima defesa, compete-lhe comprovar tal excludente (art. 333, inciso II, do Código de Processo Civil). Uma vez não comprovada, responde o agressor pela indenização devida. 2. Não há falar em prova do dano moral, mas sim, do fato que gerou a dor e o sofrimento, qual seja, a ofensa à integridade física do apelado. 3. A indenização por danos morais foi fixada com observância ao princípio da razoabilidade, de forma a recompensar os transtornos sofridos pela vítima, sem gerar enriquecimento sem causa, pelo que, deve ser mantida.” (TJPR. Ap. Cív. 0387810-4. 10ª C. Cív. Rel. Des. Luiz Lopes. DJ. 04/05/2007).

Comprovada a existência de lesões físicas ao apelado, cumpre analisar a hipótese de dano moral por ele sofrido.

O dano moral é caracterizado, in casu, pelo sofrimento experimentado em decorrência do ataque lesionador do apelante. A ofensa física causou na vítima dor e sofrimento, que justifica a reparação correspondente.

YUSSEF SAID CAHALI ensina que: “nossos tribunais, mais recentemente, tendem a identificar o dano moral especialmente nos efeitos dolorosos da lesão causada pelo ato ilícito, no sofrimento pessoal, na dor-sentimento, nos seus reflexos de ordem psíquica e no próprio esquema de vida, com alterações substanciais, seja no âmbito do exercício de atividades profissionais como nas simples relações do cotidiano relacionamento social” (In: Dano Moral. 3ª Ed. São Paulo: RT, 2005. p. 235).

Ademais, conforme orienta o Superior Tribunal de Justiça, nos casos de danos morais decorrentes de evento danoso, desnecessária a prova do efetivo sofrimento:

“O dano moral decorre do próprio acidente, sendo desnecessária a prova efetiva do sofrimento do autor”. (STJ, REsp 239309 / DF – Terceira Turma – Rel. Ministro CASTRO FILHO – DJ 20.06.2005).

“Já assentou a Corte que “não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Provado assim o fato, impõe-se a condenação, sob pena de violação ao art. 334 do Código de Processo Civil”. (STJ, REsp 318099 / SP – Terceira Turma – Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO – DJ 08.04.2002).

Ainda, a jurisprudência deste Tribunal:

“(…) 5. O dano moral puro prescinde de prova quanto à sua existência, extensão e nexo de causalidade, bastando, para o seu reconhecimento, a prova do fato com condão de lesionar a honra da vítima. Trata-se do denominado dano ipso facto. (…)” (TJPR – 15ª Câmara Cível – Apelação Cível nº 0363195-0 – Rel. Des. Jucimar Novochadlo – Julg. 25/10/2006).


Configurado o dano moral, passo à análise do quantum indenizatório. Requer o apelante a redução do valor arbitrado a título de danos morais.

Razão não lhe assiste.

Para fixação do quantum indenizatório consideram-se as circunstâncias de cada caso concreto, tais como a natureza da lesão, as conseqüências do ato, o grau de culpa, as condições financeiras das partes, e mais, deve-se estar atento a sua dúplice finalidade, ou seja, meio de punição e forma de compensação ao sofrimento e angústia vivenciados pela vítima.

RUI STOCO ensina: “tratando-se de dano moral, nas hipóteses em que a lei não estabelece os critérios de reparação, impõe-se, obediência ao que podemos chamar de “binômio do equilíbrio”, de sorte que a compensação pela ofensa irrogada não deve ser fonte de enriquecimento para quem recebe, nem causa da ruína para quem dá. Mas também não pode ser tão apequenada, que não sirva de desestímulo ao ofensor, ou tão insignificante que não compense e satisfaça o ofendido, nem o console e contribua para a superação do agravo recebido”. (In: Tratado de Responsabilidade Civil, 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 1709).

O autor, adiante, acrescenta que : “Assim, tal paga em dinheiro deve representar para a vítima uma satisfação, igualmente moral, ou seja, psicológica, capaz de neutralizar ou “anestesiar” em alguma parte o sofrimento impingido. A eficácia da contrapartida pecuniária está na aptidão para proporcionar tal satisfação em justa medida, de modo que tampouco signifique um enriquecimento sem causa da vítima, mas está também em produzir no causador do mal impacto bastante para dissuadi-lo de igual e novo atentado”. (op. cit. p. 1683).

Entendo, portanto, que depois de examinado o caso concreto, verifica-se que a quantia foi arbitrada em atenção ao princípio da razoabilidade, não merecendo qualquer reforma.

Observa-se o grau de culpa do apelante para a ocorrência do ato lesivo, que agiu com excesso de violência diante de situação que não mereceria tamanha brutalidade. Também se deve levar em consideração que a configuração do dano independe da prova do prejuízo, como acima afirmado.

Denota-se a evidente capacidade de pagamento do causador do dano, eis que trabalha na Assessoria de Imprensa do Governo do Estado do Paraná. Deste modo, para evitar o enriquecimento sem justificativa do apelado, considerando-se os parâmetros utilizados normalmente em casos semelhantes, mantenho o valor da indenização em R$ 7.000,00, como arbitrado na r. sentença.

Requer o apelante o reconhecimento da sucumbência recíproca, eis que o autor foi vencido em relação aos danos materiais.

Da petição inicial, denota-se que a pretensão do autor era ser indenizado por danos materiais, referentes ao conserto de seus óculos e honorários de advogado do processo criminal, além de danos morais.

A condenação limitou-se, no entanto, somente aos danos morais pleiteados. Assim, inolvidável que houve o decaimento de parte significativa do pedido do autor, o que justifica o reconhecimento da sucumbência recíproca na forma de 50% para cada parte, com oportuna compensação da verba honorária.

“Possível a compensação dos honorários sucumbenciais, em face da compatibilidade entre os arts. 21 do CPC e 23 da Lei nº 8.906/94. Agravo regimental desprovido.” (STF – RE-AgR 326824 – SP – 1ª T. – Rel. Min. Carlos Britto – DJU 13.02.2004 – p. 00013).

Trata-se de matéria já sumulada no Superior Tribunal de Justiça cujo enunciado assim dispõe:

“Súmula nº 306: Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte”.

Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação interposta por J.B.P.T. para determinar a existência de sucumbência recíproca, na proporção de 50% para cada parte, com oportuna compensação da verba honorária, conforme fundamentação acima consignada.

ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos em dar parcial provimento à apelação interposta por J.B.P.T. para determinar a existência de sucumbência recíproca, na proporção de 50% para cada parte, com oportuna compensação da verba honorária, nos termos do voto do Des. Relator.

A sessão foi presidida pelo Desembargador RONALD SCHULMAN, com voto, e participou do julgamento o Senhor Desembargador MARCOS DE LUCA FANCHIN.

Curitiba, 16 de agosto de 2007.

NILSON MIZUTA

Relator

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